| João Moura "à antiga" na brilhante lide do primeiro toiro da noite |
| A classe, o valor e a simpatia de Pablo Hermoso voltaram ontem a conquistar o público que encheu o Campo Pequeno para o ver |
| Um romance que não tem fim: o público de Lisboa e Pablo Hermoso, Pablo Hermoso e o público de Lisboa... |
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| Segundo comprido de Pablo Hermoso no seu segundo toiro, com o fantástico cavalo "Napoleon", um verdadeiro Imperador a receber e a parar os toiros |
Miguel Alvarenga - É quase como uma
relação de amor profundo. O público do Campo Pequeno e Pablo Hermoso de Mendoza
mantém, há muitos anos, uma empatia e uma cumplicidade que têm a ver,
sobretudo, com a obra feita, com os triunfos memoráveis que ali alcançou, mas
principalmente com a classe e a maestria, também o respeito com que encara cada
presença na grande catedral do toureio a cavalo, daquele que é,
indiscutivelmente, o número-um do rejoneio mundial. Ontem, a praça encheu e
muito pouco faltou para que esgotasse. E isso ficou a dever-se, doa lá a quem
doer (mas eu sei que não dói) à presença de Pablo Hermoso no cartaz, acrescida
esta quinta-feira do (também) regresso à capital de João Moura, já que não se
encontravam naquela arena desde 2007. E a verdade é que a noite foi dos dois
Maestros, sublimes, imponentes, magistrais na forma como deram a volta aos
toiros mansos dos seus lotes e fizeram parecer fácil o que, na verdade, de
fácil nada tem. Toureiros de uma outra galáxia - ainda e sempre.
Apesar da mansidão dos toiros de
Herdeiros de Varela Crujo, de irregular e distinta presença e sem transmitir emoção, de
que apenas se destacou o sexto, bravo e nobre, que voltou ao campo para
semental, aquilo que poderia ter comprometido seriamente o brilho desta
terceira nocturna do Campo Pequeno foi virado do avesso pela maestria e pela
sabedoria de Moura e de Hermoso, que quase tornaram "bravos" os
mansos que enfrentaram, acabando a noite por ter um ritmo e um resultado final
positivos, com o público a sair satisfeito e a permanecer por muito mais tempo,
na rua, nos bares da praça, comentando com aficion e entusiasmo as incidências
da Corrida "Flash".
É que para Moura e Hermoso não há toiros
mansos. Eles são toureiros bravos, capazes de solucionar a mansidão de um
oponente, capazes de criar emoção onde a não há, capazes de fazer crer que é
fácil e tão simples o que, afinal, é bem difícil e não está, nunca esteve, ao
alcance de qualquer um. E têm argumentos de sobra (cavalos) para o fazer. A
maestria do toureio é isso mesmo. Encontrar toiro quando o não há e descobrir
soluções para o que parece impossível, por forma a transformar em triunfo o
que, à partida, parece condenado ao irremediável fracasso.
Com ganas de um principiante, parecia
ele que vinha ali à conquista do mundo e à procura de se afirmar, de mostrar
que pode, que sabe e que quer, João Moura lidou "à antiga" o primeiro
toiro da noite, demonstrando estar muitíssimo bem montado e desiludindo alguns
que o davam já como "apagado" e com o fim decretado. Foi, outra vez,
o Moura de outros tempos. E descansem que temos Moura para muitos mais anos!
O seu segundo toiro era manso perdido,
refugiou-se em tábuas, complicou. João Moura encarregou-se de descomplicar,
impôs-lhe a sua douta sabedoria, a sua imensa maestria e o que dali saíu foi
uma lição perfeita de como se lida e como se toureia um toiro que não quer vir
à luta. Por pouco cravava o ferro da noite, quando deu ao oponente a prioridade
toda e lhe foi ao encontro, ali no meio da praça, fazendo a batida ao piton
contrário, falhando a cravagem por milímetros, mas nem por isso deixando o
público de lhe tributar uma imensa ovação quando a seguir se emendou e mostrou
que era aquilo que queria ter feito momentos antes. A raça e as ganas
obrigaram-no a prolongar a faena, mas viu-se com agrado e mais se via se toiro
ainda houvesse - que Moura, esse, havia e haverá para durar.
Pablo Hermoso de Mendoza recebeu os dois
toiros no fantástico cavalo "Napoleon", um autêntico Imperador a
parar os toiros e a entrar recto, de frente, na cravagem dos compridos. Para as
bandarilhas curtas, usou no primeiro toiro o "Berlin", uma das novas
estrelas da quadra, mas a troca de cartaz, pelo seu funcionário, na hora de
anunciar o nome da montada, levou a que os menos atentos acreditassem que
lidava no "Disparate". Com esse, sim, cravou as bandarilhas curtas no
quinto toiro da noite, trazendo depois ainda o famoso "Pirata" para
os três palmitos da ordem, estando bem o director de corrida Agostinho Borges
quando não lhe permitiu o desejado par de bandarilhas, por excesso visível de
ferros já cravados.
