quarta-feira, 27 de novembro de 2024

"Juanito" sem papas na língua: "Tenho a ambição de que ninguém seja melhor que eu!"

O sumptuoso salão do emblemático Hotel Ritz, no coração de Lisboa, dá um toque de grandeza e de glamour ao cenário em que decorre a primeira grande entrevista que o matador João Silva “Juanito” concede depois de mudar de apoderado: deixou Joaquín Domínguez, o seu “manager de sempre”, e uniu-se a António Nunes, ex-apoderado de vários toureiros e, neste momento, do cavaleiro Moura Caetano e do rejoneador Andrés Romero. Foi Nunes quem elegeu o Hotel Ritz como cenário desta primeira entrevista. 

“Juanito” respondeu a tudo, mesmo às questões mais polémicas - por exemplo, a corrida cancelada em Vila Franca e o facto de Sebastián Castella se ter recusado a falar-lhe em Zafra - com a arte e a simplicidade com que toureia.


Sabe o que quer e para onde vai. Mais: sabe com quem vai e com quem não quer ir. Está mais maduro como homem, mais experiente e mais apurado como toureiro. 


Diz que não lhe metem medo as grandes figuras do toureio mundial com que reparte cartel, porque “não são fantasmas”. E confessa que tem uma ambição: que ninguém seja melhor que ele.


Confessa que a “tarde má” de Madrid há dois anos e meio foi culpa exclusiva sua e que hoje tudo seria - e vai ser - diferente.


Enfrenta 2025 como um ano de mudança, cheio de novas ilusões. Vive em Espanha e vai vir a Portugal para tourear uma única corrida - que gostava que fosse no Campo Pequeno. No país vizinho vai ter grandes desafios nas principais feiras, afiança o apoderado Nunes


Fica a primeira grande entrevista de “Juanito”, a um mês do novo ano - que vai ser de mudança e carregado de novas ilusões.


Entrevista de Miguel Alvarenga



- Mudaste de apoderado, encaras 2025 como um novo ciclo, um virar de página?
- Há sobretudo ilusões novas, sempre que começa um novo ano há ilusões novas, acho que a minha carreira vai em ascensão total e agora com um novo apoderado, com um novo caminho para percorrer, sinto-me bem, mais motivado, com a moral em alta e estou a preparar-me em grande. O dia da corrida é, ao fim e ao cabo, o dia menos chave, digamos assim, porque a chave está na nossa preparação no Inverno, no treino.


- Este ano não te vimos tourear em Portugal, mas muitos portugueses foram ver-te a algumas das corridas em que actuaste em Espanha e a última, em Zafra, foi uma tarde marcante, cortaste um rabo, demonstraste uma enorme maturidade, estás um toureiro completo, diferente. Sentes que este é o teu momento, que por fim chegou a tua hora?

- Normalmente os toureiros, cada vez que dão uma entrevista, dizem que estão no seu momento… Eu não me atrevo nunca a dizer que estou no melhor momento. Sinto que estou numa fase em que vejo o toiro mais claro que nunca, tenho mais vontade de triunfar que nunca, de evoluir. Os toureiros têm que ter a perseverança de se reinventar em cada ano, de evoluir, e isso é que faz com que o público continue a ter vontade de nos ver e de encher as praças.


- Há dois anos e meio, quase três, quando foste confirmar a alternativa a Madrid, era cedo demais para pisar aquela arena, não estavas ainda preparado?

- Acho que desde o momento em que nos deixamos anunciar, a culpa é sempre nossa e só nossa. É verdade que nada ajudou naquela tarde, os toiros não investiram, mas também não foi o meu melhor dia. Levo mais de cinquenta tardes como matador de toiros a triunfar quase todos os dias, com todas as figuras, com todos os maestros, e aquela, de facto, não foi uma boa tarde.


- Se voltasses agora a Las Ventas seria diferente?

- Sim, concerteza. A culpa de as coisas não terem corrido bem, há dois anos e meio, repito, foi minha e só minha e assumo-a. Agora iria mais preparado, com uma ganadaria que desse mais garantias, acho que sim, que poderá ser diferente.


- Entretanto, muita coisa se passou depois disso, muitas corridas aconteceram e sempre a competir com as figuras, em bons cartéis e a triunfar. Mas sempre nas praças da Extremadura, ali junto da fronteira, será que 2025 é o ano em que vais dar o salto e entrar “por Espanha dentro”, pisando as grandes arenas, entrando nas grandes feiras?

