sexta-feira, 27 de agosto de 2021

João Moura - ainda e sempre o Primeiro!

Colossal, indescritível e verdadeiramente magistral a lide de João Moura ao quarto toiro da noite ontem no Campo Pequeno, que lhe valeu a apoteótica saída em ombros pela porta grande, depois de ter dado uma volta à arena (como as de antigamente) com o forcado Bissaya Barreto e mais uma sózinho, com o público todo de pé (que esgotou a lotação permitida, pela primeira vez nestes tempos de pandemia) em clima de euforia total. Moura como nos seus melhores tempos. Moura com sempre. E ontem a calar algumas vozes e muitos gritos (na rua), a reafirmar que passem os anos que passarem, é ele quem continua a mandar! E tão cedo não vai aparecer outro Toureiro assim! E o resto são cantigas...

Miguel Alvarenga - Eu sabia e acreditava, não é preciso ser bruxo, que a noite haveria de ser assim. E foi. A noite de glória de João Moura, ainda e sempre, passem os anos que passarem e venham as tempestades que vierem, o eterno "Niño Prodígio" que um dia em Madrid deixou todo o mundo taurino a falar dele. Tinha apenas 16 anos.

Por todas e mais algumas razões, o público recebeu-o na arena de pé, levantaram-se todos como que impelidos por molas, mal o Rei entrou na praça. Estrondosa e emotiva ovação, como que a dizer: é por si, Maestro Moura, que aqui estamos hoje todos! E era mesmo. Por ele, pela sua trajectória de glória, pela sua aplaudida e reconhecida ditadura que não houve ainda revolução nem pseudo-revolucionários capazes de acabar com ela, pelas injúrias (eu agora pintava a cara de vergonha...) de que foi vítima recentemente, mas acima de tudo, pela homenagem que todos devemos (sempre!) à maior figura do toureio a cavalo mundial de todos os tempos.

50 quilos a mais... 50 anos a mais... e sempre na frente, e sempre a aperfeiçoar a perfeição, a tornar fácil o difícil, com um duende, uma maestria e uma sabedoria que continuam a impressionar tudo e todos. Não houve, não há e nunca vai haver outro igual!

De irrepreensível apresentação, os toiros de Veiga Teixeira marcaram pela seriedade e exigência, mas não foram do "outro mundo" como costumam ser e o próprio ganadeiro o terá reconhecido quando no final declinou a ida à arena, chamado pelos Mouras.

O primeiro toiro era reservado e sem grande transmissão - lide brindada ao empresário Pombeiro, aos céus ergueu depois o tricórnio a abraçar Carlinhos Empis e pelos Campinos passou rendendo-lhes também a sua homenagem (com um significado tão especial!). João Moura deu-lhe a lide adequada, cravando bons ferros, bregando e rematando as sortes com o temple que marca a diferença e que fez escola entre todos, dantes ninguém lidava nem toureava assim e foi ele que impôs as regras e abriu a nova página das leis da nobre arte de lidar toiros a cavalo, já lá vão mais de quatro décadas.

No quarto toiro da noite, cuja lide brindou a Paulo e Dita Caetano, depois aos filhos e aos sobrinhos, foi o delírio total e absoluto. Toiro exigente, sério, com mobilidade, a transmitir imenso. Toureiro único, a mandar, a impor a sua arte, a sua sabedoria eterna, a sua maestria inigualável, a provocar aquele impacto de sempre com o público, com a entrega de todos os tempos e a ilusão e a intuição dos primeiros anos.

Aqueles ferros de poder a poder, entrando pelo toiro dentro, cravando com uma emoção que fez explodir a praça, ficarão para sempre nas nossas memórias como a afirmação eterna de um Toureiro que sobreviveu a todas as tempestades, que venceu todos os tsunamis e todos os bombardeamentos e ficou sempre de pé - com aquele ar simples, aquele sorriso meio envergonhado, aqueles olhos húmidos de emoção sentida e vivida. 

O público entrou em delírio e verdadeiro alvoroço. O director de corrida João Cantinho, que foi ontem uma peça fundamental para o sucesso da corrida, permitiu-lhe que fosse dar a volta à arena como as de antigamente (suprimidas nos tempos da pandemia, mas ontem era uma noite de excepção) e Moura deu uma com o forcado Bissaya Barreto e depois outra sózinho e a praça toda em pé a aclamá-lo, a agradecer-lhe, a reconhecer uma carreira como nunca houve outra igual.

