Miguel Alvarenga - Ontem, o Campo
Pequeno "explodiu" com o espectáculo - porque de um espectáculo se
trata - de Pablo Hermoso de Mendoza. No seu primeiro toiro dera o mote para o
que haveria de ser uma noite diferente - diferente mesmo e em todos os
aspectos. No segundo, foi a loucura total. O público de pé a cada ferro, a cada
recorte, a cada "bonito" que fez. Quase sete mil almas a vibrar, em
euforia, em apoteose, a bater palmas "desalmadamente". O Campo
Pequeno estava cheio - não percebi por que não colocaram o cartaz de
"lotação esgotada". Já o vi na fachada principal em corridas com
menos gente...
Houve toiros? Não, não houve. O que ali
se viu foi uma espécie de "toiros" amestrados, robóticos,
enervantemente inofensivos, alguns deles de ridícula apresentação (isso não se pode perdoar, o resto...) para uma
praça como Lisboa, mais pareciam vaquitas, para não dizer ovelhinhas.
Vamos protestar por isso? Claro que sim,
claro que os "velhos do Restelo", os dos "toureio antigo",
etc. e tal, vão dizer (já ontem diziam) e vão escrever cobras, lagartos - e
outros répteis - àcerca dos "toiros" de Maria Guiomar Cortes de
Moura.
"Toiros" entre aspas, porque
"aquilo" é, na minha modesta opinião, a negação da raça. São bravos?
São mansos? Não serão uma coisa, nem outra. São como se fossem leões ou tigres
sem dentes nem garras. Podem dar uma patada, um encontrão, mas não têm nada a
ver com os tigres e os leões "de verdade". Transmissão, emoção, e outros "ãos" que fazem parte da corrida de toiros são coisas que não existem nestes "animaizinhos de estimação". Servem, estilo "boi
manso", para treinar cavalos. Mas servem para mais: servem para o
espectáculo que Pablo inteligentemente tem montado e com o qual move montanhas,
faz correr milhões, enche praças e dá o seu "show". É mau, não vale?
Então eram estúpidos, ignorantes e
"anti-taurinos" aqueles quase sete mil que eu vi ontem, eufóricos,
levantarem-se, aplaudirem, endoidecerem, com as actuações de Hermoso de
Mendoza? Estavam todos errados e só vão estar certos e falar verdade os cinco
ou seis "cronistas da pesada" que irão escrever mal daquele
"show"? Enforquem-se então esses escribas, porque estão a remar contra
a corrente.
Deve-se dar ordem de prisão, mandar para
o Linhó, o ganadeiro Armando João Moura, representante oficial da ganadaria da
Senhora Sua Mãe, por criar aquele tipo de animais tão bonzinhos, tão
colaborantes, tão inofensivos e tão bonzinhos, sem maldade alguma, que até dão a ideia que isto do toureio é coisa
fácil e acessível a qualquer um?
Claro que não. O Armando João deve
continuar em liberdade. No mundo do cinema, também há filmes de terror, filmes
de amor, filmes de desenhos animados, filmes de suspense, filmes cómicos, etc.
No mundo das touradas, há corridas para todos os gostos - tem que haver, se não
isto era uma monotonia, uma chatice.
Os ferros de "parar corações"
dos Salgueiro pai e filho, os ferros "loucos" de Caetano com o
"Temperamento" (como foi em Montemor), o toureio à antiga de Ribeiro
Telles com os toiros "que batem", os ferros "impossíveis"
do enorme Rui Salvador, o toureio-emoção dos Bastinhas - e muitos mais exemplos
podia dar - fazem parte de "outros filmes". Que não são os de Pablo
Hermoso de Mendoza, Figura por mérito seu, Toureiro que criou um espectáculo
único e que enche praças e move milhões com "toiros" destes como os
de Guiomar Moura, a tal linha Murube, os chamados
"nhoc-nhoc", que alguns não gostam - os de ontem eram, valha a
verdade, demasiado e exageradamente "nhoc's" - mas que são
"próprios" para este tipo de show, único, repito.
Não vale, o público não gosta? Mentira.
Vale - e muito. E o público gosta. Se não, não ia ver. A enchente de ontem no
Campo Pequeno teve muito, teve tudo, a ver com a recente corrida televisionada
da Figueira da Foz, onde Pablo foi tornado ídolo dos portugueses que o não
conheciam ainda. Ontem, muitos dos que foram a Lisboa vê-lo, foram lá por causa da
corrida televisionada da Figueira. Quiseram ver ao vivo o Toureiro que faz
"aquelas coisas únicas aos toiros". Contra factos não há argumentos -
e não podemos deixar de reconhecer isso.
E há ainda uma coisa que é preciso não
esquecer: mesmo sendo a total negação da raça brava, esta espécie de toiros é,
às vezes, complicada. Tem outro genes, sabe-se lá vindo de onde, mas também
batem, também dão "encontrões" - e vimos isso ontem, ou não viram?
Já falarei a seguir de Telles e de
Fernandes. Para já, fica o registo da apoteose de Pablo Hermoso de Mendoza. E
uma certeza. Absoluta. Se no fim da sua segunda actuação o obrigaram a dar três
voltas e meia à arena - obrigaram, mesmo - e mais teria dado, não fosse a hora
tardia e o facto de muitos trabalharem no dia seguinte, se queriam levá-lo em
ombros, se todos - todos mesmo - "expodiram" em constantes ovações, é
ou não é Pablo Hermoso de Mendoza o número-um? Claro que é e claro que os
portugueses voltaram ontem a ser "enxovalhados" e a sair da praça
cabisbaixos, diante de um Toureiro que possui uma quadra de cavalos, uma
equitação, uma doma e uma noção de espectáculos que os nossos, todos juntos,
não têm.
Já fomos bons no toureio a cavalo? Claro
que sim, que já fomos. Mas também já fomos bons navegantes, já descobrimos
mundos nas caravelas e hoje só fazemos travessias de Lisboa a Cacilhas... Os tempos
mudam. O Toureio a Cavalo hoje em dia, por mais indisgestões que isso dê a
muito boa gente, é dos espanhóis. E é, sobretudo, de Pablo Hermoso de Mendoza.
O resto, contem-me o que quiserem, não passam de cançõezitas de embalar. Grande
Pablo!
Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com