Duarte Pinto: ontem ele foi o número um! E a partir de agora, vão os empresários fazer justiça e valorizar este triunfo apoteótico? Ou fica tudo como estava? |
Assim investiu o bravo e sério toiro de Vale Sorraia no capote de João Ferreira, que ontem integrou a quadrilha do triunfador Duarte Pinto |
Depois de embalado pelo forte triunfo na Nazaré, Rui Salvador voltou ontem a mostrar que está de volta em grande e em força. E para durar! |
Com o toiro que menos transmitiu e que por isso retirou alguma luz ao seu correcto labor, Brito Paes não desiludiu e foi autor de uma lide com ferros e brega de valor |
Lide de grande brilhantismo e imensa classe a de Manuel Telles Bastos ao "bruto" e sério quinto toiro da noite |
Duarte Pinto não saíu ontem em ombros do Campo Pequeno - mas devia ter saído. Não faz mal. Saíu pela porta grande, e maior, da glória - e tão cedo não vamos esquecer. Lide magistral e uma tremenda lição de bem tourear a cavalo, como há muitos anos se não via na capital. Façam-lhe agora justiça. Ou este triunfo não valeu de nada? Todos triunfaram e isso valorizoiu ainda mais o êxito do Duarte. Noite grande também para os Forcados de Turlock e para a ganadaria Vale Sorraia. Depois do desaire de 5 de Julho, a Temporada "Torista" de Lisboa entrou finalmente nos eixos
Miguel Alvarenga - Em mais uma noite “torista” marcada por um fantástico e muito sério curro de toiros da ganadaria Vale Sorraia, que em 70 anos de existência nunca pisara a arena do Campo Pequeno, o cavaleiro Duarte Pinto galvanizou ontem tudo e todos com uma actuação colossal e uma enorme lição de toureio a cavalo. Engana-se quem diz que só existe emoção no chamado toureio moderno. No toureio de Duarte - a quem hoje vou mesmo ter que chamar Mestre! - não existem ladeares, piruetas, cavalos empinados e outras coisas que hoje em dia entusiasmam os públicos - e também têm valor. No toureio de Duarte, seguidor do mais puro classicismo, existe perfeição, técnica, risco e, acima de tudo, solenidade. Uma tremenda solenidade.
O que eu lhe vi fazer ontem no Campo Pequeno, em nada me admirou. Há anos que Duarte Pinto nos anda a dizer isto. Só que, valha a verdade, sem o fulgor, a total perfeição e a harmonia que ele ontem pôs nessa lide que foi a melhor da temporada na arena de Lisboa, uma das que há muitos anos se não viam naquela sagrada Catedral e creio mesmo que a melhor da sua brilhante carreira até aqui. Na capital, ele estivera sempre bem - mas nunca chegara onde ontem chegou.
O toiro de Vale Sorraia era um toiro sério, bravo, de respeito - como os demais. Duarte respondeu-lhe com a mesma moeda, agigantou-se (já é alto, mas ontem esteve ainda mais alto) e vimos também um toureiro sério, um toureiro bravo e um toureiro de respeito.
Brindou a lide a Rui Salvador, que ontem cumpria 34 anos de alternativa. E prestou-lhe depois a maior das homenagens.
A casaca era creme, como de creme - e de branco - tantas vezes vi triunfar naquela praça seu pai, o meu querido Emídio Pinto, de que tanto me recordei ontem com a actuação do Duarte. Imagino, Emídio, quantas lágrimas de alegria te terão ontem escorrido dos olhos, como as que vi, já no final da corrida, no rosto do Luis Miguel Pombeiro, o fiel apoderado que sempre acreditou e sempre lutou ciente de que um dia esta noite havia de chegar. A noite da consagração.
Dois curtos de arrepiar, de praça a praça, de poder a poder, a dar ao toiro toda a prioridade, aguentando, para depois cravar ao estribo, parecendo que fora tudo tão fácil. Lembrei-me de Batista e de Zoio, daqueles ferros de parar corações com que eles deixavam as praças em delírio.
O primeiro curto foi um portento e a banda começou a tocar. E depois Duarte não nos deixou mais respirar. Foram ferros e ferros de uma emoção que se não descreve, foi uma lide de um poderio sem fim, de uma técnica e uma arte de eleição, superando a perfeição. Foi, diria mesmo, um regresso ao passado. Ao passado do bom toureio a cavalo. E um grito virado ao futuro. Ao futuro de Duarte Pinto - que não pode deixar de mudar. Vai mudar. Tem que mudar.
Ele é, para já, o grande triunfador da temporada do Campo Pequeno. E ontem confirmou, consolidou e consagrou tudo o que nos andou a dizer nestes últimos anos, desde que em 2009 recebeu nesta praça a sua alternativa.
