Momento de pânico na trincheira quando o terceiro toiro da noite pulou as tábuas e quase atingiu dois funcionários da empresa |
Miguel Alvarenga - Pese embora a
repentina sucessão (invulgar) de touradas de gala à antiga portuguesa, uma em
Elvas há duas semanas e outra no próximo domingo nas Caldas, o que, obviamente,
retira apetência ao público (ainda para mais sem dinheiro...) de se deslocar
para presenciar todas elas, e também pelo facto de a de ontem em Lisboa ter
sido transmitida em directo pela RTP, a verdade é que a corrida de encerramento
da temporada no Campo Pequeno teve uma entusiasta presença de espectadores, que
ocuparam mais de três quartos das cadeiras da primeira praça do país - quase
cheia, mas não esgotada, como em anos anteriores.
Antecedido do referido cortejo evocativo
das Touradas Reais, o espectáculo de ontem resultou em cheio, não apenas pela
excelente colaboração dos toiros, mas sobretudo pelo empenho dos toureiros e da
rapaziada da forcadagem. Estavam anunciados seis toiros de Fernandes de Castro,
mas três deles foram substituídos, sem mais explicações, por outros tantos de
Passanha - que desta vez, valha a verdade, não defraudaram e proporcionaram até
uma excelente segunda parte da corrida, em crescendo.
Vitor Ribeiro, que abriu precisamente a
segunda parte (em que se lidaram os três Passanhas), foi considerado, pela maioria dos
cronistas que já expuseram as suas opiniões nos vários sites e blog's taurinos
nacionais e até estrangeiros, o autor da mais emotiva lide da corrida. Na
verdade, o valoroso cavaleiro que este ano tem lutado que nem um leão pela
reconquista do lugar que já foi seu, depois de ter estado uma temporada sem
actuar no seu país, desenvolveu uma lide altamente emotiva, com cites de praça
a praça e reuniões (não tanto ao estribo, como tenho lido na
"concorrência"...) que tiveram um fortíssimo impacto no público. É
verdade que alguns dos ferros foram já cravados a cilhas passadas, mas é também
verdade que os dois últimos foram imponentes e foram, doa a quem doer, os dois
grandes ferros da noite, além de que todos os outros, pelos cites, pela verdade e emoção das reuniões e, repito, pelo impacto que causaram no momento e na praça, tiveram altíssimo som e levantaram o público das bancadas. As reuniões nem sempre foram como os livros ensinam? Mas que importa, se o toureiro empolgou, galvanizou e triunfou? Já surgiram na internet e nomeadamente numa página
"contestatária" da rede social "Facebook", ataques e
contestações ao triunfo de Vitor Ribeiro - mas a verdade, verdadinha, é que ele
existiu. Aconteceu mesmo. E contra factos, não há argumentos. Aliás, a lide de Ribeiro foi a
mais aplaudida da noite até àquele momento. Depois, o colombiano Botero também
deixou o público em alvoroço - mas já lá irei.
Abriu praça João Moura com um toiro de
verdade da ganadaria Fernandes de Castro. Moralizado para a tarde dos seis
toiros, amanhã em Elvas, o Maestro de Monforte desenhou na arena do Campo
Pequeno uma lide a todos os títulos deslumbrante - onde disse que foi, é e vai continuar a ser o
grande Mestre do Toureio a Cavalo. Parecia ele ontem que tinha outra vez 16 anos! Esteve imponente na brega, como é seu
timbre, na cravagem, nos adornos e nos recortes, nos ladeios, na forma com que
mexeu nos toiros - com a sua usual e inigualável maestria. A lide desceu de tom
já nos momentos finais, quando falhou (acontece) aquele que podia ter sido o
grande ferro da noite. Mas Moura emendou o soneto com um arrojado ferro de
palma e terminou em beleza.
Joaquim Bastinhas lidou em segundo lugar
mais um toiro de Castro. À sua maneira, com a sua alegria, com o seu permanente
contágio com o público, levou a aficion lisboeta ao rubro com uma actuação
variada e sem tempos mortos. Terminou com o tradicional par de bandarilhas e
apeou-se já com o público em verdadeiro alvoroço nas bancadas. Igual a si
próprio, como sempre. Diferente de tudo e de todos. Um toureiro de verdade e com "gancho", que mantém inalterável o seu estatuto de primeiríssima figura há trinta anos - e que está para durar, como ontem se viu.
Teve depois Rui Salvador o azar de
"bailar com a mais feia". O terceiro e último toiro de Castro foi o
pior da noite, "não tinha um passe" e ainda por cima parecia ver mal.
Valeu-nos a garra, a experiência e a ousadia eterna do grande cavaleiro de
Tomar. Rui Salvador deu a volta ao oponente, pôs a carne no assador, conseguiu
sacar a faena que o toiro não tinha para dar - todo o público reconheceu o seu
esforçado labor e o aclamou de pé, no final, numa merecida volta à arena. O
único que parece não ter entendido a actuação brilhante de Salvador foi mesmo o
director de corrida Pedro Reinhardt, que lhe recusou a música. Lamentável a
todos os títulos.
Depois de ao intervalo o Real Cube
Tauromáquico Português ter prestado justíssima homenagem, com o descerramento
de uma placa no átrio principal da praça de toiros, aos dois grandes obreiros
da recuperação e renovação do Campo Pequeno - os Drs. Henrique Borges (pai) e Goes
Ferreira - a corrida prosseguiu com uma segunda parte em tom crescente, havendo
que destacar o excelente jogo proporcionado pelos três toiros da ganadaria
Passanha, de louvável apresentação.
