sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Arte, classe, harmonia, temple e maestria: Paulo Caetano e a lide da temporada ontem na Moita

Não vai ser fácil esquecer a primeira grande lição de Paulo Caetano ontem na
Moita - uma das grandes actuações desta temporada. Foi uma sinfonia de arte,
classe, harmonia e tremenda maestria. Fica como um compêndio que é importante
se mostre aos mais novos, de como se deve tourear a cavalo
A lide a três do quarto toiro da noite não fez sentido. Todos queriam ver Paulo
Caetano repetir a lição do primeiro toiro...
Brilhante, sem redondear, no seu primeiro toiro, galvanizou com o "Nazari"
e no último teve uma das suas melhores actuações em Portugal. Ventura fechou
ontem a sua campanha de quatro corridas entre nós com a Moita a seus pés!
Moura Caetano esteve brilhante no seu primeiro toiro com o cavalo
"Temperamento" e no segundo evidenciou-se na lide e na brega com
o fantástico "Belmonte"



Miguel Alvarenga - Parecia que estávamos sentados num anfiteatro a assistir à lição solene de um professor catedrático. A primeira actuação do Maestro (Maestro, mesmo!) Paulo Caetano, ontem na Moita, foi um compêndio, uma bíblia - que oxalá fique registada (e ficou, porque a filmaram e fotografaram) para que a mostrem sempre aos mais novos - de como se deve tourear a cavalo. Tudo foi perfeito. Tudo foi um desenrolar de saber, de experiência e de maestria, de bom gosto, também, e de saber estar em praça, tudo foi harmonia, classe, temple, arte, imensa arte. Infinda.
Esteve que nem um Senhor a receber o toiro, mostrando logo que estava, e ia estar até ao fim, senhor da situação. Dois compridos de poder a poder, dobrando-se na cara do toiro, rematando com suavidade e poderio. Nos curtos, foi um assombro de maestria, lidando, colocando, citando a dois palmos do toiro, aguentando, quarteando-se, cravando de alto a baixo, en su sítio, sem falhas, com a classe do seu classicismo, sem passagens em falso, sem tempos mortos. Foi, não tenho dúvidas, a grande actuação desta temporada.

Quem sabe, jamais esquece

Apesar de retirado das arenas e apenas a comemorar esta época o 35º aniversário da sua brilhante alternativa em Santarém, Paulo Caetano deu ontem a entender que se encontra em plena forma e que poderá voltar quando lhe apetecer porque, de facto, parece estar no activo e a tourear todos os dias. Quem sabe, jamais esquece - e a noite de ontem fica na História.
Não lhe perdoo - e já lho disse - que não tivesse repetido, prosseguido, a lição no seu segundo toiro. Estávamos todos à espera da lide de consagração. O toiro era feio de córnea, demasiado aberta e apontada aos céus, mas servia. Paulo cravou dois belíssimos ferros compridos, tudo indicava que íamos ver outra lição magistral e era bom que assim tivesse sido. Mas o "número" estava previamente preparado - e entende-se. Convidou os dois alternantes e repartiram a três o resto da lide. Não teve sentido, para quem queria voltar a ver Paulo Caetano em grande. Mas ficará para uma próxima. E oxalá haja próxima. Porque, nos tempos que correm, não é fácil ver tourear tão bem como Paulo ontem toureou.

Ventura enorme

Diego Ventura é um toureiro enorme, um profissional dos pés à cabeça e a sua quadra de cavalos é um espanto. Com o "Nazari", levou o público ao rubro no segundo toiro da noite, de investidas francas, mas que transmitiu pouco. A lide não foi redonda, ficaram dois ferros caídos na arena, mas o alto nível de grande lidador esteve patente em todos os recortes e em todos os momentos. E o público esteve com ele.
Não vi a última actuação de Ventura - que passou para sexto lugar em virtude do seu segundo toiro, quinto da ordem, ter saído a coxear. Era uma da manhã, tinham passado três longas horas de corrida, os toiros demoraram uma eternidade a recolher e um homem não é de ferro. Tenho pena - mas não vou falar do que não vi. Dizem-me, e acredito, que foi uma das maiores actuações de Diego Ventura em Portugal. As fotos falam por si.

