quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Dr. Henrique Borges faz balanço de oito anos: "O Campo Pequeno é ainda um projecto em desenvolvimento"



Henrique Borges apareceu poucas vezes sob os holofotes mediáticos da imprensa ao longo dos últimos oito anos do novo Campo Pequeno. Administrador delegado da sociedade que gere todo este imenso projecto, antigo forcado do grupo do Aposento da Moita, é um homem discreto e que não procura o protagonismo. Meio a custo, aceitou o nosso desafio para aqui vir fazer o balanço de sete anos, estamos a viver o oitavo, de actividade da nova praça de toiros e de todo o complexo que a envolve. Reconhece que muita coisa poderia ter sido diferente e também que ainda há muita coisa a fazer. Acredita que o modelo do Campo Pequeno seria útil à tauromaquia se fosse seguido noutras praças de toiros do mundo e foi por isso que no ano passado concorreu à Monumental de Madrid. Preconiza que a tauromaquia e o próprio espectáculo tauromáquico devem ser repensados e integrados no ritmo alucinante de um "click" em que vivem hoje os jovens. Acredita que pode chocar os "velhos do Restelo", mas defende um modelo mais curto e mais económico para a corrida de toiros, com apenas quatro toiros e outras envolventes como o fado e o flamenco. Sentámo-nos no chamado "camarote vip" do Campo Pequeno e falámos ao longo de mais de uma hora. A conversa, lúcida e oportuna, aqui fica. Sete anos depois, o balanço do projecto do Campo Pequeno é positivo. Mas há ainda muitos objectivos a alcançar. Trata-se, diz Henrique Borges, de um projecto "ainda em desenvovimento".


Entrevista de Miguel Alvarenga

- Estamos a viver o oitavo ano do novo Campo Pequeno. Qual é o balanço que se pode fazer, em termos gerais e não apenas tauromáquicos, de todo este grande projecto?
- O projecto do Campo Pequeno é um projecto que ainda está em estado de desenvolvimento, ou seja, é um projecto que ainda não atingiu totalmente a sua maturidade. Naturalmente que nós, hoje em dia e com a experiência resultante da gestão de sete anos, sabemos o que sabemos e haveria muitas coisas que, se tivessemos que fazer de novo, as faríamos de modo diferente. E isso resulta da experiência que nós temos hoje do projecto. É preciso não esquecer que esta praça estava na iminência de ruir e o estado em que se encontra hoje em dia resulta do esforço de duas pessoas, de dois sócios, que se juntaram e meteram mãos à obra. Recordo-me perfeitamente daquele episódio da cidadã americana, atingida aqui à porta da praça por um tijolo que caíu, que foi marcante e que, de certa forma, acabou por dar o pontapé de saída em tudo isto. E se calhar outros episódios aconteceriam se não tivessemos metido mãos à obra. Portanto, foi um resultado de muita teimosia, de muita persistência, de muita paciência e sobretudo de muita coragem. Quanto ao balanço, hoje em dia o Campo Pequeno pode dar-se ao luxo de dizer que tem uma sala verdadeiramente com várias feições, isto é, é como uma mulher que de manhã acorda de uma maneira, à tarde tem uma aparência e à noite ainda tem outra aparência. O Campo Pequeno criou essa faculdade de se poder adaptar, dá para fazer espectáculos tauromáquicos, que são, ao fim e ao cabo, o seu principal objectivo, mas dá também para fazer espectáculos musicais, espectáculos com empresas, tem um centro comercial, tem um estacionamento, isto é um conjunto de várias valências que, todas em conjunto, fazem sentido; se separarmos cada uma delas, se não soubermos gerir isto de forma integrada, as dificuldades começam a aparecer e é preciso ser dito que hoje em dia atingimos estes resultados porque aprendemos a tirar partido da valência de cada uma dessas áreas e, sobretudo, perceber a cumplicidade que essas áreas têm umas em relação às outras. Acredito que hoje em dia haja pessoas que saibam gerir centros comerciais, estacionamentos, espectáculos em separado, mas gerir o conjunto, gerir todo este projecto, é aí que está o segredo da abelha, é aí que começa a tocar de outra maneira. E é esse património que nós temos, repito, fruto da nossa experiência de sete anos à frente de todo este projecto.
