quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Alcochete: a maestria de António, a irreverente ousadia de Rouxinol e de Prates e três bravos toiros de Palha

Um Palha à antiga e um cavaleiro à antiga também. Maestria e mais maestria
na actuação destacada de António Ribeiro Telles
Rui Salvador à maneira antiga numa lide de muita entrega e a ousadia de
sempre no segundo toiro da noite que era da ganadaria Vinhas
Grande actuação e lide séria de Gilberto Filipe a um bravo toiro de bandeira
da ganadaria Palha, que mereceu volta à arena ao ganadero, dada pelo maioral
Perfeição e arte na classe do toureio de Manuel Telles Bastos ao quarto toiro,
sério, que pertencia à ganadaria Vinhas
Atitude e muita raça na lide de Rouxinol Jr. a um Vinhas reservado e que pediu
contas
Assim investiu o último e bravo Palha no capote de Pedro Noronha
Emoção, verdade e ousadia no toureio de António Prates


A verdade e a seriedade do toiro marcou ontem a corrida de Alcochete, segunda e última da feira, com praça cheia e o público a corresponder em força a um cartel bem rematado e diversificado e a um confronto das ganadarias Palha e Vinhas, claramente ganho pela primeira com três toiros de bandeira, bravos, a impor emoção

Miguel Alvarenga - Em Alcochete, pelas suas tradicionais e tão genuinamente portuguesas Festas do Barrete Verde e das Salinas, únicas, as corridas de toiros têm, como sempre dizia o saudoso "Nené", um outro sabor. Tão diferente e tão especial.
A festa começa manhã cedo, as largadas, a condução dos cabrestos e dos toiros pelas ruas da vila (ontem fugiu um toiro e foi uma carga de trabalhos, e de sustos, para o apanhar), os copos ao final da tarde na popularíssima "Chafarica" do António José Pinto, onde todo o mundo se encontra e constitui, nestes dias, o  santuário de romagem de todos os aficionados.
Pela tarde e a seguir ao sorteio dos toiros, vivi no escritório da praça, onde tantas vezes estive com o meu querido "Nené", as expectativas e as angústias de seus filhos Margarida e António José, cuidando dos derradeiros preparativos, envolvidos na expectativa de saber se a corrida ia ou não ter gente. "Não está famoso, mas nos últimos anos esta corrida encheu sempre à hora", diziam. E assim foi.
Às dez em ponto da noite, a praça apresentava já uma imensa moldura humana, praticamente cheia, vivendo-se aquele tal ambiente que faz a diferença e tem, na realidade, outro sabor. Lidavam-se três toiros da ganadaria Palha e três da ganadaria Vinhas e o sorteio ditara que os Palhas eram para António Telles, Gilberto Filipe e António Prates e os Vinhas para Rui Salvador, Manuel Telles Bastos e Luis Rouxinol Júnior. Pegavam os Amadores de Montemor e os Amadores do Aposento do Barrete Verde de Alcochete. Como sempre, nas bancadas, uma larga falange de antigos forcados de Montemor a apoiar a sua rapaziada. E, obviamente, também, a aficion de Alcochete a dar força ao seu grupo mais antigo.
As emoções maiores da corrida, no que aos cavaleiros diz respeito, estiveram a cargo dos dois mais jovens cavaleiros, Luis Rouxinol Júnior e António Prates (fala-se mesmo na intenção da empresa do Montijo de montar em Setembro um mano-a-mano dos dois...), dois toureiros em fase de permanente explosão e que todos os dias dão a cara e põem a carne no assador para se afirmarem.
Rouxinol Júnior esperou sózinho o quinto toiro de Vinhas com uma emotiva e arriscada sorte de gaiola, que começa a ser a sua imagem de marca. E de atitude. Um toiro algo reservado e de investidas tardias e pouco claras que obrigou Rouxinol a muito porfiar, com entrega e risco, conseguindo ferros emotivos.
