sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Um beijo que chegue aos Céus, Carlinhos!

Miguel Alvarenga - Ainda me faltam as palavras para escrever o que quer que seja. Foi o Maurício Vale que me telefonou esta tarde. "Já sabes do Carlos Empis?". "O que é que se passa com o Carlinhos?". E ele contou-me.

Éramos Amigos à séria. Há tantos anos. Ainda me lembro de o ver tourear a cavalo, depois aquelas cernelhas espectaculares com o Pedro Torres, o tempo em que foi cabo do Grupo de Santarém, as vezes que almoçámos e jantámos juntos, chegou um dia a ir ter comigo a Évora, quando por lá vivi, só porque "tinha saudades" e lhe apetecia estar comigo, e rimos tantos e falámos tanto, lembro-me daquela célebre e tão divertida viagem a Madrid, íamos com o "Chamusca" que era deputado do CDS e muito amigo dele, no tempo em que o Carlinhos apoderava o João Moura, foram tantas histórias, tantas vivências juntas e uma Amizade que perdurou e aumentou sempre com o tempo.

Podíamos estar meses sem nos vermos, chegava o Natal e invariavelmente eu (que sou sempre anti essas coisas natalícias...) recebia sempre um telefonema dele. "Gosto muito de ti, Miguel, mas olha que gosto mesmo muito", dizia. E eu sabia que era verdade.

Quando nos víamos, normalmente nas corridas, era sempre uma festa.

Lembro-me do seu empenho, com o Pedro Torres e outros, na organização das duas inesquecíveis Feiras do Toiro em Santarém, mais recentemente da primorosa organização com que os dois promoveram em Vila Franca o festival de homenagem ao nosso querido Zé Palha, de que o Carlos era inseparável. Lembro-me de tanta coisa e nesta altura não me apetecia lembrar de nada disto pelas razões que me levam a lembrá-las.

O Carlos tinha fortes ligações à Chamusca, seu avô (um dos maiores amigos de sempre do saudoso Dr. Fernando Salgueiro) fora um dos grandes impulsionadores da construção da praça de toiros local (que fez recentemente cem anos) e nos seus princípios o Carlinhos foi destacado cavaleiro amador, fez a prova de praticante em 1974 em Espinho (cartaz em baixo) e chegou mesmo a tourear várias vezes em Moçambique para o empresário Manuel Gonçalves.

Mais tarde entrou para os Forcados Amadores de Santarém, acompanhando de perto os últimos anos de José Manuel Souto Barreiros como cabo, a quem viria a suceder em 17 de Junho de 1979, comandando o grupo até 14 de Junho de 1981, data em que passou o testemunho a Carlos Grave.

Foi também apoderado de vários toureiros. Entre os quais João Moura, Emídio Pinto, João Salgueiro, Vitor Ribeiro, Tomás Pinto e outros. E chegou também a integrar algumas das comissões da Misericórdia que organizavam as corridas na Monumental "Celestino Graça".

Viveu os últimos anos dedicado à agricultura, mas nunca deixou de acompanhar as andanças do mundo tauromáquico, estando sempre presente nas principais praças. Seu filho Francisco (a quem abraço neste momento) foi também forcado do Grupo de Santarém e integra hoje o fantástico grupo que gere a Monumental "Celestino Graça".

Mas além de todas estas facetas que desempenhou - sempre com uma paixão desmedida e uma seriedade e um profissionalismo de meter respeito -, o Carlos foi sobretudo um grande Senhor, um gentleman, um Homem educadíssimo, de uma simpatia extrema, não acredito que houvesse alguém neste mundo dos toiros que não gostasse dele.

Uma das últimas que me lembro dele é fantástica. O meu Pai (de quem também foi muito amigo e a amizade era recíproca) tinha morrido há poucos meses quando um dia o Carlos me telefonou. "Ó Miguel, estou aqui numa esplanada (não me lembro onde) e está aqui um sehnor igualzinho ao teu Pai". Podia ser o meu tio Pedro, que de facto era igual a ele. Desde esse dia, cada vez que encontrava o Carlos, brincava com essa história: "Nunca mais me esqueço que viste o meu Pai depois de ele já ter morrido... fantástico!". E ele ria-se. Agora já devem estar juntos. Deve estar a ser uma festa no Céu.

Gostava mesmo muito de ti, Carlos. Pela tua generosidade, pela tua bondade, pela tua graça, pelos sentimentos e pelos valores que tinhas e respeitavas, pela tua grandeza como ser humano.

Não posso estar mais triste. Mas a vida é isto, Carlinhos. Feita de coisas estúpidas como a morte. 

Em Setembro já não nos vamos encontrar em Santarém. E quando chegar o Natal, bem posso ficar à espera que já não vou receber o teu habitual telefonema a dizeres que gostavas muito de mim e eu de ti.

Um beijo a toda a tua querida Família, aos teus amigos, aos teus companheiros de sempre do mundo dos forcados e dos toiros. Um para ti que chegue aos Céus!

Fotos Emílio de Jesus e Luis Azevedo/Estúdio Z

Na Monumental de Santarém, com Nuno Megre, outra glória
do Grupo de Forcados Amadores de Santarém

Em Dezembro de 1979, no Solar do Vinho do Porto, em 
Lisboa, na cerimónia de apresentação da Tertúlia D. Miguel I,
em que foi premiado o Grupo de Santarém, de que Carlos
Empis era ao tempo cabo. Na foto com D. Duarte de Bragança,
Miguel Alvarenga, João Alarcão e o crítico Hernâni Saragoça
Com Joaquim Pedro Torres, amigos de uma vida. A
famosa dupla das incríveis cernelhas
Na praça de Alcochete, com António Ribeiro Telles e o
Dr. Manuel Passarinho
No Campo Pequeno com Rui Bento, na corrida dos 100 anos
do Grupo de Forcados Amadores de Santarém
Em 2018 no jantar promovido pelo "Farpas" de homenagem ao
Maestro João Moura pelos seus 40 anos de alternativa. Com
Manuel Paim, Rui Salvador e João Pedro Silva
8 de Setembro de 1974 na antiga praça de Espinho:
cartaz do festival em que Carlos Empis prestou provas
para cavaleiro praticante
Junho de 2015 na Monumental de Santarém. Com Joaquim
Pedro Torres e José Lebre, na corrida do centenário dos
Forcados Amadores de Santarém
Tomás Pinto (na foto também seu pai,
Firmino Pinto) foi o último toureiro que
Carlos Empis apoderou (em parceria com
Rafael Vilhais)
14 de Junho de 1981, na Monumental de Santarém, quando se
despediu das arenas e passou o comando do Grupo de Santarém
a Carlos Grave. E em baixo, a crónica de Miguel Alvarenga dessa
corrida publicada no jornal "O Diabo"