domingo, 13 de julho de 2014

Évora, 6ª feira: a importância de se chamar Núncio!

Francisco Núncio e seus filhos Francisco e António
A placa que recorda a partir de agora e para sempre a estreia de João Núncio
há 100 anos na antiga praça de toiros de Évora, corria o ano de 1914
Emoção e alegria no triunfal regresso às arenas do Maestro Moura, que brindou
a lide da reaparição aos Núncio, à memória do Mestre, a sua Mulher, Filipa, aos
filhos Miguel e João (foto) e depois ao público



Miguel Alvarenga - Quase dois meses depois do acidente que sofreu durante um treino na sua quinta e que, para os mais pessimistas, colocava até em causa a continuidade da sua carreira, João Moura reapareceu sexta-feira em Évora como se nada se tivesse passado. A mesma garra, a mesma casta, a mesma maestria, que são coisas que não se perdem, o mesmo e eterno Moura. Quem sabe, nunca deixa de saber. E quem é primeiro, primeiro há-de continuar, mais queda, menos queda, mais hospital, menos hospital.
Lide perfeita, a aproveitar as qualidades do bom toiro de Branco Núncio, a bregar e a lidar como ensinou ao mundo. A dizer que está de novo em forma e em força e que esperem por ele na quinta-feira em Lisboa, onde vai cumprir mais um sonho, o de tornar cavaleiro profissional o seu filho Miguel.
Anteontem em Évora cumpria-se o primeiro centenário da estreia na antiga praça de Mestre João Núncio e a empresa "Toiros & Tauromaquia" prestava significativa e importante homenagem à memória daquele que foi primeiro entre os primeiros.
Ainda tive a sorte - porque foi mesmo uma sorte! - de ver tourear, várias vezes, Mestre Núncio. No Campo Pequeno, sobretudo. Vi-o dar a alternativa a Frederico Cunha, depois a Zoio na tarde em que assinalou 50 anos de toureio, vi-o mais que uma vez nas recordadas corridas da Liga Contra o Cancro, vi-o em Vila Franca naquela que terá sido uma das últimas, senão mesmo a última corrida que toureou, antes de os oportunistas e os gatunos de Abril o terem roubado, despojado e vilipendiado, obrigando-o, ultrapassada a barreira dos 70 anos, a regressar às arenas para ganhar outra vez o pão, só não concetizando essa necessidade por o coração o ter traído quando numa tarde montava na Golegã, em casa de seu cunhado, Mestre Patrício Cecílio, o homem que tantos toureiros moldou.
Em Évora revi o Mestre, na silhueta, na postura, na forma de estar e na arte de tourear de seu neto Francisco. Um Núncio marca sempre a diferença e Francisco tem o glamour dos tempos-outros que hoje já quase nenhum cavaleiro tem. É um clássico na verdadeira acepção da palavra, este sim. É um Núncio e ponto final. Um triunfo, para quem gosta de ver tourear como antigamente. Bregou, lidou, cravou, rematou como as leis mandam. Foi uma actuação que nos encheu as medidas. Dá gosto ver tourear tão bem - embora poucos já entendam uma lide assim, sem ladeios, sem piruetas, sem "violinos", sem tourear o público, só o toiro, só à antiga, sem coisas modernas. Atenção, que não virei anti-modernista. Pelo contrário. Serei e continuarei a ser pela evolução. Mas sei ver o que é bom e bem feito. Seja antigo ou moderno - que é diferente.
Seus filhos Francisco e António, cavaleiros amadores, têm vontade e têm, sobretudo, escola - que será o mais importante de tudo. Houve aqui e ali, nos dois, algum abuso de velocidade, mas não houve nunca desorientação. Um e outro, Francisco numa linha mais clássica, António com um estilo mais ousado, mostraram que podem andar para a frente. Prometem manter e honrar nas arenas um nome que é História - a importância de se chamar Núncio.
António Ribeiro Telles não esteve em Évora. Alta velocidade, o toiro mal o viu e ele mal conseguiu acertar, resultado: ferros descaídos, traseiros e completamente passados. O toiro terá sido o mais complicado da corrida, mas António ainda o complicou mais. Por morrer uma andorinha nunca, em tempo algum, acabou a Primavera. Este de anteontem não é o mesmo António dos recentes e aplaudidos triunfos. Nem nada que se lhe pareça.
Também o Manuel Lupi que anteontem (não) vimos em Évora não tem absolutamente nada a ver com aquele outro Manuel Lupi que triunfou como triunfou em Santarém. Teve o melhor toiro da noite (que os Núncio mandaram de volta para a herdade), mas faltaram-lhe argumentos, cavalos e vontade. Sofreu aparatosa queda, perdeu os papéis, nada de nada. Apenas as lágrimas - que foram lágrimas de toureiro.
Bem apresentados, nobres nas investidas e de boa nota os toiros de Branco Núncio, excepto o de Telles, e os dois novilhos lidados a abrir o espectáculo pelos jovens amadores.
Pegas sem dificuldades de maior, exceptuando a quinta, de Ricardo Sousa (Amadores de Évora), executada só à terceira, após violentos derrotes nas duas primeiras tentativas. O jovem Gonçalo Rovisco pegou à segunda o prrimeiro novilho da noite e a outra pega dos eborenses foi uma cernelha consumada com garra e decisão por João Madeira e Cláudio Carujo. Pelo Real Grupo de Moura pegaram, os três à primeira, Xavier Cortegana, Cláudio Pereira e o cabo Valter Rico.
A corrida foi muito bem dirigida por Agostinho Borges. Há ainda a aplaudir o trabalho desempenhado brilhantemente pelos campinos na recolha dos toiros a cavalo, enquanto Francisco Sobral nos deliciava com a (sempre grande!) interpretação de fados. Nota alta para o momento em que, após as homenagens a Mestre Núncio, cantou o fado (de Maria Manuel Cid) que imortalizou o Califa e que
foi inicialmente tão bem cantado pelo saudoso Carlos Zel. A acompanhar o fadista esteve o conjunto de guitarras de João Núncio (também neto do Mestre), onde apraz registar, graças a Deus, o regresso em força de Filipe Vaz da Silva, depois de complicado incidente de percurso (de saúde).

Não perca, já a seguir, a fotoreportagem de Emílio de Jesus: os Momentos de Glória, a impressionante e aparatosa sequência da queda de Lupi, os Famosos que marcaram presença em Évora.

Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com