Era a Corrida do Emigrante e havia na praça americanos, chineses, islamitas, mulheres de cabeça coberta. Estavam todos de pé a aplaudir em apoteose. Mesmo que não se entenda, o toureio sente-se. E ontem, todos sentiram a histórica actuação de Duarte Pinto. De pé, a aclamar o grande triunfo do ano em Lisboa, estavam também muitos críticos taurinos, muitos entendidos e muitos toureiros. Ventura incluído.
Telles Bastos tinha dado o mote…
Mais valor e maior importância teve o memorável triunfo de Duarte Pinto se tivermos em conta que ele foi o último a actuar e todos os seus companheiros de cartel tinham tido até ali excelentes triunfos. A corrida de ontem foi mesmo uma das melhores a que assistimos em Lisboa nos últimos tempos, nos últimos anos, até.
Manuel Ribeiro Telles Bastos, outro clássico da nova geração, tinha acabado de rubricar no quinto toiro, algo reservado e “bruto”, que lidou primorosamente e em crescendo, uma actuação também ela pautada pelo brilhantismo e a solenidade do que é tourear bem e de verdade a cavalo.
Houve alguma velocidade nos ferros compridos, mas a actuação de Manuel Telles foi a mais nos curtos, onde imprimiu a todas as sortes a verdade e a classe da sua tão superior interpretação do toureio, terminando em beleza e com o público eufórico e entregue.
Brito Paes: em nome da veterania
António Maria Brito Paes, hoje vou do fim para o princípio, lidou o quarto Sorraia da noite, que também evidenciou excelentes condições de lide, mas que foi dos seis aquele que menos transmitiu, retirando por isso algum brilhantismo ao correcto labor do cavaleiro.
Apesar de aparecer pouco nas grandes praças, Brito Paes reafirmou ontem os seus dotes de grande equitador e de toureiro que nunca desilude numa lide onde se evidenciou a sua veterania e maturidade artística.
Voltou o grande Salvador!
Rui Salvador enfrentou o terceiro toiro da noite, que, como os outros, foi um toiro sério, que pedia contas, exigente e a dar emoção à lide. Apesar de ser o cavaleiro mais veterano do cartel, actuaram primeiro Andrés Romero e David Gomes, por terem feito as confirmações das respectivas alternativas.
Andou aliviado nos compridos, cravando à tira, mas assumiu o completo domínio da situação nos curtos, com sortes muito bem desenhadas e superiormente rematadas, cravando quatro ferros curtos com a emoção de outros tempos, entrando pelo toiro dentro, pisando terrenos de grande compromisso, pondo tudo de si numa lide triunfal e que vem na sequência da sua repentina subida de forma e regresso ao passado, iniciada na Nazaré.
Maestria, sabedoria, experiência - e a eterna juventude e o eterno fulgor de um grande profissional que, mesmo em condições mais adversas, jamais virou a cara e reafirmou sempre o seu tremendo valor, o seu muito empenho, a sua grande categoria e o seu desmedido respeito pelo público - que o tem de volta e em grande forma!
David Gomes: há aqui futuro!
David Gomes demonstrou no Campo Pequeno que tem pernas para andar, que não vai ser só mais um e que há futuro para escrever pela frente.
Começou com uma precipitada sorte de gaiola em que imprimiu velocidade a mais para fazer frente à “pata” com que saíu à arena o bravo toiro de Vale Sorraia e o ferro ficou demasiado, muito mesmo, traseiro.
Depois emendou a mão e o segundo comprido já foi de boa nota. Mas foi nos curtos que o jovem cavaleiro se evidenciou, dando a real dimensão do seu toureio e da sua forma de lidar. Aproveitou com cabeça e serenidade as excelentes qualidades do toiro, desenhou vistosa brega e ladeou com emoção para depois entrar recto pela cara do toiro e deixar ferros que levantaram o público das bancadas.
Entusiasmado e embebido com o triunfo - triunfo de valor - deixou-se “adormecer” junto às tábuas a agradecer as ovações e o toiro alcançou o cavalo, provocando momentos de ansiedade e perigo, só não vindo tudo para o chão por milagre. Foi uma distracção - mas os toureiros não se podem distrair, nem podem nunca perder a cara ao toiro. David perdeu-a e ia-se perdendo. Mas foi só uma mancha negativa numa noite de triunfo. Não passa nada.
Estreia auspiciosa de Andrés Romero
Pode-se gostar mais do toureio à portuguesa, mas quando se vai a uma praça de toiros tem que se saber ver tudo. E dar a tudo o que tem valor, precisamente, o devido valor e o reconhecimento.
Andrés Romero estreava-se ontem na Catedral Mundial do Toureio a Cavalo representando o rejoneio clássico e puro. Recebeu o toiro à porta da gaiola, jaqueta em mão, correndo-o, parando-o, para só depois ir buscar o primeiro ferro. Soaram os primeiros aplausos e os primeiros olés.
Triunfador de Sevilha, uma orelha em Madrid, saída em ombros em Huelva no domingo passado são palmarés de um toureiro que vale - e que ontem provou mesmo que vale.
Sofreu um toque violento no primeiro ferro comprido, mas depois conquistou o público com a emoção da sua arte. E a música tocou. Tocou para todos ontem.
