O toiro de Gilberto Filipe foi recolhido por se ter inutilizado ao entrada na arena |
O toiro não via bem, mas Ana Batista também andou longe do seu melhor |
Valente como as armas, Sónia cravou ferros de muito arrojo |
O par de bandarilhas foi o momento grande da lide de Filipe Gonçalves |
Sónia e Filipe abriram a noite com um dueto marcado por algumas trapalhadas |
Viu-se melhor e houve mais hamonia e maior sintonia no duo de Ana com Gilberto |
Miguel Alvarenga - Lembrei-me ontem no
Campo Pequeno das sábias e sempre tão acertadas palavras com que o saudoso
Fernando Camacho, ainda não houve apoderado ou taurino que lhe chegasse por cá
aos calcanhares, se referiu um dia ao Gilberto Filipe quando lhe perguntei,
numa das nossas tantas e tão divertidas conversas (aprendi tanto!), quem iria
ser, dos novos que ao tempo estavam a surgir, o melhor, já que desde o
aparecimento do João Salgueiro (que ele lançara e eu acompanhara desde a
primeira corrida a sério, uma noite em Vila Franca) nunca mais viera um
toureiro que marcasse e todos continuávamos pacientemente à espera de um, qual D.
Sebastião que nunca chegou a vir na tal manhã de nevoeiro, e já houve tantas.
Respondeu-me na altura o tio Fernando,
com a certeza de quem não tinha dúvida alguma, mesmo nenhuma: "O único que
pode andar e mexer com isto é o toureiro do Amorim!". Gilberto Filipe era
ao tempo apoderado por José Carlos Amorim, ainda o último grande senhor dos apoderamentos,
que há mais de vinte anos está ao lado de Rui Salvador e hoje mesmo lá há-de
estar, em Tomar, onde o Rui se encerra com seis Graves.
Os anos passaram e "o toureiro do
Amorim" não houve meio de dar aquele salto que Camacho previa e
preconizava com tantas certezas. Por isto ou por aquilo, mas sempre dando notas
de que um dia haveria de ser, Gilberto Filipe foi subindo sem pressa (mas os
toureiros têm sempre que ter pressa) a escadaria que leva à glória, mas foi também adiando a sua hora. Este ano,
as coisas mudaram de figura. Onde apareceu, triunfou. E ontem no Campo Pequeno
triunfou, meteu tudo e todos no bolso e o mal mesmo é Portugal não ser Espanha
e Lisboa não ser, por consequência, Madrid, o que faria de Gilberto, já hoje,
um toureiro rico e famoso, com contratos a choverem e empresários à estalada
para terem a primazia de o anunciar.
Infelizmente, Portugal é demasiado
pequenino para dar andamento a um êxito como o de Gilberto Filipe no toiro a
sós ontem em Lisboa, que era o "sobrero", já que o seu se aleijou depois de
entrar, e depois também no que enfrentou a duo com Ana Batista.
Tudo o que fez, foi bem feito. Assim se
toureia. E os entendidos estavam todos de pé a aplaudir. Não houve um toque, um
ferro a cilhas passadas (como os costumam espetar as vedetas), um deslize a
apontar. Aquele último ferro, em terrenos de enorme compromisso, onde um
milímetro mal calculado pode ser a morte do artista, foi dos melhores que este
ano se viram no Campo Pequeno.
Sónia Matias teve no seu toiro uma lide
em crescendo, onde colocou raça e decisão, houve dois ferros que se aplaudiram
de pé e o público, estrangeiros e emigrantes na maioria, esteve com ela do
princípio ao fim.
Ana Batista foi como se não tivesse
passado ontem por Lisboa, exceptuando um ou outro ferro no toiro a duo com
Gilberto, a verdade é que a sós alternou o mau com o muito mau, mas também teve
por diante um toiro que parecia precisar de óculos e Filipe Gonçalves, por
muitas palmas que lhe tenham batido, e bateram, voltou a chegar ao Campo
Pequeno com os "quiebros" estudados em casa, desperdiçando aquele que
foi o melhor dos toiros de Canas Vigouroux nesta noite, todos muito bem apresentados e muito toiros, mas com comportamentos desiguais e longe daquele "terror" que costuma ser característica destes toiros. Valeu um valente par de
bandarilhas, em que aguentou uma barbaridade. No toiro a duo com Sónia, houve
trapalhada a mais, por pouco chocavam os cavalos um com o outro, não sou adepto
dessas lides a meias, delas recordo apenas e só as dos manos Telles no seu
tempo e o resto são cantigas.
Dos forcados já aqui falei, foi deles a
noite, pena só que o Pedro Maria não tenha estado a corrida toda para assistir
ao triunfo da sua rapaziada. Pena também que os cavaleiros, à excepção de Ana
Batista, se tenham esquecido de brindar ao 70º aniversário do grupo. João
Cantinho foi um diligente e paciente director de corridas, teve a assessorá-lo
o médico veterinário Jorge Moreira da Silva e a verdade é que a corrida teve gente,
mais que outras que este ano ali se realizaram, apesar de termos que reconhecer
que este era o mais fraquito e o mais mal rematado dos elencos desta temporada
que, na verdade, tem sido mesmo única e promete continuar a sê-lo.
Fotos Maria João Mil-Homens