- No entanto, a vossa empresa já estava no Campo Pequeno alguns anos antes de todo este projecto arrancar. Alguma vez pensaram que iam deitar mãos a esta imensa obra nesses anos iniciais?
- Tínhamos a noção de que a praça tinha que sofrer uma intervenção para poder continuar a servir de suporte financeiro para a Casa Pia. Não nos podemos esquecer que a montante de tudo isto, acima de tudo isto, temos a Casa Pia, a quem nós devemos todo o respeito e consideração e a quem nós temos obrigação contractual de pagar uma prestação, este é um projecto que tem essa singularidade, não é um projecto que tenha só uma vertente financeira particular, tem uma componente altruista, nós trabalhamos para, de certa maneira, pagar uma prestação à Casa Pia, que permite educar os miúdos que estudam na Casa Pia. Portanto, nunca imaginámos que efectivamente ao fim de sete anos íamos atingir este lugar. Tínhamos alguma expectativa, digamos assim, mas essa expectativa só veio a confirmar-se fruto de um trabalho que foi desenvolvido por todas as pessoas que aqui trabalham, onde me incluo e aqui aproveito para agradecer a todos aqueles que têm dado o seu contributo para que este projecto tenha atingido este patamar. O Campo Pequeno não é um desafio diário, é um desafio horário, vive-se quase hora a hora, as pessoas, aqui, dedicam-se intensamente a este projecto, mas dedicam-se de uma maneira apaixonada, apaixonada nuns momentos e desapaixonada noutros...
- Em termos tauromáquicos, que balanço faz destes sete anos?
- Acho que é um balanço extremamente positivo. Porque, tendo em linha de conta que com o fecho do Campo Pequeno para obras andámos aqui a navegar nuns mares em que não sabíamos bem qual era o rumo que tudo isto ia tomar, tendo-se concluído a obra a tauromaquia ganhou aqui um novo fôlego e o Campo Pequeno também ganhou um novo fôlego. Digamos que a tauromaquia e o Campo Pequeno, em conjunto, ganharam aqui uma nova feição, uma nova força. Daí eu achar que essa força resulta desta intervenção e a tauromaquia, a nível geral, acho que tem que passar por este tipo de atitude. Os clientes do Campo Pequeno, hoje em dia, os que aqui vêm, já não são exclusivamente aqueles que herdaram o gosto, que gostam de toiros por herança, digamos assim, há hoje um novo público que está a vir e isso faz-nos estar muito optimistas quanto ao futuro. Mas atenção, isto é um trabalho de permanente esforço, de permanente exercício, de saber ler os sinais, ter visão e saber o que vem aí, perceber o que é que os jovens querem hoje em dia. Os jovens hoje em dia vivem a vida e o mundo à velocidade de um "click", os miúdos conseguem ver informação na internet e o ritmo a que vivem é diferente do nosso, do meu e do seu, vivem a um ritmo completamente diferentem, alucinante, e o espectáculo tem que saber acompanhar esse ritmo. E as pessoas que dirigem o espectáculo e que estão à frente das tomadas de decisão, têm que perceber isso. O espectáculo tauromáquico tem que ter outro ritmo e apesar de eu acreditar que estamos a captar novos públicos, temos que fazer mais qualquer coisa. Há que repensar a tauromaquia...
- ... e há que repensar o próprio espectáculo, concorda?
- Em absoluto. Há que encurtar o tempo do espectáculo. Porque não fazer espectáculos de quatro toiros, em vez de seis? Pode parecer chocante aquilo que estou a dizer, mas depois vai-se ver que é capaz de fazer sentido. Poderiam lidar-se quatro toiros, montar corridas de dois cavaleiros e ter depois uma outra componente artística a animar o espectáculo, como o fado ou o flamenco.
- Claro que não faltarão os "velhos do Restelo" a criticar se fizerem corridas de quatro toiros...
