Antes da corrida, exibiu-se a Marcha dos Veteranos da Ilha Terceira ao som de uma música de Carlos Alberto Moniz |
A empresa homenageou ao início da corrida os artistas que ontem representaram a aficion dos Açores no Campo Pequeno |
Momento em que Ana Batista confirmava em Lisboa a alternativa ao cavaleiro terceirense Tiago Pamplona |
O brinde de Tiago Pamplona a Marcos Bastinhas e também à memória do seu inesquecível padrinho de alternativa, o Maestro Joaquim Bastinhas |
Tiago Pamplona surpreendeu os que o não conheciam pela serenidade e pelo bom gosto com que lidou o primeiro toiro da noite, depois de confirmar a sua alternativa |
Foi com esta verdade e com esta emoção que Ana Batista enfrentou ontem um toiro bravo e difícil, dos que impõem e exigem. Grande toureira e a classe de sempre |
Miguel Moura empolgou com a melhor actuação da noite. Era o triunfo que lhe estava a faltar e ontem conquistou por seus méritos absolutos |
Foi uma noite de êxito para todos os cavaleiros e forcados e para a ganadaria do Engº Jorge de Carvalho a quinta corrida da temporada do Campo Pequeno, que ontem à noite homenageou a aficion dos Açores. Dois terços da lotação da praça preenchidos sobretudo por aficionados da ilhas, que viveram com entusiasmo as emoções de uma grande corrida
Miguel Alvarenga - Miguel Moura foi o autor dos melhores e mais emotivos momentos da corrida de ontem no Campo Pequeno, mas a noite ficou também marcada por grandes actuações de todos os cavaleiros e dos três grandes grupos de forcados que pegaram os seis exigentes toiros do Engº Jorge de Carvalho à primeira, tendo Manuel Pires (quinta pega), cabo dos Amadores do Ramo Grande, ganho com toda a justiça e merecimento o prémio deste tradicional Concurso de Pegas.
Ao início da corrida, a empresa prestou, por intermédio da sua administradora, Drª Paula Mattamouros Resende e do director de Actividades Tauromáquicas, Rui Bento, homenagem na arena a todos os intervenientes açoreanos nesta noite de festa (o cavaleiro Tiago Pamplona, os cabos dos dois grupos de forcados terceirenses, o maestro da banda e a Marcha dos Veteranos da Ilha Terceira, que deu ambiente à noite dos Açores no exterior e no interior da praça, antes do início do espectáculo).
Seis toiros de excelente condições, nem um descaíu para tábuas, bem apresentados, sem quilos excessivos, bonitos e com seriedade e transmissão, a confirmar o grande momento da ganadaria do Engº Jorge de Carvalho no ano da comemoração do seu 50º aniversário. Toiros e exigir, a pedir contas, a "meter mudanças" e a dar que fazer a cavaleiros e forcados. Bravos e sérios os dois primeiros, sendo o ganadero muito justamente premiado pelo director de corrida a dar volta à arena logo no segundo, volta essa que deu Raquel, filha de Jorge de Carvalho; bom também e de investida franca e nobre o terceiro toiro; reservado e mais complicado o quarto; de nota alta o quinto; complicadão o sexto, que "rachou" a meio da lide.
Tiago Pamplona, já o vi muitas vezes, é um cavaleiro de valor e de corte clássico. Confirmou a alternativa, que recebeu em 2006 em Angra das mãos do saudoso Bastinhas e brindou a sua lide à memória do Mestre e a seu filho Marcos. Não acusou o peso de estar a tourear no Campo Pequeno. Pelo contrário, esteve sereno e artista, aproveitando a belíssima qualidade do toiro que abriu praça, lidando-o com aprumo, entrando de frente, cravando com acerto e emoção. Surpreendeu e é pena que não toureie mais no continente. As claques açoreanas apoiaram-no e os aficionados lisboetas reconheceram o seu bom empenho. Triunfou.
