quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Campo Pequeno: contamos como estão as coisas... e a verdade é que não estão nada bem

Nunca em 128 anos da sua existência se viveu no Campo Pequeno uma situação
tão indefinida e tão preocupante como a que se está a viver. Estamos a chegar
ao fim de Fevereiro ainda sem um toiro e um toureiro contratados para uma
temporada que ninguém sabe ao certo se vai acontecer...
Praça foi edificada há 128 anos com o objectivo primordial de ser palco de
touradas - e é importante que Álvaro Covões respeite essa tradição centenária


A indefinição continua - e a preocupação dos aficionados aumenta. Álvaro Covões ainda não reuniu com Rui Bento. E o contrato que assinou na última sexta-feira não o obriga à realização de nenhuma corrida de toiros. Em 128 anos de existência da praça de toiros do Campo Pequeno nunca se viveu uma situação tão preocupante como esta

Miguel Alvarenga - Álvaro Covões, o empresário do mundo do espectáculo musical que na última sexta-feira comprou por 37 milhões de euros a concessão (até 2095) da exploração da praça de toiros do Campo Pequeno, não tem, por obra e graça do novo contrato, obrigatoriedade de levar a efeito nenhuma corrida de toiros - apesar de esse ter sido há 128 anos o objectivo para que o monumento foi edificado.
No ano passado, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, "desobrigou" a Casa Pia (proprietária do imóvel) de dar corrida de toiros no Campo Pequeno, imposição essa que reinava desde o dia da sua inauguração em 1892. A praça é propriedade da Casa Pia de Lisboa, mas está edificada em terrenos da Câmara Municipal, que os cedeu à instituição em 1892 com a obrigatoriedade de que fosse utilizada como palco de espectáculos tauromáquicos. Mas isso alterou-se com a arbitrária decisão de Medina e a alteração já fez parte do novo contrato que a empresa Plateia Colossal de Álvaro Covões assinou na passada sexta-feira e que a torna a nova "dona" da praça pelos próximos 75 anos. Recorde-se que o contrato com a Casa Pia da Sociedade de Renovação Urbana do Campo Pequeno, SA (SRUCP) da Família Borges, entretanto insolvente desde há seis anos e que foi a responsável pela obra monumental de remodelação do imóvel, foi um contrato de arrendamento por 99 anos, dos quais já passaram 24.
As obras de remodelação levadas a cabo entre 2000 e 2006 pela empresa da Família Borges tornaram o edifício num espaço polivalente e multiusos, o que o veio sobrevalorizar, mas que nunca o deveria desvalorizar e muito menos inviabilizar como palco de corridas de toiros, objectivo primordial para que foi edificado há 128 anos.
Ao que o "Farpas" apurou e ao contrário do que o próprio Álvaro Covões agendara com Rui Bento na primeira reunião informal que teve no dia da assinatura da escritura (sexta-feira) com os três directores da empresa anterior, o novo "dono" do Campo Pequeno ainda não reuniu com o ex-director de Tauromaquia para lhe expor as suas intenções quanto ao futuro taurino da primeira praça do país.

Rui Bento à espera de decisões de Covões

Covões está desde o início da semana a fazer um levantamento de todas as áreas (tauromaquia, eventos, área comercial) e do que elas representaram em termos económicos desde a reinauguração da praça há 14 anos e só na próxima semana deverá abordar directamente os três directores até aqui responsáveis pela gestão da praça, Rui Bento (gestão tauromáquica), Vasco Cornélio (eventos) e Manuel Jacinto (área comercial), para traçar as directrizes futuras - e para decidir também quem permanece e quem sai.
A Direcção de Tauromaquia, que nos últimos 14 anos foi dirigida por Rui Bento, deixará de existir, uma vez que a nova empresa Plateia Colossal não será promotora de espectáculos tauromáquicos. Paulo Pereira e Joana Pina, que também a integravam, foram transferidos para o Museu Taurino e esse existirá sempre, independentemente de haver ou não corridas de toiros.
Rui Bento, antigo matador de toiros, que deu precisamente os primeiros passos na profissão nesta praça e que foi desde a reinauguração, em 2006, o gestor taurino da mesma, tem estado estes dias no Campo Pequeno, mas está agora numa situação indefinida, com um pé dentro e outro fora, à espera de saber quais as intenções de Álvaro Covões sobre o futuro taurino da praça.
Covões já deixou bem explícito, em declarações ao site "Infocul", que o "seu negócio é a música e não os toiros" e que a sua empresa não será promotora de espectáculos tauromáquicos. Resta agora saber se vai embarcar nesta onda política não taurina que se está a viver e se vai desrespeitar - o que seria escandaloso - a tradição tauromáquica de 128 anos do imóvel, deixando pura e simplesmente de viabilizar a realização de corridas de toiros; ou se, pelo contrário, vai subarrendar a praça a eventuais empresários interessados para que as promovam.
É natural, é lógico e é justo, e pensa-se que será o que vai fazer, que oiça em primeiro lugar Rui Bento. O que era para ter acontecido na passada segunda-feira e terá ficado adiado por mais uma semana. No meio de todo este inqualificável impasse, que aumenta dia-a-dia a preocupação dos aficionados, Rui Bento tem estado incontactável para os jornalistas e presume-se que, até a situação estar clarificada com Covões, assim ficará.

