Que é feito da nossa aficion? Pouco público ontem no Campo Pequeno para apoiar as vedetas do futuro... |
Paulo D'Azambuja teve digna, mas discreta, passagem pelo Campo Pequeno |
David Gomes consolidou-se ontem em Lisboa como a nova estrela do toureio equestre - está a anos luz de muitas das apregoadas vedetinhas... |
"Parreirita Cigano" foi a grata surpresa da noite: tem garra, é atrevido |
Noite de triunfo para os Forcados de Arruda. Na foto, a segunda pega, por Bruno Silva, concretizada ao primeiro intento |
João Martins (Escola de V. Franca) é voluntarioso e despachado: tem pernas para andar e chegar longe! |
Vontade e entrega: noite de êxito também para Ruben Correia, da Escola da Moita |
Diogo Peseiro reafirmou-se ontem no Campo Pequeno como um Toureiro de grande futuro! |
Miguel Alvarenga - Éramos poucos, mas
bons. Os verdadeiros aficionados estavam ontem no Campo Pequeno. Os que
acreditam no ressurgimento do toureio a pé e os que anseiam pela chegada de uma
nova figura do toureio a cavalo. É preciso voltar a encher as praças, faz falta
o carisma e a força de bilheteira de um Moura, de um Pedrito. Faz falta um
ídolo - ou mais. O público precisa de alento e de motivos para ir às praças e a
Festa necessita urgentemente que eles apareçam.
O cavaleiro David Gomes e o diestro
Diogo Peseiro podem ser as estrelas por que andamos há anos à espera. Vamos por
partes.
À maioria dos cavaleiros tauromáquicos
actuais (claro que há excepções e não é preciso enumerá-las), sobretudo às
novas e tão cantadas figuras da última geração, falta escola. David Gomes
tem-na, fruto da sua aprendizagem com Mestre Luis Filipe Oliveira (pai do também
cavaleiro praticante David Oliveira), fruto da sua experiência como cavaleiro
de Dressage, fruto ainda dos ensinamentos que tem recebido de Jorge D'Almeida.
É um equitador exímio, monta
primorosamente e isso, por muito que alguns pensem ao contrário, é mais de meio
caminho andado para se chegar a algum porto neste mundo do toureio a cavalo.
Melhor explicando: ninguém pode ser um grande jogador de hóquei se primeiro não
souber andar de patins com rigor.
David Gomes chegou ontem ao Campo
Pequeno depois de um intenso mês de rodagem e de triunfos em Espanha. Evoluído,
mais maduro e muito mais toureiro. O que fez, fez bem. Viu-se que sabe e que
está um toureiro seguro. Teve pormenores fantásticos de toreria e ferros de
verdade e emoção. Andou sereno, comunicativo, mas andou, acima de tudo,
Toureiro!
Não me vou enganar muito se aqui
escrever que David Gomes está a anos luz de muitas das apregoadas figurinhas da
nova vaga. A sua actuação de ontem em Lisboa foi importante e altamente
esclarecedora: a nova estrela do toureio a cavalo é ele! E anda aí meio mundo a
apostar nos cavalos errados, essa é que é essa. Grande e importante David! Enorme, numa terra
de tantos Golias... e ainda por cima, falsos...
Paulo D'Azambuja luta há dez anos por um
lugar ao sol. Tem vontade e quer - mas faltam-lhe recursos e cavalos. Abriu
ontem praça no Campo Pequeno com um voluntarioso novilho de Caetano que foi
crescendo ao longo da lide. Paulo quis muito, mas pôde pouco. Teve uma digna,
mas discreta passagem por Lisboa. No final, honradamente, recusou a volta à
arena.
A surpresa surgiu ao terceiro toiro com
o ousado "Parreirita Cigano". Emotivo brinde a seu Pai, o antigo
matador que se anunciava nas arenas com o mesmo nome e cujo regresso foi ontem
muito saudado por todos na trincheira do Campo Pequeno (ler notícia anterior) e
depois, uma actuação reveladora da valentia e do atrevimento de um jovem que
pode dar que falar. Lá está, falta-lhe escola... mas isso aprende-se.
"Parreirita" é um
"todo-o-terreno", entra pelos toiros dentro, provoca-os, arrepia quem
assiste. Limando algumas arestas (não se esqueçam que está a começar), pode ir
longe. Entusiasmou, deixou vontade de ser revisto.