- Mas o futuro não se faz com os "velhos do Restelo". Também houve muita gente que criticou o Campo Pequeno depois das obras, apesar de não se ter alterado, porque nem fazia sentido, a fachada e a estrutura da praça, mas a verdade é que passaram sete anos e a maioria das pessoas já entenderam que era mesmo necessário fazer-se o que se fez. Mas há mais: o Campo Pequeno e nomeadamente toda esta equipa que aqui trabalha há sete anos neste projecto, criou um modelo que pode ser repetido noutras praças do mundo e eu acho que a tauromaquia tem que seguir o modelo que o Campo Pequeno seguiu, porque senão vejo o caso mal parado.
- Era essa a vossa intenção quando no ano passado concorreram à adjudicação da Monumental de Madrid?
- Eu e o Rui Bento, quando concorremos a Madrid, a nossa perspectiva era poder partilhar a experiência que tínhamos tido qui no Campo Pequeno, porque acreditamos que numa cidade cosmopolita como Madrid, também com muitos jovens, a praça ganharia muito se tivesse este tipo de intervenção. Ora bem, se nós já tínhamos essa experiência, ao tempo, de seis anos e se estávamos disponíveis para a partilhar, acho que Las Ventas e quem lá está poderia tirar vantagens disso. Não foi possível, com muita pena nossa, mas a seguir a tempo vem tempo e quem sabe, pode ser que um dia nós possamos lá estar e ajudar quem lá está a perceber estes sinais, esta necessida de mudar, que não são tão evidentes nesta altura, mas já começam a ser preocupantes.
- 2013 era apontado como o pior ano da crise. Como têm corrido as coisas no Campo Pequeno?
- Digamos que conseguimos ultrapassar as dificuldades que se anunciavam e que se previam. O aumento do IVA foi dramático para nós e para todos aqueles que desenvolvem esta actividade dos espectáculos, acho que o tecido social foi altamente afectado pela necessidade de pagarmos a nossa dívida externa, há que pagar e o Estado e o Governo não têm, por si só, capacidade para pagar e temos que ser nós a pagar, e depois não temos dinheiro para outras coisas. O Campo Pequeno foi também, obviamente, altamente sacrificado com isso. Isto não vai durar sempre, a situação económica do país tende a melhorar, agora é preciso que haja inteligência para perceber que não pode haver saltos lógicos, não pode haver alterações abruptas, porque senão estamos sempre a começar do zero. E o que temos que fazer é aprender com a crise e não voltar a cometer os erros do passado. O Campo Pequeno é o espelho e é a mola da nossa tauromaquia. Cabe-me aqui louvar e enaltecer toda a equipa liderada por Rui Bento, que em sete anos conseguiu colocar o Campo Pequeno no seu lugar. Eu fico muito satisfeito, ao contrário de alguns, quando as outras empresas têm sucesso. Fico muito contente quando a praça da Moita enche, quando a praça de Vila Franca enche, quando outras praçam enchem, porque quanto os outros estão bem, nós também estamos bem.
- Vão continuar a gerir outras praças, como é o caso das da Nazaré, da Figueira da Foz e de Sobral de Monte Agraço e até mesmo vir a concorrer a outras que no próximo ano irão a concurso?
- Em termos de estratégia empresarial, a estratégia está correcta e entendemos que continua a ser justificável. Naturalmente que o Campo Pequeno gere a tauromaquia como um negócio. Isto pode parecer chocante, mas tem que ser mesmo assim. Sem a componente económica, nada funciona. Começando por baixo, se não existir componente económica, os ganadeiros não têm capacidade de criar toiros. Desde o primeiro momento até ao último, a componente económica está sempre presente. Quanto às praças, a nossa ideia é continuar a manter a estratégia, pelo menos nalgumas que nós entendemos que são interessantes e que são importantes para o desenvolvimento da estratégia integrada e global do Campo Pequeno. Por enquanto e relativamente a novas praças, não estamos para aí virados. Dentro do momento que estamos a atravessar, as outras praças que gerimos acabam por gerar uma situação equilibrada para o negócio da empresa e portanto, dentro dessa lógica, vamos continuar a manter as que temos, sem pensar por enquanto em novas praças.
- Em redor da praça, há neste momentos poucas esplanadas, umas acabaram, ainda não existe aqui uma vida nocturna com a "movida" que se desejava e que existe hoje, por exemplo, no Terreiro do Paço. Ainda há objectivos que não foram alcançados nesse aspecto?