- O toureio é uma carreira de fundo, não é fácil. Sou português, o toureio é um comércio e é um negócio. E o toureiro tem que levar gente à praça, como aconteceu daquela vez em Badajoz com o maestro Morante e o maestro Ferrera, que foi uma das maiores entradas de público na Feira de Badajoz. E por algum sítio temos que começar. Saí da Escola de Badajoz, onde todos me dedicaram grande carinho, ajudei a levar gente à praça de Badajoz, criei o meu ambiente, criei a minha imagem nestas praças da Extremadura, mas agora estou preparado para dar o salto e para entrar noutras praças.


- Podemos dizer que Portugal vai ter de novo uma figura do toureio a pé a ombrear com as figuras em praças de Espanha e de França?

- Eu não me considero figura, as faenas estão aí, os triunfos estão aí, mas falta-me ainda muito por fazer, muito por dar. A tarde de Zafra, de que o Miguel falou há pouco, foi uma tarde importante, mas houve outras e algumas até melhores. Eu sou uma pessoa que não fica agarrada ao fracasso nem ao triunfo. O que lhe posso garantir é que está aqui um toureiro de Portugal que quer levar o nome de Portugal a todos os lados e, a sangue e fogo, tentar chegar ao mais alto.


- O fim da relação de apoderamento com Joaquín Domínguez foi um virar de página, mas ficaram amigos, não? Foi uma pessoa importante no início da tua carreira.

- Importante e única. Tive um relacionamento com o Joaquín e com toda a família, com a sua Mulher, com o filho, que foi um relacionamento muito para lá do apoderamento, foi e é uma grande amizade. Fez o que foi possível na minha carreira, apostou, acho que ganhámos, dei sempre a cara cada vez que ele apostou em mim, tanto no tempo de novilheiro, como já como matador de toiros. Às vezes especula-se muito quando acontece o fim de um apoderamento, mas neste caso tudo acabou amigavelmente. O Joaquín tem um grande carinho por mim e eu por ele. Continuamos a fazer coisas juntas. Mas ele é um empresário, tem o seu negócio, que é muito sólido, e nem ele me podia limitar a mim, nem eu o podia limitar a ele. Eu quero outros vôos, quero apostar agora em mim, porque considero que é o momento em que me sinto mais seguro para poder triunfar.


- Vôos vão concerteza acontecer, já que o novo apoderado até tem um helicóptero... mas referes-te a outros vôos, entendi, a uma nova página que queres virar na tua carreira, é isso?

- Sim, claro! Estou preparado para novos desafios. E sinto-me capaz de os enfrentar. 



António Nunes é o sucessor de Domínguez. É o homem certo no momento certo?
- Considero que sim. Somos amigos, o António já me acompanha em algumas corridas há uns tempos, surgiu esta possibilidade, vamos para a frente com uma ilusão renovada.


- A presença de António Nunes na trincheira em Zafra na corrida de 29 de Setembro já não terá sido um mero acaso, pelo que a seguir se passou (o anúncio de que seria o novo apoderado)?

- Na verdade já há dois anos que o António me acompanhava em algumas corridas sempre que podia, conversávamos muito, criámos uma amizade.


- Como é o teu dia a dia? Treino, muito treino, muita preparação?

- O meu dia é simples, eu sou uma pessoa simples. Os toureiros são pessoas normais. O meu dia baseia-se no treino e na preparação, treino muito físico para aguentar tanta pressão na praça… pressão que nos é criada pela nossa própria equipa, pelo toiro… e pelos jornalistas também… toda a gente. O toureiro tem uma pressão muito grande em cima de si e temos que estar preparados fisicamente para aguentar mentalmente tudo aquilo que surge no dia da corrida. Voltando à sua questão, treino e corro todos os dias, procuro manter-me em forma e estar bem preparado. Pratico muito toureio de salão, também. Tenho a grande sorte de poder tentar e tourear muito no campo. E gosto também de viajar muito.


- Voltando ao princípio, a próxima temporada é encarada como uma temporada de mudança. Segundo já me disse o António Nunes, poderão ser anunciadas grandes novidades no início do ano, feiras importantes de Espanha estão na calha, é finalmente o ano de dar o grande salto?