Aos dois toiros faltou bravura, mas nas
duas lides sobrou intuição e saber a Pablo para lhes dar por completo a volta e
lhes sacar as faenas que não tinham, colocando emoção e transmissão nas sortes,
levando o público a aplaudiu-lo de pé, com calorosas ovações, exigindo-lhe
mesmo no segundo uma outra volta à arena, que num gesto de toreria e respeito,
achou por bem não dar. Há classe e há grandeza em todos os seus actos, em todos
os seus passos, mesmo quando dá a volta e quando agradece, sorridente e
simpaticamente, o respeito e o carinho que Lisboa, há tantos anos, por ele
nutre. Romance eterno e duradouro.
Por muito pouco, não fosse o seu
tremendo querer, a sua vontade e a sua tão grande garra toureira, mais o seu muito valor, claro está, Marcos
Tenório Bastinhas teria sido ontem um mero e apagado espectador do triunfal
"mano-a-mano" entre Moura e Pablo.
Lidou em primeiro lugar um manso que
cedo buscou o refúgio em tábuas e teve o condão de provocar ovações ao
pisar-lhe terrenos de compromisso, fazendo das tripas coração para cumprir a
ferragem da ordem. Foi uma lide de muito valor e muita entrega.
O seu segundo, último toiro da corrida,
foi o melhor de todos e Marcos deixou fugir o que poderia - e devia - ter sido
um triunfo importantíssimo para consolidar uma trejactória de êxitos nesta
temporada de regresso às arenas.
Esteve verdadeiramente decidido e
imponenente a receber e a bregar o toiro no início, tudo levando a crer que
viria aí um triunfo enorme, dadas as qualidades do exemplar de Varela Crujo e a
grande vontade evidenciada pelo jovem toureiro. Mas depois...
Depois sucederam-se demasiadas passagens
em falso nas tentativas de colocar os ferros curtos, por obra e (des)graça de
dois cavalos que se recusavam constantemente a ir "à guerra". São
coisas que acontecem, mas que ontem não podiam ter acontecido numa noite de tanto
peso e de tanto compromisso para Marcos Bastinhas. Os desacertos com as
montadas chegaram a motivar assobios, mas o valoroso cavaleiro elvense
solucionou o problema indo buscar o cavalo dos pares de bandarilhas, salvando a
honra do convento com dois de muito nível e louvável emoção. O público,
carinhoso, perdoou-lhe as negas dos cavalos e aplaudiu-o - como se perdoa a um
iniciado que está ali a tentar dar tudo por tudo ao lado de dois consagrados,
mas a realidade não era essa. Marcos Bastinhas é um dos jovens valores mais
consolidados da nova geração de cavaleiros e, por isso, há que se lhe exigir
mais. Muito afável lhe foi o público. Agostinho Borges, condescendente, também
lhe permitiu a volta à arena (injustificada), que mesmo assim não quis dar,
indo apenas ao centro agradecer as palmas. Aquela não foi a noite que Marcos
queria - e nós esperávamos. Mas há mais noites...
Os grupos de forcados do Aposento da
Moita e de Portalegre não tiveram noite muito complicada - só e apenas porque
são dois grandes grupos, já que na generalidade das pegas, os mansos de Varela
Crujo demonstraram algum "incómodo" ao sentir-se
"agarrados" e tentaram derrotar, após investidas pouco claras e, em alguns casos, desorientadas de todo.
Pelos moitenses, que vieram a Lisboa
celebrar o seu 40º aniversário, foram caras o valente Nuno Inácio (à primeira,
depois de brindar ao cabo-fundador Pires da Costa), José Henriques (à segunda,
após violento derrote na primeira tentativa) e Francisco Baltazar (à primeira),
estando o grupo coeso e eficaz nas ajudas.
Pelos alentejanos, pegaram Ricardo
Almeida, Alexandre Lopes e António Cary, os três à primeira tentativa, havendo
que destacar os últimos dois pelas melhores e mais emotivas pegas da corrida.
Os toiros dispensavam a excessiva
intervenção dos bandarilheiros, mesmo assim, há que destacar as oportunas
presenças na arena, em ocasiões que se justificaram, dos valorosos e eficientes elementos das quadrilhas dos três cavaleiros, respectivamente João Ganhão e Diogo Malafaia, José Franco
"Grenho" e José Manuel Rodríguez, Ricardo
Raimundo e Gonçalo Veloso.
Com muitos Famosos nas bancadas, em
especial os habituais convidados da revista "Flash" - Lili Caneças,
Cinha Jardim, Nuno da Câmara Pereira, António Pinto Basto, Toy, Moita Flores,
Luis Esparteiro, etc. - e a presença de destacadas figuras do mundo taurino na
trincheira, com destaque para Óscar Chopera, membro de uma das mais importantes
casas empresariais de Espanha, apoderados de Pablo Hermoso, a corrida de ontem
no Campo Pequeno teve imenso ambiente, foi antecedida do sempre bonito
espectáculo da Charanga da GNR e foi muitíssimo bem dirigida, como sempre, por
Agostinho Borges.
Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com