- De início sofremos aqui um bocado o efeito da novidade e por isso os operadores que cá estavam desenvolveram as suas próprias esplanadas de uma forma um pouco desordenada. Houve aqui alguma ausência de regras, um período em que houve, digamos assim, uma certa anarquia. Hoje em dia esse período foi ultrapassado, eu acredito que ainda temos que fazer muito mais, aqui e noutras áreas, para poder atrair os jovens ao Campo Pequeno e até outro tipo de público para esta zona da cidade de Lisboa, que eu vejo como uma zona central e de enorme potencial. Nós contamos com a Câmara, como sempre contámos, aliás sem ela não teria sido possível desenvolver este projecto, sendo certo também que gostaríamos que nos vissem também verdadeiramente como uma sala de espectáculos, não queremos ter mais direitos que os outros, queremos ter os mesmos direitos que os outros, mas é uma pena se não tirarmos partido deste espaço, deste jardim, deste edifício que é único, tem a idade que tem e tem que ser acarinhado. E lembro sempre que acima dito tudo está a Casa Pia e que quanto mais o Campo Pequeno estiver de saúde, a Casa Pia também lucra com isso.
- A polémica das "exclusivas" que este ano foram feitas a cinco cavaleiros. De início houve uma tomada de posição do Campo Pequeno que depois se alterou. Foi uma posição que acabou por ser ultrapassada, como aliás se esperava. Foi difícil?
- Foi um tema ultrapassado com bom senso e com equilíbrio. Afirmámos a nossa posição no início do ano, sobretudo por ter a consciência de que se afigurava uma crise em que iríamos ter problemas nesta área, não há muito dinheiro, achámos que as "exclusivas" não eram muito apropriadas no momento. Manifestámos livremente a nossa opinião e depois as pessoas interpretaram como quiseram. Com o decorrer da temporada, nós sentimos a necessidade também de passar a outro nível de entendimento, não podíamos estar permanentemente de costas viradas e o acordo veio de forma natural. Foi conversado com as pessoas que tomaram essa iniciativa, chegámos a um acordo de forma natural e quanto ao assunto nada mais temos a acrescentar. Se for caso disso e se assim entendermos, poderemos dizer mais alguma coisa no final da temporada, mas acho que de momento está tudo claro e está tudo aí à vista para quem o quiser analisar.
- Para terminarmos, o que falta fazer, não apenas em termos tauromáquicos, em todo este projecto do Campo Pequeno?
- Em primeiro lugar, conseguir que este edifício seja um polo de grande atractividade turística. Temos estado demasiado ocupados com a operação cá dentro, mas agora é a altura de começar a vender todo este projecto para fora. Temos tido vários contactos por parte de gente de Espanha que pretende saber como é que nós gerimos e como é que nós explorámos para chegarmos a este patamar. Temos interesse em partilhar esse segredo da abelha, a nossa atitude não é a de nos fecharmos, é a de partilhar. Quantas mais unidades destas existirem, mais a tauromaquia está sólida. Ao fazer este projecto, estamos a criar mais amarras para a tauromaquia. No país vizinho temos que perceber isto e no dia em que Espanha perceber isto, a América do Sul acabará também por entendê-lo. Portanto, isto é aquilo que eu acho que devemos saber: vender mais para fora e conseguir trazer mais turistas em prol do negócio. Especificamente e em particular, temos que pôr o Museu Taurino a andar, é um projecto que tem vindo a ser adiado, mas que este ano é quase um ponto de honra para nós, temos que pô-lo a funcionar para convertê-lo num polo de atracção turística; temos que conseguir que as esplanadas aqui fora sejam um ponto de encontro dos lisboetas e sobretudo dos jovens; gostaria muito que este projecto pudesse ser repetido noutras paragens. Hoje em dia, se tivessemos que comprar este terreno, não sei que valor teria, mas teria certamente um valor muito elevado. Em Espanha, a maioria das praças estão também situadas em zonas da cidade em que o valor imobiliário é muito grande e por isso considero que em muitos casos tem que ser feita também uma intervenção como a que fizemos aqui no Campo Pequeno. Relativamente à nossa equipa, o desafio é diário, temos sempre que ter melhores ideias para que nossos clientes que aqui vêm se sintam satisfeitos e gostem de desfrutar deste espaço.

Fotos D.R.