Moura Caetano reafirma-se

João Moura Caetano podia ontem ter acusado a pressão de estar a tourear ao lado de seu Pai - que era, à partida, e foi, um competidor de pôr qualquer companheiro em sentido. Mas o jovem João não se inibiu. A primeira actuação, no terceiro toiro, com o cavalo "Temperamento", teve rasgos de genialidade e aprumos de bom gosto. Brega excelente, lide primorosa, ferros de grande emoção.
O quinto toiro era bravo e Moura Caetano pôs a carne toda no assador. Brilhou, sobretudo, a lidar e a bregar com o "Belmonte" e voltou a chamar as atenções - a sua presença ontem na Moita, "entalado" entre dois figurões, aproveitou-a ele da melhor forma para reafirmar o bom momento que atravessa e a brilhante temporada que tem estado a cumprir.
Com três quartos das bancadas preenchidos - um cartel destes impunha-se que esgotasse a Moita - a corrida resultou agradável e valeu sobretudo pela grande lição de Paulo Caetano, pela reafirmação de João, seu filho e pela (re)consagração de Ventura, que guardava já no seu palmarés o facto brilhante de ter sido este ano autor da maior lide a cavalo da temporada do Campo Pequeno, a sua primeira na noite célebre do "mano-a-mano" com "El Juli".

Glória ao Aposento da Moita

Mas não foi só isso. A corrida de ontem na Moita foi uma jornada histórica para o valoroso Grupo de Forcados Amadores do Aposento da Moita com seis grandes pegas à primeira tentativa e a prestação fantástica de todos os elementos a ajudar prontamente e a permitir a consumação de todas as pegas num ápice, quase fazendo parecer que tinham sido fáceis. O grupo esteve tão bem que quase apagou o brilhantismo evidenciado pelos seis forcados da cara.
Este ano viram-se pegas "monstras", mas muitas delas valorizadas sobretudo e em especial pela actuação do forcado da cara, com os restantes elementos a entrarem atrasados e assim permitindo que sobressaissem os caras, pela garra com que aguentaram derrotes e mais derrotes até os companheiros chegarem. Ontem, não foi assim. Ontem, os forcados da cara estiveram enormes, mas os companheiros responderam com coesão e prontidão, fechando o cerco aos toiros, consumando todas as pegas como deve ser. Um aplauso fortíssimo ao Aposento da Moita.
Na cara dos toiros estiveram Francisco Baltazar e José Broega, que se despediram sem despir as jaquetas, dizendo adeus a notáveis carreiras; e ainda Martim Oliveira, Nuno Inácio, João Rodrigues e José Maria Bettencourt. Sem destacar nenhum, todos estiveram em noite grande. E digna dos maiores festejos.
Boa brega de João Diogo Fera e Duarte Alegrete (que ontem formaram com Júlio André a quadrilha de Paulo Caetano), de Mário Figueiredo e Paco Cartagena, Pedro Paulino "China" e Sérgio Santos "Parrita", que se apresentava pela primeira vez na praça onde deu os primeiros passos, como bandarilheiro.
Bom curro de toiros de Paulo Caetano, com destaque para o segundo e quinto toiros, bravos. Os restantes deram bom jogo, permitiram aos toureiros e forcados brilhar e tiveram apresentação, sem contudo transmitir muito.
Pedro Reinhardt esteve acertadíssimo na direcção da corrida, não houve desta vez conflitos de espécie alguma.
Ao final das cortesias Paulo Caetano foi alvo de homenagens por parte da Câmara da Moita, da Sociedade Moitense de Tauromaquia e da empresa Aplaudir. No intervalo, descerrou-se nos corredores da praça "Daniel do Nascimento" uma placa evocativa dos 35 anos de alternativa de Paulo Caetano - numa praça onde, ao longo da sua carreira, escreveu brilhantes páginas de uma história memorável.

Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com