Miguel Alvarenga - O dia amanheceu com o triste - mas não inesperado de todo - anúncio de Juanito, feito ontem ao cair da noite através de um curto comunicado ilustrado por uma foto de glória (dando uma volta à arena), que reproduzimos em baixo, de que se retira "indefinidamente" das arenas.
"Retiro-me indefinidamente do que até agora foi a minha vida, e ao que dediquei o meu sangue, suor e cada lágrima, o toureio! Obrigado a todos! Levarei-vos sempre no meu coração" - comunicou o toureiro.
"Indefinidamente" significa "sem limite de tempo ou espaço, de forma imprecisa, indeterminada ou interminável". Pode ser usado para descrever "um período de tempo que não tem um fim conhecido" - o que significa que não se trata de uma retirada definitiva. Pode voltar. Deve voltar.
E não se trata de uma decisão completamente inesperada, como referimos em cima. Era previsível que acontecesse, depois da temporada atípica e praticamente invisível que Juanito (não) protagonizou em 2025.
Participou (sem o sucesso desejado) em Espanha na Copa Chenel e não integrou mais nenhum cartel desde que se separou do apoderado espanhol Joaquín Domínguez, em cujas praças da Extremadura baseava a sua actividade anual. Em Portugal, frustradas que ficaram as uniões de apoderamento a Vitor Mendes, depois a Rui Bento e a seguir a António Nunes, toureou uma única corrida em Monforte, onde realizou uma faena memorável de arte e poderio com um toiro de verdade, mas que não foi, de modo algum, suficiente para dar continuidade ou trazer um novo fôlego a uma carreira que já estava adormecida.
Juanito terminara a temporada de 2024 com um triunfo inesquecível em Zafra, onde cortou um rabo - que fazia antever uma campanha forte e ambiciosa na presente temporada. Mas, quando menos se esperava, saíu do barco Joaquim Domínguez, o apoderado espanhol que estava a seu lado praticamente desde a primeira hora. Depois foi anunciada nova união, desta vez ao apoderado português António Nunes, mas a relação não chegou sequer a sair para a estrada.
Juanito foi quase um Pedrito numa escala menor e num contexto completamente diferente. Não teve tudo, mas teve quase tudo, para ser a grande figura de Portugal. Mas houve demasiados erros de percurso que lhe foram travando a caminhada. A precipitada apresentação em Madrid, a primeira praça do mundo, quando estava ainda pouco preparado e nada rodado para pisar essa mítica arena, foi o princípio do fim. A gota de água que, logo ao primeiro golo, fez transbordar o copo.
A seguir, as constantes polémicas com o fim dos apoderamentos (com Mendes, com Bento e depois com Domínguez e com Nunes), vieram trazer uma imagem de alguma inconstância e pouca firmeza.
Juanito é um belíssimo toureiro. Faltou-lhe um rumo mais firme e mais convincente numa trajectória que foi demasiado acidentada por episódios que a prejudicaram.
Há praticamente um ano, quando foi anunciado o apoderamento de Juanito por António Nunes (uma união que não chegou a arrancar sequer...), o toureiro deu uma entrevista ao "Farpas" no selecto cenário do Hotel Ritz em Lisboa (foto de cima), onde afirmava:
"Estou a caminhar para que as pessoas se emocionem. O que eu sempre quis foi que as pessoas se emocionassem comigo. Tenho a ambição de que ninguém seja melhor que eu! Tenho a ambição de sonhar com a faena perfeita, demonstrar isso em Espanha e triunfar com força. E demonstrá-lo também em Portugal, com a ambição de que o meu toureio evolua e as pessoas poderem ver também a versão mais artística de mim".
Mas depois, nada disso se concretizou... E poucas semanas após esta entrevista, Nunes anunciava o fim da relação com Juanito, agastado, como na altura confessou, com alegadas interferências permanentes do pai do matador no desempenho das suas funções de apoderado.
A retirada de Juanito, ainda que por tempo indefinido, traduz alguma compreensível amargura e desilusão do toureiro - mas, sobretudo, retrata o estado em que se encontra o toureio a pé no nosso país. Há valores - e Juanito era, é, um deles -, mas não há vontade (e há pouca aficion) por parte da maioria dos empresários (salvo raras e honrosas excepções) em promover a antiga fórmula da corrida mista. Contam-se pelos dedos das mãos as que se realizaram este ano.
Resumindo: não me admirou absolutamente nada a decisão de Juanito. Foi, apenas e só, a crónica de um fim anunciado.
O que me admira é existirem mais meia dúzia (nem tanto) de matadores portugueses que persistem, insistem e ainda cá andam, certamente com a mesma amargura e a mesma desilusão - e, sobretudo, a triste convicção de que não estão aqui a fazer nada, porque ninguém lhes dá o valor que verdadeiramente têm.
Uma última palavra de apoio, admiração e incentivo ao toureiro: quantas vezes, também, me apeteceu ir embora, acabar de vez com esta missão (que já tem quase 50 anos, cumpro-os em 2026!) ao serviço da tauromaquia e dedicar-me a outros jornalismos bem mais interessantes? Tantas! E depois continuo.
Entendo a difícil decisão de Juanito de "arrumar as botas". Mas espero, acho que esperamos todos, que seja mesmo por tempo indeterminado. E que volte depressa. Porque nos deu tantos momentos de alegria. Porque é um toureiro bom, demasiado bom, para fechar a porta assim de repente.
Proponho: um mano-a-mano com Morante na Nazaré. Ou mesmo em Lisboa, se os parceiros tiverem visão para o fazer. Dois regressos, uma noite para a História! Alguém tem dúvidas de que esgotava a lotação com meses de antecedência?
Esta temporada foi óptima, teve imensas praças cheias e esgotadas. Mais para a frente, farei o meu balanço, a minha retrospectiva. Mas foi demasiado igual às outras, salvo excepções levadas a cabo por empresários mais aguerridos e mais visionários, que apresentaram motivos diferentes para chamar público às suas praças.
Este mano-a-mano seria um desses motivos. Fica a proposta.
Moral para cima, Juanito!
Fotos M. Alvarenga