Ana Batista é um verdadeiro grito de emoção, de toureio de bom gosto - e de casta e raça, dessa fibra que caractateriza os grandes toureiros. É acima de tudo uma mulher de armas. Esteve ontem no Campo Pequeno em grande, poucos dias depois da aparatosa colhida que sofreu na noite de tragédia em Coruche. O segundo toiro era bravo, impunha, transmitia e exigia. Ana lidou-o na perfeição, como se não fosse nada complicado, com a arte e com a classe que nela fazem a diferença e a consagram, sem margem para dúvidas, como a melhor cavaleira tauromáquica portuguesa. A sua actuação foi em crescendo, com ferros de grande verdade e apurado rigor artístico. E técnico. Triunfo importante e a merecer repetição na Catedral.
O toiro de Filipe Gonçalves não complicou, era também sério, com transmissão, nobre e de investidas claras. E se já deixara bem evidente nas actuações deste ano, sobretudo na Corrida TV de Tomar na passada sexta-feira, o cavaleiro algarvio confirmou ontem em Lisboa a maturidade adquirida, a seriedade com que agora interpreta o toureio, com a espectacularidade e a alegria que sempre foram seus apanágios. Continua a chegar forte às bancadas, mas neste momento com muito maior sobriedade. E mais seriedade. Os "quiebros" resultaram e empolgaram. E terminou com um par de bandarilhas, que falhou na primeira abordagem ao toiro, deixando só meio, mas concretizou depois em sorte ousada e muito aplaudida, sem ser pelo corredor, bem no centro da arena, de frente e com a perfeição com que sempre interpreta esta sorte. Actuação notável e a reafirmar o grande momento do novo Filipe Gonçalves.
O quarto toiro foi o mais reservado - e mansote - dos seis. Parado, esperava, exigia que o cavaleiro lhe encurtasse as distâncias e entrasse por ele dentro, investia só mesmo no derradeiro segundo. E para fazer mal. Manuel Ribeiro Telles Bastos é um aprumo de toureiro. Vinha somando triunfos aclamados "por fora" e a sua apresentação na temporada da capital era por isso aguardada com justifificada expectativa. Entendeu as dificuldades do toiro e tornou o difícil fácil. Lide com maestria, "à Ribeiro Telles" e sobretudo "à Manuel", que faz sempre a diferença pelo classicismo, pela classe e pela serenidade com que toureia. Mandou, impôs-se, esteve brilhante a bregar e deixou os ferros como se eles fossem quadros de pintura toureira. Brilhante! Lide séria e memorável, mesmo, a um toiro que pedia contas, transmitia quase nada e se alguém transmitiu foi o toureiro - que é muito bom! Acrescente-se que Manuel Telles Bastos teve o bonito pormenor de brindar a sua lide a João Moura Júnior, depois da noite dramática que este viveu no último sábado em Coruche.
Miguel Moura vinha alternando triunfos com tardes menos conseguidas - e esta vinda ao Campo Pequeno era (foi) decisiva para que deixasse de vez as meias tintas e se perfilasse também, como merece, nos lugares da frente. Entrou defintivamente para o grande campeonato. Decidido, manifestando atitude, como que a dizer "também estou aqui!", iniciou a lide com uma empolgante sorte de gaiola e a seguir abriu o livro e tudo o que fez foi bem feito. A marca mourista, aquela ligação permanente ao toiro, a arte feita emoção, o toureio feito verdade. Mais importante, ainda: numa noite que foi de triunfo para todos, foi dele que o público saíu a falar, foram dele os mais marcantes momentos da noite. Um triunfo da raça e do valor do jovem Miguel Moura. Que se andava a bater à porta, desde ontem entrou de vez no pelotão da frente e com ganas de disputar também o trono com os demais. Triunfo importante - e que era o triunfo que fazia falta ao Miguel. Conquistou-o por seu mérito absoluto.
