Miguel Alvarenga - Afinal, João Moura
Caetano, o tiro saíu pela culatra (por norma, acontece assim) a todos aqueles
que nos últimos dias e ontem mesmo pretenderam estragar a tua festa. Sim, que
tourear seis toiros, gesto que protagonizavas pela primeira vez, é um festa.
Dizia-me o "velho" Fernando
Camacho que um toureiro só toureia seis toiros por duas razões: como acto de
consagração, corolário de um percurso de sucesso (que foi o teu caso) ou como
acto de desespero, em busca de algum protagonismo (que não é o teu caso).
Ontem em Monforte, consagraste a tua
definitiva afirmação como Figura do Toureio. E mais que isso: consagraste-te
como um dos grandes triunfadores desta temporada.
Em seis toiros, não houve um ferro no
chão, não houve um toque num cavalo, o que poderia acontecer, já que acontece,
por "tradição", a quem pisa terrenos de compromisso. Como aqueles que
pisaste, arrepiando, com o "Temperamento". Como aqueles que pisaste nos
três ferros compridos com o "Aramis" no último toiro, a aguentar até
ao fim.
Tudo o que ontem fizeste, fizeste-o bem,
João. Aquilo que nos proporcionaste foi, não duvido, uma das grandes corridas
desta temporada.
Tinham mais "garra",
obviamente, os toiros da ganadaria de teu Pai, Paulo Caetano. Foram mais
"suaves" os da ganadaria de tua Avó, Dª Maria Guiomar Cortes de
Moura, sem grande transmissão, mas com trapio superior aos do Campo Pequeno.
Mesmo sem trazer grande emoção, esses toiros "servem" para o
espectáculo de arte e de temple que com eles desenhaste, qual sinfonia de bom
toureiro. Também ali, como em Lisboa com Pablo Hermoso, o público se levantou a
cada um dos teus lances. Esses toiros - e foi isso que muita gente não entendeu
ou não soube ler... - não causam sustos nas bancadas, mas proporcionam momentos
únicos de arte. Foi assim ontem em Monforte, como tinha sido assim na
quinta-feira em Lisboa com Pablo Hermoso.
Já vi na internet e hei-de reproduzir
aqui um video da tua corrida de ontem. Penso que será a melhor forma de
"explicar", a quem não viu, aquilo que se passou e que não se
descreve.
Há faenas que não se descrevem.
Sentem-se. E ontem sentimos todos as tuas seis faenas. Disse-me hoje teu Pai, e
escreveu-o no "Facebook", que viveu ontem "o melhor momento da
sua vida" ao ver-te triunfar, como triunfaste, em seis lides de sonho, nas
quais utilizaste duas casacas, uma azul e ouro e a outra creme e ouro. Mas não
foram dois toureiros que ali estiveram. Foi só um - e único!
Mas depois estiveram mais. Emotivo e
lindo o momento em que, no quarto toiro, foste buscar teu Pai. Que fantásticos
recortes de brega, que ferros memoráveis, que maestria, meu Deus. E que emoção
na praça, João!
Emoção também - ao fim e ao cabo, foi
uma tarde de grandes emoções - quando, no quinto toiro, repartiste a actuação
com o jovem Manuel Vacas de Carvalho, um clássico ao melhor estilo do seu
mestre, Luis Miguel da Veiga, que prosseguiu ali o triunfo que alcançara uma
semana antes, também a teu lado, na praça de Montemor.
Já se viram muitos toureiros tourear
seis toiros. Mas talvez nunca se tenha visto uma "encerrona" tão
triunfal como a tua, em que tudo correu bem do primeiro ao último ferro em
todos os toiros - foi, por isso, uma corrida histórica. Uma tarde que fica na História.
Para ela contribuiu também de modo
decisivo o director de corrida, Rogério Jóia, sem dúvida a grande revelação
desta temporada. Ao dar música - que mereceste em todas lides - mal entrou na
arena teu Pai; ao dar-te música logo do primeiro ferro comprido com o cavalo
"Aramis", no último toiro, revelou que estava ali a exercer a
autoridade com enorme aficion e com o mesmo espírito que norteava todos os que
(quase) enchiam a praça - tratava-se, sim, de uma corrida de toiros com
responsabilidade enorme para um só toureiro, mas tratava-se sobretudo de uma
festa, de uma grande festa.
Saiste em ombros - e outra coisa não foi
mais merecida. Mas mais importante que isso, João, foi a forma serena, madura,
magistral mesmo, com que te afirmaste e consagraste ontem nesse bonito
gesto/desafio de fazeres frente a seis toiros no final de uma temporada
triunfal em que já não precisavas de provar nada a ninguém. Achas que era
preciso mais depois daquela actuação, oito dias antes, em Montemor, com o
"Temperamento"? Não era, mas tu achaste que era. Os artistas nunca se
dão por satisfeitos. E depois da corrida de ontem, há mais e mais, João.
Acho que foi por teu Pai não ter visto,
estava no Brasil quando toureaste em Montemor e quiseste ontem mostrar-lhe e
repartir com ele, como tinha sido, como acabou por ser outra vez.
Que tarde tão bonita, João. Calculo como
te sentirás hoje, ainda para mais no dia do teu aniversário, que ontem todos
celebrámos contigo ao passar da meia-noite. Parabéns, Toureiro!
Mais fotos e mais momentos da corrida de ontem, ainda hoje, aqui no "Farpas". E todas as fotos da festa na Herdade das Janelas - a não perder, mais logo!