segunda-feira, 29 de junho de 2015

Botero arrasou em Évora: até o Templo de Diana deve ter tremido...

Marcante, emocionante, vibrante: Botero arrasou ontem em Évora!
O ganadeiro Diogo Passanha foi ontem duas vezes à arena agradecer os aplausos
pela emoção que deram os seus toiros, sobretudo os dois últimos. Em baixo, os
Amadores de Évora também chamados à arena no final da corrida de ontem, tal
o sucesso que alcançaram na corajosa "encerrona" com os seis Passanhas



Miguel Alvarenga - Não sei mesmo, mas espero que não, se o Templo de Diana (foi assim que aprendi nos meus tempos do colégio, embora o designem normalmente por Templo Romano) tremeu ontem, abalando a sua milenar estrutura, depois do "estrondo", no melhor dos sentidos, claro, que foi a actuação do jovem rejoneador colombiano Jacobo Botero na praça de Évora, a um belíssimo toiro de bandeira da ganadaria Passanha, que obrigou pela segunda vez o ganadeiro Diogo Passanha a ir à praça no final para receber os calorosos aplausos do público.
Botero fez-se sózinho à luta, ficou ali no meio da praça à espera que ao seu encontro viesse, correria desenfreada, emoção imensa nas bancadas, o último toiro de Passanha da fantástica corrida de S. Pedro, uma daquelas que fazem aficionados e que ficam guardadas na memória. Recusou o colombiano essa modernice de tourear "mano-a-mano" com os bandarilheiros, como se a lide de um cavaleiro não devesse ser sua e só sua, mas agora habituaram-se quase todos a ter a presença permanente dos ajudantes, a quem também se chama subalternos, capotes para aqui e capotes para acolá, enfim, mas não foi isso que fez Botero, ele foi sózinho, ganas de gigante, ambição desmedida, vontade de triunfar naquela que era a sua primeira corrida da temporada.
O primeiro comprido foi espectacular e resultou emotivo, depois dobrou-se bem, atirou o sombrero ao ar e iniciou o que viria a ser a grande actuação da corrida, a fechar com chave de ouro uma tarde com muitas histórias e triunfos também sonantes e grandes para os Forcados de Évora e para o ganadeiro Passanha, toiros grandes, grandes demais até, fantásticos os dois últimos, lidáveis os outros quatro, a transmitir emoção e a impor seriedade - que é o que se precisa.
A actuação de Jacobo Botero foi marcante, foi um hino à emoção, ao tremendismo, aos risco, à ousadia, à verdade e à emoção que tanta falta faz ao espectáculo tauromáquico, também ao querer mais e mais, à ambição de um toureiro que faz falta e quer marcar pela diferença. E ontem marcou mesmo. Saíu a tempo, sem pedir mais um ferro, triunfador pleno e a mostrar também que tem cabeça e sabe o que faz. E também o que quer. Muito bem.
Antes, com outro toiro de bandeira de Passanha, o melhor da tarde, estivera também João Maria Branco em plano superior, tudo o que fez foi bem feito, a mostrar raça e moral em alta, a dizer que continua a querer ser figura e está a lutar por isso. Muito bem nos dois compridos, esteve depois empenhado e ousado nos curtos, quarteando-se num palmo de terreno, rematando com arte e conquistando o público.
Borrou a pintura na volta à arena - e era absolutamente desnecessário o que aconteceu. Depois de uma aplaudida volta com o forcado Dinis Caeiro e o primeiro ajuda (melhor pega da corrida), depois de ter agradecido no centro, com o ganadeiro, as calorosas ovações que ninguém lhe regateou, antes pelo contrário, quando se encaminhava para a porta dos cavalos, explodiu nas bancadas uma outra ovação que se destinava ao forcado, mas João Maria aproveitou-a e ensaiou uma segunda volta à arena sózinho, que ficaria por metade, depois dos assobios e dos sonantes protestos do público. Lamentável. E, repito, absolutamente desnecessário...
