A finca de Morante pegada à vila de La Puebla del Rio |
Um galo que comprou por alturas do Natal em Óbidos, quando passou uns dias em Portugal |
Esta é a célebre secretária que pertenceu a Joselito "El Gallo", o ídolo maior de Morante, comprada num leilão |
O salão da casa da quinta |
Marca de Portugal: o capote alentejano |
A imagem de Santo António na fachada deste edifício na finca |
Pormenores da quinta de Morante em La Puebla |
Os salões da finca, decorados com trajes de luces, cabeças de toiros e quadros taurinos, que aluga para eventos |
Diferente dos outros e com a particularidade de ter uma árvore a um canto da arena: o tentadero da finca A primeira casa |
O ginásio na sua primeira casa, onde ainda hoje costuma treinar |
Os trajes de luces |
A foto que seu pai, Rafael, me mostrou com tanto orgulho: Morante tinha apenas cinco anos de idade quando toureou pela primeira vez uma novilha |
O prato com a pintura que ilustrou o cartaz da sua corrida há dois anos no Campo Pequeno e em que repartiu cartel com o cantor El Cigala |
Bonitos azulejos nas escadas de sua casa |
À esquerda, o traje de luces branco e ouro com que tomou a alternativa |
Momentos de uma vida - de criança a génio e figura do toureio Peña Cultural Taurina "Morante de la Puebla" |
Um pouco do mundo de Morante está também aqui na Peña Cultural Taurina que tem o seu nome em La Puebla Bar-discoteca "La Capilla" |
O bar-discoteca "La Capilla" em La Puebla, que é propriedade de Morante O mano-a-mano com Curro Romero em La Algaba há 20 anos |
Pela primeira vez, Morante de la Puebla abriu as portas da sua casa e da sua finca e mostrou-nos os seus mais íntimos recantos, as suas mais gratas recordações, momentos, objectos, fotografias, cabeças de toiros, troféus, todo um imenso espólio que é uma vida e nos leva a viajar por duas décadas de glória nas arenas do mundo inteiro, desde que se tornou figura e génio, ídolo da aficion e o apontaram como herdeiro legítimo da arte do mítico Curro Romero. Em La Puebla del Rio, eu fui ao mundo de Morante
Miguel Alvarenga - É mais ou menos assim: Deus no céu e Morante em La Puebla. José Antónoo Morante Camacho, assim se chama, nasceu ali, em La Puebla del Rio, a pouco mais de dez quilómetros de Sevilha, vai fazer 41 anos no dia 2 de Outubro. Nasceu superdotado, é o que se chama um verdadeiro artista, excêntrico na forma de vestir e também de ser, como o são e foram todos os génios. Mas nem a fama e a glória lhe subiram à cabeça, nem ele perdeu alguma vez as suas raízes simples e humildes, que ainda hoje, idolatrado por toda aquela gente de La Puebla, o levam a misturar-se com todos e a beber um copo com cada um nas várias peñas da sua terra, como se não fosse quem é - uma das máximas figuras do toureio mundial, apontado desde o ano 2000 como o legítimo herdeiro da arte do emblemático Curro Romero, que consigo toureou mano-a-mano na localidade sevilhana de La Algaba a 22 de Outubro desse primeiro ano do novo milénio e nessa mesma noite anunciou que aquela fora a sua última actuação, nunca mais se vestindo de toureiro.
José António, como o tratam todos, Morante de la Puebla, como o conhecem no mundo dos toiros, é um homem reservado e de poucas falas, mas que se abre e desfruta quando se sente em boas companhias.
Em Villamanrique de la Condesa toureou pela primeira vez em público no dia 3 de Setembro de 1988, então apoiado quase exclusivamente pelo pai, o afável Rafael, que nunca deixou de acreditar nas potencialidades de seu filho. O debute com picadores aconteceu em Guillena (Sevilha) a 16 de Abril de 1994, tornando-se novilheiro praticante frente a novilhos de Carlos Nuñez. E já nessa categoria de novilheiro debutou em Las Ventas, Madrid, a 23 de Abril de 1995 e na Real Maestranza de Sevilha a 10 de Abril do ano seguinte, 1996, temporada em que viria a conquistar o importante troféu Zapato de Oro em Arnedo.
A alternativa chegou na tarde de 29 de Junho de 1997, quando se tornou matador de toiros na praça de Burgos com o colombiano César Rincón como padrinho e Fernando Cepeda como testemunha, com toiros de Juan Pedro Domecq, cortando uma orelha ao "Guerrero", o toiro do doutoramento e mais uma ao segundo, o que lhe permitiu sair em ombros pela porta grande.