- Isso depende tudo de mim. O António fará todo o possível, mas dar esse salto depende sobretudo de mim e de muitas circunstâncias. Mas, mais que um salto, acho que é importante chegar a outro nível, conseguir mostrar a minha evolução, como mostrei em Zafra, mas fazê-lo noutros pontos mais altos e com as garantias de poder triunfar.



- Lisboa, segundo já o disse António Nunes, será a única praça em que te vamos ver em 2025 em Portugal. É também uma ambição tua voltar ao Campo Pequeno?
- Eu dedico-me ao meu treino e à minha preparação e tudo o mais é o trabalho do apoderado. Mas sim, Lisboa é, quer queiramos ou não, a capital, a praça mais importante do nosso país e onde todos querem tourear, inclusive as figuras de Espanha. Quando falei com o António e quando começamos a delinear a temporada, a ilusão dele e o que ele tinha em mente era isso, que eu fosse só ao Campo Pequeno numa corrida especial. Se a empresa entender que pode ser uma corrida importante, é isso que vamos fazer.


- Tens toureado ao lado das maiores figuras do toureio mundial, Morante, Talavante, Perera, Ferrera, Roca Rey e vemos-te sempre com a mesma serenidade, com a mesma tranquilidade. Não te assustam esses toureiros?

- Não. Não me assustam porque não são fantasmas para assustar!… São gente que eu admirei, gente que eu admiro, são maestros, é para mim um privilégio estar nesses cartéis. Quando vamos tourear uma corrida, saem dois toiros para cada um. Isto não é boxe para andarmos aos murros uns com os outros. Saem dois toiros para cada toureiro e cada um tem que dar o melhor de si. E a verdade é que tenho tido isso sempre muito claro. E lembro-me de tardes em que toureei com o maestro Morante, com o maestro Talavante, com o maestro Roca Rey, e de estar na trincheira a vibrar com o toureio deles e a gritar ‘olés’, porque na verdade são 'monstros', estamos a falar de grandes figuras do toureio. Mas assustar, não me assustam. Foram todos meus ídolos quando eu ainda era pequeno, mas chegou o momento de eu entrar na praça e querer ser melhor que eles. Esse é o sonho de todos e é a realidade.


- Quem são as pessoas que mais marcaram a tua carreira, que mais te apoiaram nos teus inícios?

- A família, primeiro que todos. Foram quem me viu crescer e quando chego a casa, feliz ou triste, são sempre eles que estão lá. Tenho pessoas que foram importantíssimas no apoio à minha carreira, sobretudo a minha mãe, o meu pai, peça fundamental em todos os momentos, tanto a nível pessoal, como profissional. Os meus avós, o meu irmão, que foi sempre uma base fundamental na defesa do toureiro e da minha pessoa. E depois houve pessoas que me ajudaram imenso, eu não queria citar nomes porque posso esquecer-me de alguns, mas houve ganadeiros que muito me apoiaram, como Calejo Pires, como Manuel Coimbra, que é um grande amigo, o Joaquim Grave, tivemos sempre uma relação extraordinária. Amigos onde tive sempre as portas abertas. Posso falar de Portugal, mas posso também falar de Espanha. O Álvaro Nuñez, que foi sempre impecável comigo. O Palomo, que foi o meu picador desde novilheiro e continua a ser uma pessoa fundamental a meu lado. E o Miguel Moreno, da ganadaria La Cercada, que foi uma das pessoas mais importantes a nível pessoal e profissional, que muito me ajudou e com quem muito aprendi.



- Qual é neste momento o maior objectivo da tua carreira, o maior sonho, a meta principal? Estás a caminhar para onde?
- Estou a caminhar para que as pessoas se emocionem. O que eu sempre quis foi que as pessoas se emocionassem comigo. Tenho a ambição de que ninguém seja melhor que eu! Tenho a ambição de sonhar com a faena perfeita, demonstrar isso em Espanha e triunfar com força. E demonstrá-lo também em Portugal, com a ambição de que o meu toureio evolua e as pessoas poderem ver também a versão mais artística de mim.


- Que cada dia vai estando mais apurada…

- Claro, mais apurada e com maior maturidade, é normal.