Reunião secreta em Reguengos

Ontem, contudo, a direcção da Federação ProToiro esteve reunida na praça com Vasco Cornélio, director de eventos da anterior empresa, com quem foi negociada anteriormente a realização do Dia da Tauromaquia (29 de Fevereiro), a fim de ajustar os últimos pormenores desse evento e, ao que soubemos, Rui Bento, também presente na praça, embora não nesta reunião, manifestou a sua natural preocupação face a toda esta indefinição. "Transmitiu-nos que a situação é mesmo muito preocupante quanto ao futuro das corridas de toiros na praça", disse ao "Farpas" uma fonte da ProToiro.
Entretanto e como era de prever numa situação destas, pelo menos dois grupos empresariais estão já perfilados para apresentar propostas a Álvaro Covões (ainda não o fizeram, mas isso pode acontecer a todo o momento) com o objectivo de assumirem a promoção de, pelo menos, seis corridas ainda este ano.
Um desses grupos esteve reunido no último sábado, depois do festival que se realizou na Granja, num jantar que decorreu num restaurante de Reguengos de Monsaraz. Ao que o "Farpas" apurou, o grupo era composto por um conhecido criador de cavalos, um antigo forcado, dois cavaleiros tauromáquicos e um empresário que terá sido convidado a integrar uma nova empresa, mas que declinou o desafio alegando que "a entrar num projecto desses só o faria em parceria com Rui Bento".
Um outro grupo, já referenciado há dias pelo site touroeouro.com, estaria liderado por "uma família toureira" com ligações ao "mundo do espectáculo e à televisão".
Pelo meio, o próprio Rui Bento, tudo dependendo das condições que Covões lhe propor para o eventual subarrendamento das datas, já se manifestou "disponível" e disse estar "de braços abertos" para assumir ele a promoção das corridas ainda este ano, sendo provável que já tenha entretanto também "sentido o apoio" de alguns grupos economicamente fortes para avançar nesta nova empreitada e assegurar a sua continuidade como gestor taurino da praça, agora em moldes independentes e por "sua conta e risco". Com todos os defeitos que possa ter e que serão certamente muito menos que as suas muitas virtudes, Rui Bento continua a ser considerado "o homem certo no lugar certo" para continuar a ser o organizador das corridas de toiros na capital. Mas tudo pode acontecer e, no meio desta incrível indefinição, todas as soluções possíveis estão neste momento em aberto...

Paula Resende não saíu de cena

Entretanto e contrariamente ao que se dizia, Paula Mattamouros Resende, a administradora da insolvência, ainda não abandonou o barco e mantém-se em funções no Campo Pequeno - porque o processo de insolvência continua para lá da venda da concessão a Covões -, mas agora exclusivamente no desempenho das funções para que foi nomeada pelo Tribunal, sem qualquer ligação à nova empresa Plateia Colossal e, obviamente, sem o protagonismo que assumiu nos últimos seis anos e que, doa a quem doer, há que reconhecer que foi importantíssimo e deveras impulsionador para a Tauromaquia e para o Campo Pequeno - e isso não poderemos nunca esquecer, como parece que muitos já terão esquecido também todo o papel crucial que teve a Família Borges nos anos anteriores. A memória das pessoas é demasiado curta - e não o deveria ser.
Ao que apurámos também, Paula Resende e João Gonçalves, que regressa ao Campo Pequeno como director-geral da nova empresa de Covões, já terão ultrapassado "o clima de cortar à faca" que os opunha e já coabitam, pelo menos institucionalmente, no mesmo espaço em que agora se reencontraram.
João Gonçalves, figura ligada há largos anos ao mundo do desporto, comentador da RTP e antigo atleta, já estivera na empresa do Campo Pequeno como assessor de Paula Resende há seis anos, quando esta assumiu as funções de administradora da insolvência da sociedade da Família Borges, mas não chegou a aquecer o lugar, saindo menos de dois anos depois em rota de colisão com a ex-amiga. Mas o mundo dá muitas voltas e Gonçalves está agora de novo no Campo Pequeno e desta vez em posição privilegiada ao lado de Álvaro Covões como seu braço-direito nesta nova empresa.
Resumindo e concluindo: o impasse continua, a situação é mesmo "muito preocupante" e o futuro da primeira praça de toiros de Portugal, enquanto palco de espectáculos tauromáquico e catedral mundial do toureio a cavalo, desta vez, está mesmo em risco.
O festival taurino do Dia da Tauromaquia, a 29 deste mês, pode ser mesmo o único espectáculo taurino da temporada 2020. E se calhar o último - 128 anos depois do monumento ter sido edificado com o objectivo primordial de ser uma praça de toiros.

Fotos Frederico Henriques/@Campo Pequeno e D.R.