segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Carta a João Moura Caetano no final de uma tarde histórica



Miguel Alvarenga - Afinal, João Moura Caetano, o tiro saíu pela culatra (por norma, acontece assim) a todos aqueles que nos últimos dias e ontem mesmo pretenderam estragar a tua festa. Sim, que tourear seis toiros, gesto que protagonizavas pela primeira vez, é um festa.
Dizia-me o "velho" Fernando Camacho que um toureiro só toureia seis toiros por duas razões: como acto de consagração, corolário de um percurso de sucesso (que foi o teu caso) ou como acto de desespero, em busca de algum protagonismo (que não é o teu caso).
Ontem em Monforte, consagraste a tua definitiva afirmação como Figura do Toureio. E mais que isso: consagraste-te como um dos grandes triunfadores desta temporada.
Em seis toiros, não houve um ferro no chão, não houve um toque num cavalo, o que poderia acontecer, já que acontece, por "tradição", a quem pisa terrenos de compromisso. Como aqueles que pisaste, arrepiando, com o "Temperamento". Como aqueles que pisaste nos três ferros compridos com o "Aramis" no último toiro, a aguentar até ao fim.
Tudo o que ontem fizeste, fizeste-o bem, João. Aquilo que nos proporcionaste foi, não duvido, uma das grandes corridas desta temporada.
Tinham mais "garra", obviamente, os toiros da ganadaria de teu Pai, Paulo Caetano. Foram mais "suaves" os da ganadaria de tua Avó, Dª Maria Guiomar Cortes de Moura, sem grande transmissão, mas com trapio superior aos do Campo Pequeno. Mesmo sem trazer grande emoção, esses toiros "servem" para o espectáculo de arte e de temple que com eles desenhaste, qual sinfonia de bom toureiro. Também ali, como em Lisboa com Pablo Hermoso, o público se levantou a cada um dos teus lances. Esses toiros - e foi isso que muita gente não entendeu ou não soube ler... - não causam sustos nas bancadas, mas proporcionam momentos únicos de arte. Foi assim ontem em Monforte, como tinha sido assim na quinta-feira em Lisboa com Pablo Hermoso.
Já vi na internet e hei-de reproduzir aqui um video da tua corrida de ontem. Penso que será a melhor forma de "explicar", a quem não viu, aquilo que se passou e que não se descreve.
Há faenas que não se descrevem. Sentem-se. E ontem sentimos todos as tuas seis faenas. Disse-me hoje teu Pai, e escreveu-o no "Facebook", que viveu ontem "o melhor momento da sua vida" ao ver-te triunfar, como triunfaste, em seis lides de sonho, nas quais utilizaste duas casacas, uma azul e ouro e a outra creme e ouro. Mas não foram dois toureiros que ali estiveram. Foi só um - e único!
Mas depois estiveram mais. Emotivo e lindo o momento em que, no quarto toiro, foste buscar teu Pai. Que fantásticos recortes de brega, que ferros memoráveis, que maestria, meu Deus. E que emoção na praça, João!
Emoção também - ao fim e ao cabo, foi uma tarde de grandes emoções - quando, no quinto toiro, repartiste a actuação com o jovem Manuel Vacas de Carvalho, um clássico ao melhor estilo do seu mestre, Luis Miguel da Veiga, que prosseguiu ali o triunfo que alcançara uma semana antes, também a teu lado, na praça de Montemor.
Já se viram muitos toureiros tourear seis toiros. Mas talvez nunca se tenha visto uma "encerrona" tão triunfal como a tua, em que tudo correu bem do primeiro ao último ferro em todos os toiros - foi, por isso, uma corrida histórica. Uma tarde que fica na História.
Para ela contribuiu também de modo decisivo o director de corrida, Rogério Jóia, sem dúvida a grande revelação desta temporada. Ao dar música - que mereceste em todas lides - mal entrou na arena teu Pai; ao dar-te música logo do primeiro ferro comprido com o cavalo "Aramis", no último toiro, revelou que estava ali a exercer a autoridade com enorme aficion e com o mesmo espírito que norteava todos os que (quase) enchiam a praça - tratava-se, sim, de uma corrida de toiros com responsabilidade enorme para um só toureiro, mas tratava-se sobretudo de uma festa, de uma grande festa.
Saiste em ombros - e outra coisa não foi mais merecida. Mas mais importante que isso, João, foi a forma serena, madura, magistral mesmo, com que te afirmaste e consagraste ontem nesse bonito gesto/desafio de fazeres frente a seis toiros no final de uma temporada triunfal em que já não precisavas de provar nada a ninguém. Achas que era preciso mais depois daquela actuação, oito dias antes, em Montemor, com o "Temperamento"? Não era, mas tu achaste que era. Os artistas nunca se dão por satisfeitos. E depois da corrida de ontem, há mais e mais, João.
Acho que foi por teu Pai não ter visto, estava no Brasil quando toureaste em Montemor e quiseste ontem mostrar-lhe e repartir com ele, como tinha sido, como acabou por ser outra vez.
Que tarde tão bonita, João. Calculo como te sentirás hoje, ainda para mais no dia do teu aniversário, que ontem todos celebrámos contigo ao passar da meia-noite. Parabéns, Toureiro!

Mais fotos e mais momentos da corrida de ontem, ainda hoje, aqui no "Farpas". E todas as fotos da festa na Herdade das Janelas - a não perder, mais logo!

Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com