Miguel Alvarenga - O toiro nº 73 da ganadaria Vinhas (divisa histórica que lidava pela última vez um curro em praça) que matou o jovem forcado Manuel Maria Trindade, de 22 anos, na última sexta-feira na arena do Campo Pequeno, acusou na balança o peso de quase 700 quilos - 695 para sermos precisos.
A atestar pelos videos que foram colocados nas redes sociais, o toiro não complicou, foi pelo seu caminho com nobreza e sem derrotar, mas com a força de um comboio.
O malogrado Manuel Trindade, que apesar da sua pouca idade, era já um experiente e, pode mesmo dizer-se, consagrado forcado, um dos "pesos-pesados" com que João Fortunato, cabo dos Amadores de São Manços, sabia que podia contar em quaisquer tipo de situações, esteve brilhante na execução da pega, como sempre. Esperou tranquilo que o toiro arrancasse, pisou-lhe os terrenos, provocou-lha a investida e recuou templando e mandando, reunindo e fechando-se com a raça e a vontade, assim como com a técnica, de sempre. Tudo fazia acreditar que seria uma pega triunfal, como tantas.
O primeiro ajuda ficou pelo caminho, os outros acorreram a tentar travar a correria desenfreada do pesadíssimo toiro de Vinhas, com o valente Manuel fechada na sua cara, mas junto às tábuas o toiro sacudiu o forcado e projectou-o violentamente contra a trincheira, momento esse que lhe terá provocado as lesões cerebrais irreversíveis a que não resistiu.
No Facebook, o fadista e reconhecido aficionado Nuno da Câmara Pereira (foto) insurgiu-se ontem contra "a irresponsabilidade, inconsciência e bestialidade" de "confrontar um miúdo, ou mesmo que fosse um graúdo, com uma 'besta' de cerca de 700 quilos e com espaço (10 mts?) para embalar velocidade para multiplicar exponencialmente sua força como se fosse um tiro", considerando que isso "é sempre uma loucura".
Câmara Pereira pôs o dedo na ferida e disse mesmo que as autoridades (refere-se no texto à Direcção-Geral de Espectáculos-DGE, hoje denominada Inspecção-Geral das Actividades Culturais-IGAC) "têm que repensar o que deve ser considerado respeitado e os limites razoáveis deste espectáculo".
O texto de Nuno da Câmara Pereira suscitou comentários de toda a ordem, uns a favor, outros contra, como é natural, e veio reacender a polémica sobre os pesos dos toiros. Uma polémica que fazia falta. E que é preciso saber discutir e resolver - quanto mais não seja, pela importância que terá na tentativa de evitar novas tragédias.
Ontem mesmo, referi aqui que é uma verdadeira anormalidade um toiro ter 700 quilos de peso. Deixa de ser um toiro, esse peso não tem a ver com a morfologia e com o tipo deste animal, passa a ser um rinoceronte, um bisonte, o que queiram, mas um toiro não.
E se há limites para o peso mínimo dos toiros e até há escândalos quando chegam aos currais de uma praça toiritos abaixo do peso exigível, porque razão não acontece o mesmo quando a coisa sucede em sentido contrário, porque é que não há no caduco Regulamento limites para o peso exagerado dos toiros? Porque é que se manda para trás um toiro que tem peso a menos e se permite que saia a uma arena um bisonte com 700 quilos?...
Hoje, Maurício Vale veio aqui ao "Farpas", do alto da sua experiência e competência e do seu prestígio como decano dos comentadores taurinos televisivos, apoiar, também ele, aquilo que escreveu Nuno da Câmara Pereira, lembrando que há muitos anos se bate e debate pela moralização que é preciso dar à Festa de uma vez por todas (antes que acabe, não pela acção dos anti-taurinos, mas sim fruto dos que cá se pavoneiam) e criticando o facto de Portugal ser "o único país taurino do mundo que promove a publicidade e a emoção em função do peso dos toiros...", lamentando que o Regulamento "já limita a idade dos toiros, mas o peso máximo (ainda) não...".
E para acabar de vez com a polémica - e tentar, deste modo, que a discussão e a resolução deste tema possa vir a dar frutos positivos para a Festa e, pelo menos, evitar novas tragédias a curto prazo, como a que aconteceu na sexta-feira em Lisboa - aqui fica um cartaz de uma corrida realizada na mesma praça do Campo Pequeno em 26 de Julho de 1931, há 94 anos, promovida pelo Cofre de Pensões das Viúvas e Orfãos da Polícia de Segurança Pública, onde tourearam, entre outros, os cavaleiros João Branco Núncio, D. Alexandre Mascarenhas e D. João Mascarenhas e os espadas José Amorós e Pepe Bienvenida - e onde se anunciava no programa que "nesta corrida não haverá forcados atendendo à corpolência dos touros".
Tem ou não tem razão o Nuno da Câmara Pereira?
Fotos D.R.
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