Maior expressão tiveram depois os ferros curtos, em sortes frontais e que resultaram emotivas, com o público a aplaudir a excelente lide de Romero a um bravo e nobre toiro de Vale Sorraia.
O rejoneador espanhol, que amanhã toureia na Nazaré, deixou óptima impressão também neste seu debute em Lisboa, defendendo a bandeira do rejoneio da melhor forma.
Grande noite dos Forcados de Turlock
As seis pegas aos seis sérios toiros da triunfadora ganadaria Vale Sorraia foram rijas e grandes, tendo os três grupos triunfado em pleno.
Mas, em nome da justiça, há que destacar a brilhante actuação dos consagrados Amadores de Turlock, que executaram duas grandes pegas à primeira por intermédio do cabo George Martins Jr. e de Steven Camboia, com o grupo a ajudar sempre “em cima” e em pleno.
Vencedores de dois Concursos de Pegas no Campo Pequeno em anos anteriores, os forcados da Califórnia personificam a imagem real do forcado à antiga. Fazem lembrar os tempos de ouro dos Amadores de Lisboa, dos Lusitanos e de tantos mais, quando os forcados não tinham caras de meninos e eram todos eles grandes “matacões”, homens de barba rija. Digo isto sem desprimor algum pelos outros grupos ou pelos forcados actuais, mas a verdade é que os Turlock são forcados “à antiga”. Páram e dominam os toiros assim como quem trava a marcha em alta velocidade de um camião na auto-estrada. Rijos e valentes!
Montijo e Moura também em glória
Pelos Amadores do Montijo, um grupo com um longo e destacado historial, pegaram João Paulo Damásio (à segunda) e João Pedro Suíças (à primeira), duas intervenções também de muito valor por parte dos forcados de cara, mas também de todos os elementos do valoroso grupo.
O Real Grupo de Moura protagonizou também um realismo êxito com duas grandes pegas, perfeitas na técnica e na valentia, por intermédio de Gonçalo Borges (à primeira) e Rui Branquinho (à terceira), com uma fabulosa e eficaz intervenção do primeiro ajuda, que deveria tê-lo acompanhado depois na volta à arena - merecidíssima e que ficou por dar.
Desta vez não houve, felizmente, o já habitual minuto de silêncio. Ao início da corrida prestou-se singela homenagem a Rui Salvador pelos 34 anos de alternativa que ontem mesmo se cumpriam. E há que destacar a muito correcta direcção da corrida por parte de Tiago Tavares. Exigente, tardou em alguns casos em conceder música a alguns toureiros. Talvez até se justificasse a banda ter tocado antes em alguns casos, mas o Campo Pequeno é o Campo Pequeno e há que dar seriedade e solenidade à praça, assim se valorizando mais os triunfos. Tiago Tavares esteve nisso muito bem.
Pecou, quando a mim, por só no último toiro ter concedido a volta ao ganadeiro. Havia merecimento e justificação para isso logo ao segundo toiro da noite, mas o director preferiu consolidar o triunfo da ganadaria no final. António e Manuel Telles atravessaram a arena sob forte ovação, mas depois António saíu de cena e deixou que o protagonismo do triunfo ganadeiro fosse vivido por ser irmão Manuel. Pena que Mestre David não tivesse tido tempo de saborear e desfrutar deste tão grande êxito dos seus toiros na apresentação da ganadaria em Lisboa.
Façam agora justiça ao Duarte!
O Campo Pequeno viveu mais uma noite de emoção depois das duas anteriores com os toiros de Pinto Barreiros e de São Torcato. Depois do desaire de 5 de Julho, tudo entrou por fim nos eixos. A temporada prossegue com a Corrida TVI no dia 24 (uma sexta-feira - e não quinta, como é usual), outra noite “torista” com a presença da ganadaria Murteira Grave.
Duarte Pinto deveria ter saído em ombros e assim consagrar em pleno a sua noite histórica. Teve a porta grande na mão quando o público lhe pediu e o director autorizou a terceira volta. Mas a sua humildade não lhe permitiu aceitar tal honraria. Mesmo assim, para quem o viu tourear como ontem toureou, para nós, ele saíu mais que em ombros. Saíu ontem pela porta da glória que é a definitiva consagração e a geral aclamação de um toureiro que há muito prometia uma noite assim.
Honra lhe seja feita. Olé, Duarte Pinto!
E faço votos para que, em nome da verdade e da justiça, este histórico triunfo lhe tenha valido para alguma coisa. Se é para ficar tudo como estava, então não terá valido a pena. Mas eu acredito na justiça dos homens - e na dos empresários taurinos deste país. O Duarte merece agora tudo. E o público aficionado vai exigi-lo nas grandes praças e nos maiores cartéis. Quem assim toureia, se isto fosse em Espanha, tinha a partir de hoje o mundo na mão. Força, Duarte! E obrigado pela noite de ontem.
Fotos Maria Mil-Homens