Toque de alvorada
da cavalaria jovem
Os Aficionados constituem
sociologicamente um grupo curiosíssimo de Homens e Mulheres com sentimentos e
reacções peculiares: passamos a(s) temporada(s) a queixar-nos de empresários
sem criatividade, de directores de corrida sem critério, de toiros
desencastados, de toureiros cada vez mais parecidos uns com os outros... Mas,
eis que chega o termo da época, fecham-se os portões dos sustos, sossega o
bulício das arenas e logo somos invadidos por uma tristeza melancólica que se
arrastará até que os clarins voltem a soar, os timbales anunciem a vitória da
Vida sobre a morte, ressuscitem as nossas paixões e a alegria da Festa.
No meu
caso pessoal, neste momento desfrutando a privilegiada hospitalidade de
familiares no Brasil, tenho sobrados motivos de distracção que, assim mesmo,
não anulam totalmente essa nostalgia inexplicável fruto da "afición"
de muitas décadas.
Por isso decidi abusar do permanente bom
acolhimento do "Farpas" e do meu Amigo Miguel, para convosco
partilhar algumas reflexões sobre a temporada que recentemente terminou.
2012
prenunciava-se como um ano de decadência e desgraça em sintonia com a
gravíssima crise que afecta o nosso País. Contudo, no sector tauromáquico, para
satisfação de todos quantos amamos essa forma tradicional de Arte, os efeitos
negativos foram menores do que se temia e, para espanto de muitos, menos graves
- proporcionalmente - do que os sofridos pela tauromaquia espanhola. Apesar de
o número de espectáculos continuar a ser exagerado para o nosso meio, houve
muito boas entradas numa percentagem assinalável de funções, a despeito de
terem sido apresentados cartazes excessivamente repetitivos, por vezes em datas
pouco adequadas, para já não falar do cúmulo de corridas em sobreposição,
realizadas em praças que distam poucas dezenas de quilómetros umas das
outras... Conclusão a tirar - o número de Aficionados ou, pelo menos, de
potenciais espectadores está a aumentar em Portugal, assim os organizadores
saibam aproveitar esta onda de interesse pela Tauromaquia, até porque a
temporada 2013 vai certamente ser muito difícil e talvez decisiva em vários
aspectos. Formulo uma modesta recomendação: prefiram a qualidade à quantidade,
respeitem-se mutuamente e respeitem o público que garante a sobrevivência do
espectáculo de Toiros.
Os Cavaleiros do Século XXI_Feita a
introdução ao tema, vamos esquecer dificuldades e fazer aquilo de que mais
gosto - falar de coisas boas e de esperança no Futuro.
E a verdade é que, nesse
âmbito - em particular no que toca ao Toureio Equestre - 2012 foi ano para
celebrar pois - finalmente! - um punhado de Cavaleiros jovens, que prometiam
mas tardavam em carregar rumo às linhas da frente, galoparam firmemente ao som
das suas virtudes e disseram-nos, com clareza, que podemos estar descansados,
que a Arte do Marquês de Marialva, refundada em Toureio Moderno por Mestre João
Núncio e hoje enriquecida por múltiplas influências, tem o futuro assegurado.
Aquele foi, sem dúvida, o factor mais
positivo da época transacta - o avanço da Juventude que poderá constituir um
aliciante de próximos cartazes renovando o apelo a novos públicos e novas
emoções. Isto não significa, obviamente, menos respeito pelos Cavaleiros
consagrados que já inscreveram os seus nomes na História da Tauromaquia e
continuam a suscitar merecido apreço, pelo contrário, serão eles próprios a
saudar a "invasão" dos novos que devem defender o seu legado
artístico.
Importa, assim, felicitar os jovens
toureiros portugueses no seu conjunto, porém é justo salientar alguns nomes,
sem a preocupação de ser exaustivo.
João Moura Caetano foi deixando boas
sensações ao longo da sua ainda curta carreira, pressentia-se a cada momento o
passo em frente, a consolidação do estilo, a ambição bem sucedida. Tal ocorreu
plenamente este ano, como que a homenagear a elegante retirada de seu Pai e
culminando na exigente prova dos seis toiros a qual, ou muito me engano ou terá
a lógica continuidade no Campo Pequeno...
João Moura Jr. deixou-se ver pouco por
cá, mas deu-nos a alegria de triunfar repetidamente em Espanha, honrando o nome
do nosso País não apenas em praças de "pueblo" mas também em
tauródromos de primeira grandeza e em feiras importantes.
Manuel Ribeiro Telles Bastos foi
surpresa para muitos, não para nós que há muito considerámos que iria ocupar um
lugar saliente. O seu toureio e a sua postura sempre me trouxeram à memória a
grandeza de Mestre David e a inimitável finura do meu querido Amigo Luís Miguel
da Veiga. Manuel Telles tem demonstrado que ser clássico não é ser
"chato" e o futuro pertence-lhe...
As empresas não foram justas com Duarte
Pinto que merecia, e merece, mais oportunidades. É um jovem Cavaleiro com as
ideias perfeitamente arrumadas - escolheu o caminho mais difícil, que é também
o mais meritório, e não se arreda um milímetro do rumo que traçou recusando-se
a fazer concessões à galeria. É um exemplo de Seriedade.
João Ribeiro Telles Jr. combina
harmoniosamente a escola da Torrinha com uma alegria muito pessoal, o que lhe permitiu superar as
dificuldades de uma temporada atípica, prejudicada por um problema de saúde mas
finalizada em grande plano.
"Last but not least", a
explosão de um notável praticante: nasceu em Valada e chama-se João! Salgueiro
da Costa mostrou uma dimensão raras vezes alcançada por um Cavaleiro ainda sem
alternativa. Tem tudo para vencer - um conceito tão estético como emocionante,
uma entrega discreta mas absoluta. As suas actuações em Lisboa foram festejadas
embora não tanto como merecia, teria sido uma boa oportunidade para reabrir a
controversa "Porta Grande", porque esteve à altura dos melhores.
Pronto, não abuso mais do magnífico
espaço que Miguel Alvarenga converteu em líder incontestável da informação
tauromáquica, respeitando naturalmente a diversidade de gostos e de opções.
Apenas duas notas finais:
não venham alguns vociferar que me esqueci de Fulanito e de Beltranito, eu
próprio tive o cuidado de esclarecer que não se tratava de uma análise
exaustiva, limitei-me a sintetizar vários destaques mais do que merecidos.E também uma palavra de estímulo para o toureio a pé: em Lisboa vimos um bezerrista, de seu nome Diogo Peseiro, rubricar uma "faena" grandiosa, sim senhor, grandiosa mesmo, a qual foi alvo de injustiça ainda que o incidente tenha contribuído para uma alargada reacção em sentido contrário. Estamos em pleno "defeso", no horizonte começam a delinear-se as luzes de uma próxima temporada, cumpre-se o ciclo de renovadas ilusões... Que Deus reparta sorte!
Andrade Guerra
Fotos D.R./photomica_com/tratamento sobre foto de Emílio de Jesus e Marques Valentim