A corrida abriu, sob forte calorada, com a actuação do Maestro João Moura frente a um Passanha de pouca mobilidade e quase nenhuma entrega, com o qual esteve apenas regular, mas sem deixar cair por terra o brio da sua brega e do seu saber.
O segundo teve pela frente o sempre empolgante Joaquim Bastinhas, grande actuação, tudo de pé, os anos por ele não passam e a fantástica virtude de contagiar o público com a sua alegria e a sua emoção é coisa que está de pé há anos - e para durar.
A maestria e o rigor de António Ribeiro Telles impuseram-se ao terceiro toiro da tarde, o mais reservado dos seis Passanhas, um animal que quis comprometer o empenho do notável cavaleiro, mas que este não deixou, dando-lhe a volta com a arte costumeira e protagonizando uma lide em crescendo e em ritmo triunfal.
Francisco Núncio comemorava ontem os seus 20 anos de alternativa e antes da corrida foi honrado com o descerramento de uma placa alusiva à efeméride no páteo de quadrilhas da praça, pena que ninguém tenha percebido o que disse quem falou, mas é péssima a sonoridade na praça eborense... paciência.
Importante, essa sim, e todos a "ouviram", se calhar nem todos a perceberam, foi a lide de Francisco, mesmo "à Núncio", quero com isto dizer, à usança antiga. Senhor de artística monta e bonita postura em praça, a silhueta até faz lembrar seu Avô, o Mestre eterno, o "jovem" Núncio toureou como se toureava antigamente, brega desenvolta e eficaz, nenhum alarde modernista, os ferros todos cravados à tira, de alto a baixo e ao estribo. O público aplaudiu de pé. Toureia pouco e é pena. Dá gosto ver tourear à maneira antiga, por mais que o toureio a cavalo tenha evoluído e por mais que Francisco Núncio não tenha querido acompanhar as modas, antes mantenha, inalterável e com a arte de tempos idos, essa forma diferente de lidar e tourear como ele a sente e interpreta. E a verdade é que o antigo toureio nuncista ainda hoje tem adeptos e ontem teve imensos, todos viram e todos comungaram do sucesso que foi o público de pé a ovacionar a arte-outra do Francisco. Que toureou lindamente.
A nobre e portuguesíssima arte de pegar - bem - os toiros é um condão que acompanha há muitos anos e dele fazem apanágio e história, os valentes Forcados Amadores de Évora. Ontem, foram também sózinhos, como o Botero, à luta com os Passanhas. E o resultado foi uma tarde de clarmoso êxito, com o grupo chamado à praça no final, tal a emoção e o valor que tinham deixado nas suas seis poderosas intervenções.
Dinis Caeiro fez a pega da tarde, monumental, ao quinto toiro da corrida e ao primeiro intento. Aguentou uma barbaridade de derrotes, ficou com decisão na cara do toiro e contou com uma grande ajuda do companheiro que depois o acompanhou na volta à arena - triunfal.
De muito boa nota foram também as pegas de Francisco Oliveira (à segunda), de Manuel Rovisco (brilhante, ao primeiro intento), de João Madeira (também à primeira e muito bem) e do cabo António Alfacinha, que fechou praça, à primeira, com uma vistosa pega a que faltou apenas algum empenho do toiro, que não derrotou. Menos sorte teve Ricardo Sousel, autor da quarta pega da corrida, só consumada à quinta tentativa e com as ajudas carregadas, após violentos "despejos" nas quatro tentativas anteriores, em que recuou sempre pouco e entrou em demasia nos terrenos do toiro.
O público correspondeu ao cartel diversificado e bem montado pelo empresário "Nené" Cardoso e as bancadas registaram uma excelente entrada de três quartos. Pena que a corrida não se tivesse realizado à noite, com menos calor e, certamente, casa cheia.
Na direcção, com a usual competência e imprimindo ritmo ao espectáculo, esteve Agostinho Borges acertadíssimo.

Não perca, hoje: os melhores momentos da corrida, as pegas uma a uma. E amanhã, todos os Famosos!

Fotos Maria João Mil-Homens