Ao irreverente António Prates coube um bravo toiro de Palha, último da corrida, daqueles que pedem contas e exigem tudo aos toureiros. Com a casta e a raça que dele estão a fazer um dos mais importantes casos do toureio a cavalo, lidou-o com cabeça e também com coração, impondo seriedade e muita emoção a tudo aquilo que fez. Pisou a linha de fogo, arriscou, os ferros resultaram emotivos e o público rendeu-se ao jovem cavaleiro que dois meses antes nesta praça tomou a sua alternativa.
A lide de maior maestria, verdadeiro compêndio de como se lida e toureia, essa esteve a cargo do grande António Ribeiro Telles com um Palha de nota alta, toiro sério, exigente, com transmissão e bravura, com casta e com classe. Mestre dos mestres, a viver mais uma temporada de imensa regularidade e triunfos consecutivos, António protagonizou uma actuação extraordinária. E grande. E outra coisa se não podia esperar de um toureiro como ele e do momento de esplendor que está a viver.
Rui Salvador enfrentou em segundo lugar um Vinhas também algo reservado e que lhe pediu contas. E eles deu-as. Lide brilhante e muito séria, com brega eficiente e ousadas entradas pelo toiro dentro, à antiga e à sua maneira, ferros a lembrar os "impossíveis" de outro tempos.
Gilberto Filipe é um equitador exímio e isso, não me canso de o dizer, é meio caminho andado para o seu sucesso nas arenas. Tocou-lhe o melhor toiro da corrida, um bravíssimo exemplar de Palha, um toiro-toiro à antiga, daqueles que "páram o trânsito". Apesar de pouco actuar, Gilberto nunca desilude. E parece ele que está sempre toureadíssimo. Lide perfeita, com saber, com risco, tudo bem feito. Bem a bregar, a lidar, a eleger os terrenos e a cravar. Um toureiro que dá sempre gosto ver actuar. O ganadero foi muito justamente premiado com volta à arena, que foi dada pelo maioral.
Manuel Ribeiro Telles Bastos abriu a segunda parte lidando em quarto lugar um Vinhas. Bem apresentado, como os outros, com trapio, com cara, mas também meio reservado, um toiro sério. Manuel está num momento grande, triunfa todas as tardes (e noites, como foi ontem o caso) e nunca abdica do toureio clássico que foi a arte de seu avô, Mestre David e o é a de seu tio António. Lidou o Vinhas como mandam as regras, com aprumo e com imensa seriedade. Sem "modernices", como os antigos. Que é o mesmo que dizer: muito bem.
Foi, no conjunto, uma corrida variada no que a estilos diz respeito, com bom ritmo, entusiasmo do público e sobretudo emoção.
No capítulo das pegas, que a seguir vamos mostrar ao pormenor e com todas as sequências, houve grandes momentos e ficou, sobretudo, a imagem de coesão e de força que é apanágio do Grupo de Montemor. Sem desprimor pela actuação do Grupo do Barrete Verde.
João da Câmara fez, como sempre, um pegão ao primeiro toiro da noite. E pelos montemorenses pegaram ainda o grande Francisco Borges, à segunda; e outro dos grandes forcados do momento, Francisco Bissaya Barreto, à segunda também, com uma ajuda extraordinária do super eficiente António Cortes, que também deu volta à arena. Merecida.
Pelo Aposento do Barrete Verde de Alcochete, pegaram José Oliveira à segunda, o cabo Marcelo Lóia à primeira e o pequeno-grande Diogo Amaro, que não esteve ontem nas suas melhores noites e concretizou à terceira a última pega da corrida.
Bem todas as quadrilhas, com especial destaque para os veteranos João Ribeiro "Curro", João Pedro Silva, Nuno Oliveira, Ricardo Alves Manuel dos Santos "Becas", para a arte e os pormenores de António Telles Bastos e para o valor de Paulo Sérgio, Luis Brito Paes, André Rocha, Sérgio Silva, Pedro Noronha e João Viegas.
Fábio Costa dirigiu com acerto, assessorado pelo médico veterinário Jorge Moreira da Silva. Destaque para os brindes a José Luis Figueiredo, a recuperar de uma delicada intervenção cirúrgica e aquele que o Grupo de Montemor faz ao antigo forcado dos Amadores de Alcochete, Joaquim Quintella, irmão do saudoso Fernando.

Fotos Mónica Mendes