Depois de Vitor Ribeiro, sobre cuja
actuação me debrucei no início, toureou Marcos Tenório Bastinhas - e toureou
muito bem, com a garra, a verdade e a emoção (quem sai aos seus...) que têm
pautado a sua carreira e sobretudo as suas triunfais temporadas de 2012 e esta.
O jovem Bastinhas cravou ferros de "parar corações" e terminou a sua
empolgante exibição, também, com um arrojado par de bandarilhas.
O colombiano Jacobo Botero encerrou a
corrida e a temporada lisboeta esperando o toiro à porta dos curros. Aguentou
com valentia a investida e levantou o público com um arriscado ferro comprido.
Depois, abriu o livro e protagonizou uma actuação que foi subindo de tom de
ferro em ferro, galvanizando por completo quem assistia, com enorme entusiasmo,
a esta sua segunda e triunfal participação nesta temporada na arena da capital.
Botero afirmou-se este ano como um verdadeiro caso - veio da Colômbia para
fazer História. E ser parte da História. Disso já ninguém tem dúvidas. Bate aos
pontos muitas das pseudo-figurinhas nacionais. Foi um triunfo importante.
Os forcados - Santarém e Montemor - não
tiveram noite fácil, mas protagonizaram momentos de grande emoção e foram
autores de pegas enormes. A maior delas foi concretizada pelo montemorense
Francisco Borges (que forcado, meu Deus!) ao segundo intento, com decisão e
poderio de bradar aos céus. Pelos escalabitanos, o momento mais emotivo foi
vivido aquando da pega do quinto toiro, por João Torres Vaz Freire, que ficou
inanimado na praça e foi prontamente acudido no local pelos socorristas da Cruz
Vermelha, que o estabilizaram e lhe colocaram um colar ortopédico no pescoço.
Iam a levar a maca para a enfermaria quando um descuido do bandarilheiro
Gonçalo Veloso permitiu que o toiro investisse sobre o grupo. Viveram-se
momentos de pânico e os homens da Cruz Vermelha, num compreensível, mas
inadmissível, instinto de salvação e sobrevivência, largaram pura e
simplesmente a maca, deixando o ferido à mercê do toiro e batendo em retirada.
Vaz Freire recompôs-se, tirou o colar do pescoço e como que ressuscitando,
fez-se de novo ao toiro e pegou-o com incrível valentia e muito bem ajudado
pelos companheiros. Gerou-se uma clima de grande confusão na praça e o antigo
cabo dos Amadores de Santarém, Carlos Grave, como já aqui noticiámos, saltou da
barreira para a trincheira e, ainda "a quente" e certamente revoltado com a atitude de fuga dos homens que transportavam o ferido na maca, agrediu um dos socorristas da C.V., acabando por
sair do recinto acompanhado por dois elementos da PSP que no exterior
procederam à necessária identificação do ex-forcado. Uma cena triste e
lamentável (felizmente dela não se terão apercebido os telespectadores que
acompanhavam a corrida através da RTP), mas que em parte se entende, dada a
adrenalina que o incidente provocou. O agredido, como esta manhã referimos, foi transportado ao Hospital de Santa Maria.
Um breve comentário ao sucedido: não
estiverem bem, obviamente, os socorristas da Cruz Vermelha quando largaram a
maca e deixaram o forcado lesionado à mercê do toiro. Mas na praça e na
trincheira estavam não sei quantos peões de brega e duas formações de forcados
que, perante uma situação de perigo como era a da evacuação de um companheiro
ferido (cuja extensão das lesões sofridas era ainda desconhecido e não nos
podemos esquecer do sucedido a Nuno Mata há um ano naquela mesma arena...), se
estiveram positivamente "nas tintas" para ajudar o bandarilheiro a entreter o toiro e a desviar-lhe a atenção do grupo que transportava a maca com
o forcado lesionado. Lamentavelmente, Gonçalo Veloso foi o único que arcou com
as culpas. Mas estava ali tanta gente e ninguém fez nada...
Bom, voltando à forcadagem: por
Santarém, pegaram também o triunfador João Brito (que horas antes recebera o
Galardão, pela segunda vez, como forcado triunfador da última temporada em
Lisboa) e o valente João Goes. Pelo Grupo de Montemor, foram também caras João
Romão Tavares e o novo cabo António Vacas de Carvalho, este último numa
complicada pega à quarta tentativa.
Direcção demasiado exigente, como
sempre, de Pedro Reinhardt, havendo, como anteriormente referi, a lamentar o
facto de não ter concedido música, mais que merecida, a Rui Salvador.
Critérios...
O toiro de Castro lidado por Salvador e
que foi o pior da noite, teve ainda no final da lide (incrível) forças para
saltar a trincheira e espalhar o pânico entre tábuas. Saltou precisamente no
local em que se encontravam o Relações Públicas da empresa, Paulo Pereira e o
também funcionário da Sociedade Campo Pequeno, César Marques, que ainda sofreu
um arranhão numa perna, mas foi salvo a tempo por Rui Bento, que de imediato o
puxou para dentro do burladero. Podia ter sido bem pior...
Em suma, um fecho de temporada no Campo
Pequeno com alguns incidentes à mistura, mas que no contexto geral foi altamente
positivo e encerrou com chave de ouro uma época que, apesar da apregoada crise,
foi de sucesso - e foi, um ano mais, de referência.
Não perca, ainda hoje, todos os Momentos de Glória da corrida de ontem no Campo Pequeno, pela objectiva do nosso querido Emílio (foto ao lado), bem como as reportagens das cerimónias de entrega dos "Galardões 2012" e do lançamento do cd de fados dos "Marialvas", que decorreram à tarde no Salão Nobre da praça de toiros.
Fotos Fernando Clemente/cortesia www.parartemplarmandar.com e RTP