segunda-feira, 23 de maio de 2016

Évora: Rouxinol, Caetano e Telles, três estilos, três grandes toureiros e uma noite para lembrar!

Velhos são mesmo só os trapos. Luis Rouxinol comemora na próxima temporada
30 anos de alternativa e está para durar, está no seu melhor. Em Évora, deu duas
lições que se não esquecem. Olé, Toureiro! 
O temple e a personalidade de João Moura Caetano marcaram as duas grandes
faenas com que empolgou o público eborense, a dois toiros distintos, o de
Cunhal Patrício e o de Ribeiro Telles
João Ribeiro Telles: triunfo grande em Évora com os
toiros de Núncio e Pinton Barreiros. A arte e o risco
de um cavaleiro que marca a nova geração


Miguel Alvarenga - A noite do último sábado em Évora, naquela que é a mais emblemática data da praça alentejana, o seu Concurso de Ganadarias (em 57ª edição), foi uma jornada daquelas que fazem nascer novos aficionados e deliciam os antigos. A corrida decorreu com grande ritmo, o intervalo foi curtinho, cavaleiros e forcados deram o seu melhor e artisticamente o espectáculo decorreu como se quer e se gosta, isto é, muito bem. Triunfos repartidos pelos três ginetes, cada qual no seu estilo, galhardia e valentia a sobrar nas intervenções magistrais dos dois grupos de forcados. E toiros de verdade. Toiros com seriedade, a pedir contas, a trazer perigo e emoção a uma Festa que está agora finalmente no seu bom caminho, passado que fica o tempo menos brilhante dos "toiritos fáceis".

Toiros sérios e emoção na arena

Era um Concurso de Ganadarias - melhor dizendo, era o Concurso de Ganadarias de Évora - e por isso mesmo há que destacar os toiros. O primeiro foi de Veiga Teixeira, teve sério comportamento, apresentação extraordinária, impôs seriedade ao longo da lide, andou na arena a crescer. Mereceu o prémio de apresentação, não lhe ficou de todo mal ter recebido também o de bravura, mas aí já o caso pode ser mais subjectivo - e daí os muitos assobios que se ouviram na praça assim que se anunciou esta distinção. Bem sabemos que foram os próprios ganadeiros que votaram, mesmo assim, não houve a mínima concordância do público. Bronca grande em final de festa - que merecia ter sido mais feliz. Mas o mundo dos toiros nem sempre é um conto de fadas e por isso... nem sempre acaba bem... Coisas.
O segundo toiro era o de Cunhal Patrício, toiro bonito, sério, de investidas francas e que foi toiro até ao fim, sem dar tréguas; em terceiro lugar saíu o de Branco Núncio, nobre, a pedir contas e a subir de tom ao longo da lide, também muito sério e a impor emoção; o Passanha (cinco anos) não era toiro para brincadeiras, dificultou, em nada facilitou, não foi fácil, mas lá está, certo de "nhonhoquices", o público quer é ver toiros difíceis, sentir o risco e o perigo que foram sempre apanágio desta arte e deste espectáculo; o quinto foi o "toirão" de Ribeiro Telles, um animal com quase 700 quilos, peso excessivo e que tem menos a ver com a verdadeira morfologia do toiro bravo, mas serviu, investiu claro, foi pelo seu caminho, teve nobreza, deixou-se tourear, como habitualmente se diz; em último, lidou-se o toiro de Pinto Barreiros, que foi crescendo ao longo da lide e teve um desempenho de bravo, louvável, deixando a questão: o prémio de bravura poderia ter distinguido este toiro. Mas em tauromaquia nem sempre o que parece, é... Enfim.

Rouxinol cantou de galo!

A caminho dos 30 anos de alternativa - que comemora na próxima temporada - Luis Rouxinol encabeçava o cartel de sábado em Évora, pela frente de duas figuras da nova vaga, mas nem por isso se deu por vencido, antes pelo contrário. Ao lado dos novos, deixou bem vincada a importância e a força da sua carreira e da sua tauromaquia. É um toureiro bravo e dos que não perdem, nem a feijões.
Que estava ali para marcar a noite disse-o logo quando esperou o toiro de Veiga Teixeira a meio da praça e o recebeu com uma emotiva e desde logo aplaudida sorte de gaiola, deixando o primeiro comprido com uma emoção daquelas que chega aos céus. A partir daí não parou, demonstrou a sua raça, a sua grandeza, a sua valentia numa lide em que a maestria marcou e a vontade de triunfar superou tudo.
O seu segundo toiro era um "tio" de Passanha e Rouxinol cantou de galo, pôs a carne no assador, lidou e toureou com a experiência que o caracteriza e o saber de três décadas a marcar a nossa tauromaquia. Não precisa já de provar nada, mas é um toureiro de uma honestidade sem fim e de um profissionalismo que impressiona. Sem uma pêra doce pela frente, pelo contrário, não tinha precisão de terminar com um ferro de palmo e ainda com um par de bandarilhas - mas fê-lo. "Ainda estou vivo!", disse-me depois no final, já na trincheira. Todos sabemos que está - mas Luis Rouxinol gosta sempre de o lembrar. Toureiro!

