sexta-feira, 5 de junho de 2015

Moura e Pablo: toureiros de uma outra galáxia!

João Moura "à antiga" na brilhante lide do primeiro toiro da noite
A maestria e a douta sabedoria de João Moura encheram o coração dos
aficionados na lide do manso que lhe tocou em segundo lugar e que toureou
de maneira sublime, arriscando e pisando terrenos de compromisso, como aqui,
neste imponente ferro, como de um jovem se tratasse, à procura de conquistar
o mundo e de afirmar todo o seu valor. Que é eterno e não tem nunca fim!
A classe, o valor e a simpatia de Pablo Hermoso voltaram ontem a conquistar
o público que encheu o Campo Pequeno para o ver 
Um romance que não tem fim: o público de Lisboa e Pablo Hermoso, Pablo
Hermoso e o público de Lisboa...
Segundo comprido de Pablo Hermoso no seu segundo toiro, com o fantástico
cavalo "Napoleon", um verdadeiro Imperador a receber e a parar os toiros
No seu primeiro toiro, terceiro da noite, parado e manso, que cedo se refugiou
em tábuas, Marcos Bastinhas teve actuação notável e de muita entrega,
fazendo das tripas coração para remediar o azar de lhe ter tocado o pior dos toiros
No último toiro, o melhor da noite e que regressou ao campo para semental da
ganadaria, poderia ter acontecido muita coisa, mas não aconteceu... Marcos
Bastinhas salvou a honra do convento com dois grandes pares de bandarilhas e
destacou-se ainda, de entrada, na brega e nos dois arrojados compridos.
Em baixo, mais um momento sublime da noite de ouro de Pablo Hermoso