Os Forcados de Arruda dos Vinhos tiveram
noite triunfal. Pegaram Fábio Correia (à segunda), Bruno Silva e Luis Lourenço,
ambos à primeira. Na generalidade, houve coesão de grupo e prestação regular
dos ajudas. Mas destacaram-se os forcados de cara.
Depois do intervalo, veio o toureio a
pé.
João Martins, da Escola de Vila Franca,
pupilo do Maestro Vitor Mendes, esteve artista de capote, desenvolto com as
bandarilhas e artista com a muleta. Vê-se que tem fibra e que tem raça e bom
gosto. O novilho ajudou (aliás, ajudaram todos - há a registar um triunfo
ganadero de Paulo Caetano, que incompreensivelmente não foi chamado à praça por
nenhum dos toureiros... nem pelo público, mas merecia) e João Martins fez por
merecê-lo. Esteve muito bem.
Ruben Correia, da Escola da Moita, aluno
de Luis "Procuna" e Júlio André, tem "pinta toureira". Não
brilhou com o capote e não bandarilhou. Nesse tércio, grande destque para
António Ferreira (irmão do matador António João Ferreira), que bandarilhou
espectacularmente e saudou de montera em mão. Com a muleta, Ruben desenhou uma
faena variada e de profunda entrega, com pormenores reveladores de que pode ir
longe, sobretudo se "entrar" por Espanha... já que por cá, por maior
que seja a vontade, nunca se fizeram matadores de toiros. Nota alta para a
passagem pelo Campo Pequeno deste toureiro com futuro.
Encerrou a novilhada, apesar de
anunciado em segundo lugar na ordem dos toureiros a pé, o jovem Diogo Peseiro,
da Academia do Campo Pequeno, aluno do malogrado José Luis Gonçalves (ainda internado nos Cuidados Intensivos do Hospital de Santa Maria) e de Américo Manadas. E fez furor. Deixou Lisboa em "estado de
sítio" pelas suas ganas, pela sua vontade, pelo seu risco.
Atravessou a arena e colocou-se, firme e
decidido, de joelhos, capote aberto, frente à "porta dos sustos".
Recebeu o novilho, que tardava em sair (é preciso ter um coração do tamanho do
mundo para ali ficar, aqueles segundos, parado, sem pertanejar) com uma
"larga afarolada" e logo aí "ganhou" o público. Desenhou
depois cingidas "verónicas" e rematou com "meia" cheia de
arte.
Com as bandarilhas, acabou com o quadro.
Um par imponente de poder a poder, outro em sorte de "violino" a
"quiebro" e, por fim, com bandarilhas curtas, sentado numa cadeira,
ao melhor estilo de Morante, recriando uma sorte de outros tempos, deixou o
Campo Pequeno em verdadeiro alovoroço.
Com a muleta, protagonizou os melhores
momentos da noite. Faena variada, mão baixa, muito sentimento e imensa vontade,
diante de um novilho "de bandeira". Praça ao rubro. Temos Toureiro!
Diogo Peseiro confirmou uma evolução
tremenda em relação ao ano passado, marcou a diferença e o adiantamento em que
se encontra relativamente aos outros jovens diestros e "escreveu"
ontem na arena do Campo Pequeno que, pese embora o caminho ser longo e difícil,
pode lá chegar depressa e em força.
Excelente novilhada de Paulo Caetano,
com raça e nobreza. Estranhíssimo, o facto de o ganadeiro não ter sido chamado
à arena. Já os vir lá ir por muito menos... mas a nossa aficion tem destas
coisas estranhas...
Destaque especial para o quarto novilho
da noite, lidado por João Martins. De sonho, a fazer as delícias de qualquuer
primeira figura.
A novilhada, com pouco mais de um quarto
das bancadas preenchidas, foi bem dirigida pelo antigo forcado Manuel Gama, com
coerência e aficion. Abrilhantou (e bem) o espectáculo a fantástica Banda
Filarmónica da Nazaré.
Finda a novilhada, o espectáculo
continuou na rua, em ambiente festivo, sobretudo no bar "Volapié",
onde se concentrou a aficion e se dançou o flamenco.
Já a seguir: todas as fotos da noite de
ontem no Campo Pequeno. Não percam!
Fotos M. Alvarenga