João Salgueiro da Costa vive um momento grande e só mesmo isso justificou que ontem tenha vindo ao Campo Pequeno ainda diminuído, com a ânsia de não deixar fugir esta oportunidade. Toureou sem o estribo direito, devido ainda à fractura que em Angra sofreu no tornozelo e de que, como se viu, não está ainda recuperado. Sentiu-se ao longo da lide, de altos e baixos, a falta desse apoio. O toiro foi o mai complicado da corrida, "rachou" cedo e não facilitou o trabalho ao valoroso Salgueiro. Notáveis, de poder a poder, dando toda a prioridade ao oponente, os dois grandes ferros compridos iniciais. Alguma irregularidade depois nos curtos, mas uma lide digna e pautada pela grande força de vontade do toureiro em tentar superar toda a adversidade que a lesão ainda lhe causa.
Só discordo do facto de, no final, ter vindo à arena de muletas. Assim como quem diz "desculpem lá qualquer coisinha, mas não estou a cem por cento". Uma senhora que estava sentada atrás de mim, até comentou, espantada, para o marido: "O que foi que aconteceu ao rapaz, coitado? Se calhar caíu do cavalo lá dentro...". Foi só esta a nota negativa - e dispensável - da honrada passagem de Salgueiro ontem pelo Campo Pequeno. Era escusado o número das muletas. Bem sei e entendo na perfeição que uma oportunidade de estar na praça de Lisboa é irrecusável e demasiado importante para se perder. Mas um toureiro - e outro artista de outra área qualquer - tem que estar a cem por cento quando se apresenta em público. Por isso, acho que alguém o deveria ter aconselhado a não vir nas condições precárias em que veio. A Drª Paula Resende e o Rui Bento certamente que teriam entendido e certamente, também, que teriam adiado a presença do toureiro para, por exemplo, a gala de fecho da época. Teria sido de muito mais bom senso. Não morreu uma única andorinha e também não acabou a Primavera de fulgor que Salgueiro está a viver neste momento alto da sua carreira. Mas aquilo das muletas, por amor da santa...
Noite grande, enorme, para os dois grupos de forcados dos Açores, os Amadores da Tertúlia Tauromáquica Terceirense e os Amadores do Ramo Grande e também para os Amadores de Beja. Três grandes grupos e seis empolgantes pegas à primeira. Não acontece todos os dias. E um forcado dos maiores que temos, Manuel Pires, cabo do Grupo do Ramo Grande, a reafirmar no Campo Pequeno o seu desmedido valor.
Direcção muito acertada, exigente, sem conceder música por dá cá aquela palha, só mesmo no momento certo, por parte de Fábio Costa, antigo forcado e um dos novos directores de corrida, que fazia ontem a sua estreia em Lisboa.
No camarote vip, junto a outros políticos e autarcas açoreanos, presidiu à corrida o presidente do PS e líder parlamentar do partido governamental, Carlos César, também ele açoreano. Parte do público apupou-o quando os forcados lhe brindaram. Não merecia tal trato (falta de educação, primeiro que tudo, é preciso que se diga - e se lamente) um político que até se defrontou com o próprio primeiro-ministro há uns meses quando foi a hora de baixar o IVA dos espectáculos tauromáquicos. Já aqui o escrevi esta manhã, mas repito: continuamos a não saber estar. E depois não se admirem de que os políticos se estejam nas tintas para as touradas. Entendo agora na perfeição - e até aplaudo - o facto de o presidente Marcelo e tantos mais continuarem a recusar vir às corridas de toiros. Eu, se fosse a eles, há muito que tinha mandado esta rapaziada dos bois à merda. Não merecem mesmo que se lhes tente dar alguma atenção.
E é por estas e por outras que um dia isto chega mesmo ao fim. Depois não se queixem. E não venham dizer que a culpa foi dos anti-taurinos...
Fotos Maria Mil-Homens e Frederico Henriques