Miguel Alvarenga - É quase como uma relação de amor profundo. O público do Campo Pequeno e Pablo Hermoso de Mendoza mantém, há muitos anos, uma empatia e uma cumplicidade que têm a ver, sobretudo, com a obra feita, com os triunfos memoráveis que ali alcançou, mas principalmente com a classe e a maestria, também o respeito com que encara cada presença na grande catedral do toureio a cavalo, daquele que é, indiscutivelmente, o número-um do rejoneio mundial. Ontem, a praça encheu e muito pouco faltou para que esgotasse. E isso ficou a dever-se, doa lá a quem doer (mas eu sei que não dói) à presença de Pablo Hermoso no cartaz, acrescida esta quinta-feira do (também) regresso à capital de João Moura, já que não se encontravam naquela arena desde 2007. E a verdade é que a noite foi dos dois Maestros, sublimes, imponentes, magistrais na forma como deram a volta aos toiros mansos dos seus lotes e fizeram parecer fácil o que, na verdade, de fácil nada tem. Toureiros de uma outra galáxia - ainda e sempre.
Apesar da mansidão dos toiros de Herdeiros de Varela Crujo, de irregular e distinta presença e sem transmitir emoção, de que apenas se destacou o sexto, bravo e nobre, que voltou ao campo para semental, aquilo que poderia ter comprometido seriamente o brilho desta terceira nocturna do Campo Pequeno foi virado do avesso pela maestria e pela sabedoria de Moura e de Hermoso, que quase tornaram "bravos" os mansos que enfrentaram, acabando a noite por ter um ritmo e um resultado final positivos, com o público a sair satisfeito e a permanecer por muito mais tempo, na rua, nos bares da praça, comentando com aficion e entusiasmo as incidências da Corrida "Flash".
É que para Moura e Hermoso não há toiros mansos. Eles são toureiros bravos, capazes de solucionar a mansidão de um oponente, capazes de criar emoção onde a não há, capazes de fazer crer que é fácil e tão simples o que, afinal, é bem difícil e não está, nunca esteve, ao alcance de qualquer um. E têm argumentos de sobra (cavalos) para o fazer. A maestria do toureio é isso mesmo. Encontrar toiro quando o não há e descobrir soluções para o que parece impossível, por forma a transformar em triunfo o que, à partida, parece condenado ao irremediável fracasso.
Com ganas de um principiante, parecia ele que vinha ali à conquista do mundo e à procura de se afirmar, de mostrar que pode, que sabe e que quer, João Moura lidou "à antiga" o primeiro toiro da noite, demonstrando estar muitíssimo bem montado e desiludindo alguns que o davam já como "apagado" e com o fim decretado. Foi, outra vez, o Moura de outros tempos. E descansem que temos Moura para muitos mais anos!
O seu segundo toiro era manso perdido, refugiou-se em tábuas, complicou. João Moura encarregou-se de descomplicar, impôs-lhe a sua douta sabedoria, a sua imensa maestria e o que dali saíu foi uma lição perfeita de como se lida e como se toureia um toiro que não quer vir à luta. Por pouco cravava o ferro da noite, quando deu ao oponente a prioridade toda e lhe foi ao encontro, ali no meio da praça, fazendo a batida ao piton contrário, falhando a cravagem por milímetros, mas nem por isso deixando o público de lhe tributar uma imensa ovação quando a seguir se emendou e mostrou que era aquilo que queria ter feito momentos antes. A raça e as ganas obrigaram-no a prolongar a faena, mas viu-se com agrado e mais se via se toiro ainda houvesse - que Moura, esse, havia e haverá para durar.
Pablo Hermoso de Mendoza recebeu os dois toiros no fantástico cavalo "Napoleon", um autêntico Imperador a parar os toiros e a entrar recto, de frente, na cravagem dos compridos. Para as bandarilhas curtas, usou no primeiro toiro o "Berlin", uma das novas estrelas da quadra, mas a troca de cartaz, pelo seu funcionário, na hora de anunciar o nome da montada, levou a que os menos atentos acreditassem que lidava no "Disparate". Com esse, sim, cravou as bandarilhas curtas no quinto toiro da noite, trazendo depois ainda o famoso "Pirata" para os três palmitos da ordem, estando bem o director de corrida Agostinho Borges quando não lhe permitiu o desejado par de bandarilhas, por excesso visível de ferros já cravados.
Aos dois toiros faltou bravura, mas nas duas lides sobrou intuição e saber a Pablo para lhes dar por completo a volta e lhes sacar as faenas que não tinham, colocando emoção e transmissão nas sortes, levando o público a aplaudiu-lo de pé, com calorosas ovações, exigindo-lhe mesmo no segundo uma outra volta à arena, que num gesto de toreria e respeito, achou por bem não dar. Há classe e há grandeza em todos os seus actos, em todos os seus passos, mesmo quando dá a volta e quando agradece, sorridente e simpaticamente, o respeito e o carinho que Lisboa, há tantos anos, por ele nutre. Romance eterno e duradouro.
Por muito pouco, não fosse o seu tremendo querer, a sua vontade e a sua tão grande garra toureira, mais o seu muito valor, claro está, Marcos Tenório Bastinhas teria sido ontem um mero e apagado espectador do triunfal "mano-a-mano" entre Moura e Pablo.
Lidou em primeiro lugar um manso que cedo buscou o refúgio em tábuas e teve o condão de provocar ovações ao pisar-lhe terrenos de compromisso, fazendo das tripas coração para cumprir a ferragem da ordem. Foi uma lide de muito valor e muita entrega.
O seu segundo, último toiro da corrida, foi o melhor de todos e Marcos deixou fugir o que poderia - e devia - ter sido um triunfo importantíssimo para consolidar uma trejactória de êxitos nesta temporada de regresso às arenas.
Esteve verdadeiramente decidido e imponenente a receber e a bregar o toiro no início, tudo levando a crer que viria aí um triunfo enorme, dadas as qualidades do exemplar de Varela Crujo e a grande vontade evidenciada pelo jovem toureiro. Mas depois...
Depois sucederam-se demasiadas passagens em falso nas tentativas de colocar os ferros curtos, por obra e (des)graça de dois cavalos que se recusavam constantemente a ir "à guerra". São coisas que acontecem, mas que ontem não podiam ter acontecido numa noite de tanto peso e de tanto compromisso para Marcos Bastinhas. Os desacertos com as montadas chegaram a motivar assobios, mas o valoroso cavaleiro elvense solucionou o problema indo buscar o cavalo dos pares de bandarilhas, salvando a honra do convento com dois de muito nível e louvável emoção. O público, carinhoso, perdoou-lhe as negas dos cavalos e aplaudiu-o - como se perdoa a um iniciado que está ali a tentar dar tudo por tudo ao lado de dois consagrados, mas a realidade não era essa. Marcos Bastinhas é um dos jovens valores mais consolidados da nova geração de cavaleiros e, por isso, há que se lhe exigir mais. Muito afável lhe foi o público. Agostinho Borges, condescendente, também lhe permitiu a volta à arena (injustificada), que mesmo assim não quis dar, indo apenas ao centro agradecer as palmas. Aquela não foi a noite que Marcos queria - e nós esperávamos. Mas há mais noites...
Os grupos de forcados do Aposento da Moita e de Portalegre não tiveram noite muito complicada - só e apenas porque são dois grandes grupos, já que na generalidade das pegas, os mansos de Varela Crujo demonstraram algum "incómodo" ao sentir-se "agarrados" e tentaram derrotar, após investidas pouco claras e, em alguns casos, desorientadas de todo.
Pelos moitenses, que vieram a Lisboa celebrar o seu 40º aniversário, foram caras o valente Nuno Inácio (à primeira, depois de brindar ao cabo-fundador Pires da Costa), José Henriques (à segunda, após violento derrote na primeira tentativa) e Francisco Baltazar (à primeira), estando o grupo coeso e eficaz nas ajudas.
Pelos alentejanos, pegaram Ricardo Almeida, Alexandre Lopes e António Cary, os três à primeira tentativa, havendo que destacar os últimos dois pelas melhores e mais emotivas pegas da corrida.
Os toiros dispensavam a excessiva intervenção dos bandarilheiros, mesmo assim, há que destacar as oportunas presenças na arena, em ocasiões que se justificaram, dos valorosos e eficientes elementos das quadrilhas dos três cavaleiros, respectivamente João Ganhão e Diogo Malafaia,  José Franco "Grenho" e José Manuel Rodríguez, Ricardo Raimundo e Gonçalo Veloso.
Com muitos Famosos nas bancadas, em especial os habituais convidados da revista "Flash" - Lili Caneças, Cinha Jardim, Nuno da Câmara Pereira, António Pinto Basto, Toy, Moita Flores, Luis Esparteiro, etc. - e a presença de destacadas figuras do mundo taurino na trincheira, com destaque para Óscar Chopera, membro de uma das mais importantes casas empresariais de Espanha, apoderados de Pablo Hermoso, a corrida de ontem no Campo Pequeno teve imenso ambiente, foi antecedida do sempre bonito espectáculo da Charanga da GNR e foi muitíssimo bem dirigida, como sempre, por Agostinho Borges.

Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com