Moura Caetano: temple e personalidade

João Moura Caetano obteve dois triunfos notáveis em Évora, com dois toiros distintos, numa corrida importante e que antecede outros grandes compromissos que tem pela frente numa temporada em que, a avaliar pela extraordinária forma dos seus cavalos e dele próprio, promete uma vez mais deixar significativas marcas.
É, sem dúvida, o cavaleiro português com a melhor quadra de cavalos da actualidade. O "Aramis" e o elástico "Temperamento" brilharam no primeiro toiro, de Cunhal Patrício, numa lide pautada por momentos de muita arte e de supremo temple, parecia até que o difícil era fácil, onde impôs a verdade, o risco e a emoção do seu toureiro de extrema e aplaudida perfeição.
No segundo, o "toirão" de David Ribeiro Telles, triunfou com o fantástico "Xispa", desenvolvendo brega perfeita, citando, vencendo o pito contrário, cravando em terrenos de compromisso, tudo em sortes pausadas, desenhadas ao ralenti, chama-se a isso temple e chama-se a isso arte.
Moura Caetano é um toureiro de personalidade vincada, faz tudo bem feito e com uma maestria própria dos eleitos, sem euforias e sem a procura fácil de chegar ao público. Não teve uma falha, um erro, fez tudo bem feito. Os toureiros de arte foram sempre distintos. E por isso os seus dois triunfos em Évora foram tão marcantes.

João Ribeiro Telles: outra arte

João Ribeiro Telles denota, nos mínimos pormenores, a arte diferente que o distingue. É um toureiro de raça - e de risco. Mas é também um toureiro de momentos, de bonitos detalhes e de pormenores. Lidou o toiro de Branco Núncio, que de fácil não tinha nada, com a garra e a raça que o têm caracterizado ao longo da sua carreira, com a verdade e o saber com que sempre faz gala em se exibir. Deixou ferros de grande emoção, rematados com recortes de bom gosto que o público aplaudiu. Uma actuação grande.
No último, o exemplar de Pinto Barreiros que foi crescendo ao longo da lide, esteve João Telles em altíssimo nível, fechando com chave de ouro, empolgando o público numa noite que vai marcar a temporada. Mandou, templou, lidou e toureou na perfeição, as sortes resultaram emotivas e levantaram o público. Não houve momentos mortos, a lide decorreu sempre em crescendo e no fim, como adorno, entusiasmou o conclave com dois arriscados "violinos". Foi um Telles em grande que sábado vimos - e aplaudimos - em Évora.
O cartel estava bem montado e superiormente rematado. Louvável o desempenho do empresário António Manuel Cardoso "Nené" ao conseguir um trio de cavaleiros de estilos tão distintos e que, por isso mesmo, proporcionaram uma grande noite de toiros - para todos os gostos.

Forcados, campinos e director em grande!

Das seis magníficas pegas dos Amadores de Montemor (pelo cabo Vacas de Carvalho, Manuel Ramalho e Francisco Borges, havendo ainda que destacar as grande primeiras-ajudas de Murteira Correia e a arte a rabejar do enorme Francisco Godinho) e dos Amadores de Évora (por intermédio de Dinis Caeiro, João Pedro Oliveira e Ricardo Sousa) já aqui falámos e estamos conversados. Foi uma noite em cheio para os valentes forcados dos dois grupos consagrados, viram-se pegas de encher as medidas - assim, dá gosto.
Tenho ainda obrigatoriamente que aplaudir o fantástico labor dos campinos na recolha rápida e eficiente dos toiros e a excelente direcção, cheia de aficion e de ritmo, de Agostinho Borges, justo e diligente em todas as decisões que tomou.
Em suma, foi uma noite para guardar na memória. Nem sempre, infelizmente, uma corrida é tão agradável de ver, sem momentos daqueles que nos dão sono e nos fazem rogar pragas por lá termos ido. Vi-a da trincheira, onde não via uma corrida há muito tempo... e apesar de gostar pouco de por ali andar, desta vez foi agradável e quando terminou estávamos todos prontos para ver mais seis toiros, se preciso fosse. Corridas como esta fazem aficionados, engrandecem a Festa e fazem-nos acreditar que as coisas podem sempre ser melhores - assim haja vontade, toiros, toureiros e forcados como os que marcaram este 57º Concurso de Ganadarias em Évora. Valeu a pena! E só foi pena que a praça tivesse registado, apenas, uma entrada de meia casa. Mesmo forte, meia casa é muito pouco para o prestígio de uma data como esta e para o cartel que a empresa montou. Há coisas que continuam a não bater certo na nossa Festa...

Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com