João Moura Júnior, que se colocou por seus méritos próprios na dianteira do pelotão nos últimos anos, lidou com o brilhantismo que o caracteriza os dois toiros do seu lote, os mais complicados da noite, mas ontem não explodiu por completo como é costume, esteve mesmo uns pontos abaixo do seu melhor - o que não quer dizer que estivesse mal. Nada disso. Houve momentos e ferros de muito mérito, duas "mourinas" no quinto toiro, brega impecável, segurança e tranquilidade em praça, mas Moura Jr. ontem não esteve como nos seus melhores dias. Faltaram só uma pontinhos...

Miguel Moura, por sua vez, rubricou duas actuações enormes, deslumbrantes mesmo, de grande afirmação. Talvez mesmo as suas melhores lides no Campo Pequeno, em tempo que para ele começa também a ser de consagração. A marcar em definitivo uma posição entre os da frente.

Recebeu os seus dois toiros com duas emotivas sortes de gaiola, seguiu depois em crescendo com ferros de muito boa nota e que o público reconheceu e aplaudiu com entusiasmo. Na brega, nos ladeios, nos remates, evidenciou, como sempre, as inevitáveis influências do poço em bebeu água. Esteve enorme o novo Moura!

Dos valentes forcados e das grandes pegas dos grupos de Santarém e Montemor já aqui falei em pormenor anteriormente. 

Das quadrilhas dos três Mouras impõe-se enaltecer o bem que estiveram todos, sem excesso de intervenções, muito bem a colocar os toiros para os forcados.

Da direcção de João Cantinho importa e é justo realçar que ele foi ontem um dos maiores apoiantes do ambiente de festa - e que festa! - vivido no Campo Pequeno. Direcção acertada e rigorosa, concedendo música só nos momentos exactos, mas sobretudo há que realçar que João Cantinho comungou do espírito que ontem nos unia todos ali naquela praça, rendendo também ele importante homenagem ao Maestro. Bonito o detalhe de o ter deixado dar aquelas duas vibrantes voltas à arena, suprimidas das nossas corridas nestes tempos de pandemia, mas que ontem se justificaram e se impunham - em pleno.

Ao empresário Luis Miguel Pombeiro, os meus parabéns e o meu aplauso. Pela coragem de ter feito esta homenagem, pelas noites em que trabalhou e não dormiu, pelo empenho que pôs, e põe sempre em tudo o que faz, para que esta fosse a grande noite do Campo Pequeno.

Ao início da corrida foi guardado um respeitoso minuto de silêncio em homenagem póstuma a Carlos Empis e Lopes Aleixo. E todos aplaudiram as suas saudosos memórias.

Por fim, uma só palavra aos manifestantes anti-taurinos cuja barulheira, antes da corrida e diante da porta principal, ensurdecedeu e incomodou todos quantos jantavam pacatamente nos restaurantes da praça.

Sempre reconheci, não sou tão primário como isso, o direito que todos têm de ser contra as touradas. O direito a se manifestarem e a protestarem. Nunca me dei muito bem com isto a que chamam democracia, chega a enjoar-me às vezes, mas a realidade é que vivemos em democracia, dizem eles - que também quer dizer respeito pelos outros, pelas ideologias dos outros e pelos gostos dos outros.

Desta vez vieram cerca de 800 manifestantes (costumam ser pouco mais de 20...), porque os trouxeram gratuitamente em autocarros de vários pontos do país. Mas aquela chinfrineira, aquela vontade de tentar intimidar e provocar (dizem-me que chegaram a registar-se alguns pequenos incidente e que até escavacaram uma casa de banho da praça...), nada têm a ver com a dita democracia que eles dizem defender também. Os slogans ordinarinhos e sem nível, a raiva que espumam pela boca, as provocações que nos fazem - demonstram bem a falta de chá que não beberam quando eram mais novinhos.

Admito e respeito adversários. Mas irrita-me gentinha sem educação...

Gritaram, ladraram. Mas a caravana passou e a noite foi de João Moura, o herói que eles contestavam! Ainda e sempre o primeiro!

Fotos M. Alvarenga



Lisboa de pé a aclamar o Rei!