Dois anos depois, o dia 19 de Abril de 1999 marca o início de uma nova página no toureio e consagra o então jovem Morante de la Puebla como uma das grandes figuras do novo século. Nessa tarde, sai pela primeira vez em ombros pela Porta do Príncipe da Real Maestranza de Sevilha e esse feito muda definitivamente a sua vida.
Lembro-me de ter chegado a Sevilha para assistir à corrida do dia seguinte, estávamos em plena Feira de Abril e ninguém falava de outra coisa. Morante era o novo ídolo. Rompera finalmente. Com a simplicidade e a humildade que o caracterizavam, enfrentava a fama e a glória com uma normalidade incrível. Recordo uma entrevista célebre em que fazia lembrar "El Cordobés" depois de ter saído do anonimato e de ter conquistado a glória e em que dizia que agora ia comprar um carro e uma casa e um dia teria uma finca (quinta).
Passaram vinte anos e Morante construiu "um império" onde nada falta. À custa do seu valor. À custa dessa arte rara, desse duende mágico, dessa maneira tão própria e tão inigualável de interpretar a sua arte - e de ser toureiro dos que marcam.
Joselito "El Gallo", morto por um toiro em Talavera de la Reina há cem anos, é o seu ídolo maior. E Morante é um apaixonado por antiguidades. Corre antiquários e leilões e foi num deles que encontrou e comprou a secretária que fora de "El Gallo" e que hoje ornamenta o seu escritório na finca Huerta de San António, ali mesmo em La Puebla (vai-se a pé desde a vila), assim chamada pela sua devoção ao Santo padroeiro de Lisboa. Tem outra quinta fora de La Puebla, mas é nesta que passa os dias.
Toda a decoração é de um bom gosto invejável, está ali muito do dinheiro que ganhou à frente dos toiros, mas não há um único sinal de novo-riquismo saloio. Morante tem bom gosto e não apenas a casa, como os enormes salões decorados com cabeças de toiros e muitos trajes de luces, espaços normalmente alugados para eventos, festas, casamentos, etc., têm um toque de grandeza e ao mesmo tempo de simplicidade.
"Ele é como é, como sempre foi, dá a camisa a um amigo, é de uma bondade extrema, nunca lhe subiu a importância à cabeça", diz quem o conhece bem.
O tentadero é rústico e bonito e tem a particularidade de ter a um canto da arena uma árvore. Ao lado passa o rio Guadalquivir. Por todos os cantos da casa há fotografias, livros de toiros e até um espaço especial reservado aos charutos - uma das suas predilações. Pendurado num cabide, à entrada, está o capote alentejano com que ainda há dias foi fotografado a apresentar as festas de San Sebastián, que decorreram no último fim-de-semana e de que ele próprio é o mais entusiasta organizador. Em sua casa vimos também uma miniatura de um eléctrico lisboeta e o famoso Galo de Barcelos.
Naquela que foi a sua primeira casa e onde viveu com a sua primeira mulher, de que tem um filho, vivem hoje seus pais, Rafael e Pepi, um casal simples e afável. É ali que estão as maiores recordações da carreira de Morante: o traje de luces branco e ouro que vestiu na tarde da alternativa, as cabeças dos toiros mais célebres que enfrentou, os inúmeros troféus que premiaram a sua glória, as fotografias dos grandes momentos. Tem aí um ginásio que ocupa quase um andar e onde muitas vezes ainda treina. Rafael, o pai, mostra-me com visível orgulho uma foto muito especial emoldurada de seu filho ainda miúdo frente a uma novilha e explica-me: "Foi a primeira vez que toureou, tinha cinco anos...".
José António vive hoje numa outra casa com Eli Garrido, sua segunda mulher e as duas filhas, ainda menores, uma casa não muito distante da primeira e com vista privilegiada para o Guadalquivir e para a sua finca.
Amanhã, quinta-feira, viaja para a Colômbia e depois para o México, onde vai tourear na Plaza Monumental. Regressa a Espanha no dia 10 de Fevereiro e a 28 de Março toureia na Chamusca num festival de figuras de que é também um dos principais dinamizadores. Nessa manhã é inaugurado numa rua da Golegã um busto do saudoso matador Ricardo Chibanga, por quem Morante nutria grande admiração e amizade. Foi ele próprio que fez questão de o homenagear oferecendo este busto à vila da Golegã. Um gesto de grandeza que define o homem.
Mas uma imagem vale mais que mil palavras e por isso não me vou alongar mais. Deixo-vos com as imagens que retratam o mundo de Morante - um mundo à parte, diferente dos outros mundos.
Fotos M. Alvarenga