Francisco Morgado - A minha carteira de jornalista, com a validade de Outubro de 2023, assim continua por decisão própria, depois de mais de meio século de actividade. Foi uma retirada, calma, silenciosa e quase tranquila. O tempo tem sempre um tempo e entendi então que aquela data era tão apropriada como outra qualquer.
Passei a ver as corridas como mero aficionado e devo dizer-vos que até há uma certa descompressão, porque desapareceu a urgência de escrever para atender à velocidade da informação nos dias de hoje.
Na passada semana fui espectador da corrida que assinalou os 45 anos de alternativa de Paulo Caetano. Foi então que, pelo pensamento do retirado jornalista passou um vendaval de memórias e um turbilhão de pensamentos que, quem sabe do que falo, se transformou num grande problema.
Por isso, servi-me da amizade antiga que tenho com o Miguel Alvarenga, para lhe pedir um espaço porque, se o vício voltou, então preciso de acabar com ele.
![]() |
O autor destas linhas entrevistando Paulo Caetano na Corrida TV há 45 anos em Santarém, na tarde da sua alternativa |
Paulo Caetano – O bom toureio não tem idade
O meu conhecimento com o cavaleiro, confunde-se com os seus inícios taurinos e a nossa amizade foi-se construindo ao longo dos anos. Conheço-o bem e sabia que este compromisso de voltar por um dia, à dita primeira praça do país, não seria tomado de ânimo leve.
Paulo escolheu como cúmplice um toiro da sua ganadaria, de pelagem berrenda em negro, a lembrar os exemplares que comprou a José Lico e de onde fez o seu primeiro ferro. Bonito, com praça, acudindo aos cites, primeiro com aspereza e depois mais temperado e com classe, pela nobreza que demonstrou. Como se tivesse feito no dia anterior a sua última corrida, Paulo Caetano mostrou como se lida um toiro nos compridos, como se dominam as suas investidas no primeiro estado, para de seguida o afiançar e confiar no tércio de bandarilhas. O que mais me impressionou foi o seu toureio templado, com domínio total de cavalo e toiro, a marcação dos tempos de cada sorte e, finalmente, aquilo que sempre o distinguiu nas arenas. O perfeito conhecimento dos “descansos“, que dá ao cavalo, ao toiro e a ele próprio, para retomarem o ar que necessitam para prosseguirem a lide.
Toureiro de toureiros, maestro de maestros, fez uma exibição de glória, diante de sua neta, o mais recente amor dos seus olhos, e viu também triunfar o seu filho João Moura Caetano, que deixou gravada na arena uma assinatura forte de continuidade e compromisso para com esta arte de lidar toiros à portuguesa.
Quando se apagaram as luzes deste serão inolvidável, gostei de pensar que no céu também tinha havido festa rija. Estavam lá todos. Toureiros, forcados, bandarilheiros, aficionados, uma legião de amigos, que o carácter de gentileza e simpatia do Paulo Caetano conquistou ao longo da sua vida.
Foto D.R.