- Quase a chegar ao fim da nossa conversa, um tema que temos obrigatoriamente que abordar: o caso de Vila Franca. E faço-te a pergunta que as pessoas fazem desde essa tarde de 5 de Outubro: quando Daniel Luque se “foi embora”, porque não toureaste tu os quatro toiros destinados à lide a pé?…

- Nesse momento eu tinha um apoderado, que era a pessoa encarregada de tratar disso. Mas posso aclarar que nunca me foi proposto que toureasse os quatro toiros. Nunca isso foi proposto pela empresa, tomaram-se ali decisões muito apressadas em cima da mesa e essa hipótese de eu tourear os quatro toiros nunca foi sequer colocada. Não tinha problema nenhum nisso, nunca tive, já toureei seis toiros em Vila Franca, porque não haveria de tourear quatro nessa tarde?…

 

- Foi então, como deste a entender no teu comunicado, o empresário que não encontrou forma alguma de dar a volta ao problema nessa tarde?

- A culpa de não ter havido corrida não foi minha. Disso podem todos ter a certeza, a culpa não foi minha, eu estava ali para tourear e, ainda para mais, era a minha única corrida deste ano em Portugal. Houve vários contratempos, o empresário deu depois a sua versão e acabou por desistir de continuar a gerir a “Palha Blanco”, o que é pena. Não tenho nada contra o Ricardo Levesinho, antes pelo contrário, foi um dos empresários que sempre apostou em mim. As pessoas, pelo meu comunicado, ficaram com a impressão de que eu estava contra a empresa, mas nada disso. Eu simplesmente defendi a minha imagem e procurei aclarar as coisas, depois de na tarde de 5 de Outubro o empresário ter atribuído aos toureiros a culpa exclusiva de se ter cancelado a corrida. Mas não tenho nada contra o Ricardo Levesinho. Esteve sempre a meu lado, o meu apoderado ajudou-o sempre que foi preciso, e ele a nós, sempre tivemos uma grande relação e a verdade é que fez um grande trabalho em Vila Franca e espero que continue como empresário, desejo-lhe toda a sorte e sempre vai ter o meu carinho.


- Uma última questão, que deu que falar também na última corrida em Zafra: que razões terão levado Sebastián Castella a deixar-te de mão pendurada, recusando cumprimentar-te quando se lhe dirigiste no pátio de quadrilhas?

- Não faço a mínima ideia, nunca tivemos nada, nunca se passou nada entre nós, fiquei espantado com a reacção dele, mas também não me preocupou muito. O facto teve o impacto que teve por ter sido divulgado pela televisão em Espanha, mas até hoje ninguém me ouviu comentar nada sobre isso…


- Houve quem tentasse justificar a reacção de Castella por várias histórias, disse-se muita coisa…

- Disse-se o quê? O que me disseram a mim foi que não é a primeira vez que ele faz uma coisa assim. Cheguei a telefonar ao apoderado do maestro Castella, que me disse que não me preocupasse, que não passa nada… Mas disseram o quê?


- Disseram que terias dito ao empresário e então teu apoderado, Joaquín Domínguez, que Castella não tinha categoria para vir substituir Roca Rey…

- Que coisa sem sentido. Primeiro nunca me passaria pela cabeça dizer uma coisa dessas sobre quem quer que fosse. Depois, eu cheguei a Zafra nesse dia à uma da tarde e nem sabia que o Roca Rey não toureava, porque se lesionara na véspera em Sevilha, nem muito menos quem o viria substituir. As pessoas inventam cada coisa… Eu limitei-me a chegar ao pátio de quadrilhas e a falar a quem estava. Falei ao maestro Talavante, falei aos bandarilheiros e a outras pessoas que ali estavam, cheguei ao pé do maestro Casterlla, estendi-lhe a mão e ele recusou cumprimentar-me. Foi só isso. Porquê, não sei, mas também confesso que não fiquei muito preocupado com isso… Podem ter sido, da parte dele, coisas profissionais, mas nada de pessoal. Nunca houve nada pessoal entre nós dois. Nem de bem, nem de mal.


- Muito bem, ponto final na nossa entrevista. Muita sorte para a temporada e faço votos para que venha ao menos uma vez a Portugal, de preferência ao Campo Pequeno.

- O projecto de António Nunes é esse. Vamos esperar que sim. Neste momento, ele é que está a tratar do assunto. Com empenho, com entusiasmo e com dedicação.


Fotos M. Alvarenga