terça-feira, 26 de abril de 2022

Alter: triunfo e prémio consagram a importância de se chamar João Moura

Miguel Alvarenga - Foi em ambiente de praça cheia, à cunha até às bandeiras, que se realizou ontem, em dia de sol e calor (depois da tempestade, veio a bonança), a tradicional corrida que há muitos anos se celebra em Alter do Chão no dia 25 de Abril, por ocasião da feira local e não propriamente por causa da "revolução" - e que não se realizava há três anos, em 2019 por chuva e nos últimos dois anos por obra e (des)graça da maldita pandemia, acabando este por ser o 25 de Abril de estreia do dinâmico empresário Américo Rolo, antigo forcado do grupo da terra, que sucedeu aos 25 anos de louvável e empreendedora gestão desta praça por parte de Jorge Carvalho.

O facto de a corrida não se efectuar há três anos e também a circunstância de terem ficado adiados ou cancelados os cinco festejos que estavam agendados para o fim-de-semana, mas sobretudo a atractiva composição do cartel, terão contribuído para a grande enchente verificada ontem na praça de Alter.

Lidaram-se seis exemplares - verdadeiras estampas com idade, peso e trapio, quais toiros de Madrid - da emblemática ganadaria Branco Núncio que muito contribuíram ontem para as emoções que se viveram na arena, com toureiros e forcados a darem o seu melhor frente a toiros que foram exigentes, que pediram contas, que transmitiram e afligiram, elevando bem alto o nome da ganadaria, dignificando e engrandecendo um espectáculo onde o perigo é uma constante.

E foi precisamente com um momento de perigo, uma violenta colhida contra as tábuas, felizmente sem consequências, que João Moura Jr. abriu a corrida de ontem, recompondo-se a seguir e realizando uma lide de entrega e valor com aquele que foi o melhor dos bravos toiros de Branco Núncio - e aquele em que se teria justificado em pleno a chamada do representante da divisa à arena, o que só viria depois a acontecer no quinto da ordem. Moura teve uma actuação de nota alta, mas, a meu ver, algo condicionada pelo susto que apanhou - e todos apanhámos - a abrir a lide.

No quarto da ordem, um Núncio que pediu contas e transmitiu emoção e seriedade, João Moura Jr. abriu finalmente o livro e protagonizou uma lide memorável, reafirmando aquilo que é, na realidade, indesmentível: está a quilómetros de distância do pelotão, é o líder incontestado da nova geração de cavaleiros e o facto de se chamar João Moura continua a marcar a diferença.

Lide de muito esplendor (brindada ao cavaleiro olímpico Rodrigo Torres), levando o público ao rubro, que terminou com duas "mourinas" empolgantes e ainda outra a pedido do público. Apoteose total, premiada depois, com todo o mérito e justiça, com o troféu que leva o nome do saudoso cavaleiro D. José de Athayde e que todos os anos, nesta corrida, distingue a melhor lide a cavalo. Em suma, Moura "à Moura". E quando assim é...

Contudo e apesar da explosão mourista no quarto toiro da tarde, o grande triunfador da primeira parte da corrida fora Marcos Bastinhas, também ele um dos maiores do pelotão da frente e, à semelhança de seu saudoso Pai, o eterno e nunca esquecido Joaquim Bastinhas, um toureiro que tem uma empatia invulgar com o público.

O segundo Núncio tinha mobilidade, mas esperava no momento do ferro, sendo um bom toiro, não foi um toiro que facilitasse. Bastinhas impôs-se, fez jus à arte de grande e ousado lidador que o caracteriza e pôs a carne no assador em ferros temerários de muita verdade e emoção, pisando a linha de fogo - onde a glória se pode confundir com a tragédia. Actuação brilhante e empolgante.

No quinto toiro, outro Núncio sério e exigente, também com mobilidade e alegria nas investidas, Marcos Bastinhas deu tudo de si, "picado" pelo triunfo de Moura no toiro anterior, a demonstrar que mesmo que não ganhasse o prémio, não sairia vencido de uma tarde de grande competição. E não saíu, de maneira alguma. Deu toda a prioridade ao toiro, citou-o de praça a praça e "entrou por ele dentro" em ferros que levantaram o público e criaram o habitual alvoroço nas bancadas sempre que ele está em praça.

Luis Rouxinol Jr. é, não me canso de o dizer, dos cavaleiros novos, aquele que mais depressa atingiu o topo em menos anos de alternativa. É um fenómeno de raça e de valor. Ontem, era a sua primeira corrida da temporada, depois de ter já participado no festival do Redondo.

Não sendo propriamente um toiro mau, o terceiro da ordem foi o mais complicado dos seis. Rouxinol Jr. deu-lhe a volta com a usual desenvoltura, teve música (como os seus companheiros em todas as lides) e chegou ao público, sem contudo ter sido uma lide rotunda pela falta de um oponente à altura.

No sexto e último toiro da corrida, um Núncio nobre e com bravura, Luis Rouxinol Jr. protagonizou uma lide notável, com brega acertada e ferros emotivos, foi pena que o toiro se "apagasse" no final e não permitisse ao brioso cavaleiro fechar com chave de ouro uma corrida tão agradável e que, para ele, foi também de triunfo.

Filipe Núncio, em representação da ganadaria (filho de João Núncio), deu volta à arena no quinto toiro. Como disse antes, não foi propriamente este o "toiro de volta". Tinha sido o primeiro. Ou o quarto. Ou o último, se não se tivesse "apagado" no final da lide. Mas não importa. Importante foi, isso sim, o facto de a ganadaria ter sido contemplada também com uma volta triunfal à arena em tarde em que bem o mereceu.

Os bandarilheiros das três quadrilhas tiveram desempenho apertadíssimo, sem excesso de intervenções, recebendo os toiros com valor e destacando-se também depois na colocação dos mesmos para os forcados. Aplausos para João Ganhão e João Oliveira, João "Belmonte" e Gonçalo Veloso, Manuel dos Santos "Becas" e João Martins.

Nas pegas e como já aqui referi em pormenor, triunfo grande dos Amadores de Montemor, em tarde menos feliz para os Amadores de Alter.

Direcção acertada e competente de Agostinho Borges, que esteve ontem assessorado pelo médico veterinário João Pedro Candeias.

Fotos M. Alvarenga