sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Campo Pequeno: crónica a correr de uma noite em que não se passou quase nada...

Terceira lotação esgotada da temporada lisboeta e segunda por obra e graça
da presença de Pablo Hermoso de Mendoza
O último brinde, a última pega e a derradeira volta à arena do Campo Pequeno de
um Forcado enorme. Adeus, Nuno Marques! Olé, Toureiro!
Ontem só houve mesmo emoção na "brutalidade", sem maldade, com que os
animais investiram para os forcados. Aqui, momentos da dura intervenção do
valente Rui Godinho (Vila Franca) no quinto da noite
António Telles: Mestre é Mestre e os Mestres toureiam quaisquer toiros, mesmo
os que à partida condicionam o labor de qualquer toureiro...
A arte e os magníficos cavalos de Pablo Hermoso "taparam" ontem a inexistência
de toiros para se luzir...
João Moura Jr. vive a sua temporada de ouro. E está tudo dito



Miguel Alvarenga - Ontem o Campo Pequeno esgotou a lotação pela terceira vez nesta temporada e pela segunda por obra e graça da presença de Pablo Hermoso de Mendoza, que já acabara com os bilhetes este ano na noite de inauguração da época. Uma praça esgotada, e ainda para mais a primeira do país, é sempre uma vitória para a Festa. A banda da Sociedade de Instrução Coruchense tocou muitíssimo bem, a mando do sempre diligente e aficionado Rogério Jóia, um dos bons directores de corrida da actualidade. O cornetim José Henriques foi um dos mais aplaudidos da noite pelas suas artísticas e apuradas intervenções a mandar sair os animais. Despediu-se de Lisboa um Forcado enorme, Nuno Marques, que pegou à segunda e deu depois emocionada volta à arena, a última numa praça onde tantas vezes brilhou e que não mais há-de pisar. Grande pega, também, a sexta, do novo (futuro) cabo dos Amadores da Chamusca, Nuno Marecos. A primeira pega deste grupo foi executada por Luis Isidro. Rui Godinho fez a pega da noite pelo Grupo de Vila Franca, de que foram também intervenientes Bruno Casquinha e Pedro Castelo, o cabo, em sortes menos brilhantes. António Ribeiro Telles é um Mestre e os Mestres toureiam quaisquer toiros com a mesma raça e a mesma verdade, mesmo que alguns, como os de ontem, possam dar à tauromaquia uma imagem de mentira, por isso António esteve grande e triunfou, adaptando-se aos suaves e doces Murubezinhos com a casta que todos lhe reconhecemos. Pablo Hermoso de Mendoza e os seus magníficos cavalos estiveram ontem por cima dos oponentes, mas sem o brilhantismo costumeiro. O primeiro que lidou era o mais pequenote e ainda por cima visivelmente diminuído, o que por si só diminuiu e muito o labor do cavaleiro. O segundo era um verdadeiro "boi", sempre de cabeça levantada e só a arte de Pablo Hermoso conseguiria cravar-lhe seis ferros, "tapando" o facto de não ter tido matéria para se luzir. João Moura Jr. vive a sua temporada de ouro e está tudo dito. Teve, por sorte, os dois "mais toiros" dos seis "não toiros" de ontem e espremeu-lhes todo o sumo, entusiasmando em sortes que tiveram muito mais de arte do que propriamente de risco. Como foi o mais aplaudido e aquele que mais chegou ao público, pode concluir-se que tenha sido o triunfador da noite. Mas não se pode falar em grandes triunfos quando se está diante de toiros como os de ontem. Muito bem apresentados, à excepção do segundo, os exemplares da ganadaria de Dª Maria Guiomar Cortes de Moura não tiveram nada a ver com os "manos" que este ano triunfaram em Madrid. Limitaram-se a galopar sem maldade, foram dóceis, não transmitiram nada - à excepção, nalguns casos, da emoção e da força com que investiram para os forcados, parecendo difíceis e complicadas pegas onde não houve mal nenhum - e retiraram toda a emoção e todo o risco que, noutros tempos eram a nota dominante do espectáculo taurino. Sem toiros não há argumentos e a noite de ontem em Lisboa foi, por isso, sonsa, chata e sem história de maior. Não fosse o de Lisboa um público carinhoso, folclórico e desentendido da matéria e por certo que todos os que ontem esgotaram o Campo Pequeno não voltariam a dar-se à maçada de ali voltar. Houve glamour nas bancadas e a presença de alguns famosos nesta que era a corrida da revista "Lux", mas faltou na arena tudo aquilo que faz parte (ou fazia) da corrida de toiros e que era, noutros tempos, a essência de um jogo de vida e morte, onde o risco era quem mais mandava. O publicozinho adorou. Os que entendem e percebem e antigamente se designavam por aficionados (já não há muitos), esses, coitados, foram enganados. E bem enganados. E mais nada há a dizer. Por que mais nada e quase nada se passou ontem no Campo Pequeno. Não se queixem depois, quando isto um dia fôr mesmo ao fundo. Não se esqueçam nunca de que o Parque Mayer acabou, não por obra dos políticos, mas porque o público deixou de ir à revista e os teatros apodreceram...

Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com