segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Tarde única em Elvas: olé, olé, João Moura!




Miguel Alvarenga - Glória a João Moura nas alturas e paz na Festa aos homens de boa vontade! Aos outros, os de má vontade, resta-lhe engolir o sapo e reconhecer, se o conseguirem, que tão cedo não vão lograr mandar para casa aquele que há quarenta anos, trinta e cinco dos quais como toureiro de alternativa, tem mandado no toureio a cavalo. Sábado em Elvas, ficou provado, se dúvidas ainda subsistissem, que o trono é dele e dele será até querer. João Moura pode já não ter, e não tem, é natural, a força de bilheteira que tinha em 1979 quando esgotou Santarém na primeira "encerrona" - mas uma coisa é certa: ninguém, ainda, em tempo algum, toureou como ele (ainda!) toureia! E o resto são cantigas. Foram sempre.
Glória a Moura nas alturas e paz na Festa aos homens de boa vontade!
Vamos por partes. Analisando a quente o que se passou no sábado em Elvas, é preciso concluir, sem mais rodeios, que se o Coliseu "Comendador Rondão de Almeida" não esgotou, como se queria e o acontecimento impunha, isso se ficou a dever a João Moura e só a ele. Mas ele sabe. Não preciso aqui lembrá-lo. Na recta final da sua carreira de glória (nem sei bem se será recta final, pelo andar da carruagem vamos tê-lo, graças a Deus, por muitos e bons anos, tal a forma que evidenciou), João Moura - ele e só ele - tem conduzido a sua trajectória de modo quase desastroso, com presenças constantes em praças portáteis e em corridas onde não prestigia a sua figura e, sobretudo, a sua história - que é única e que tem sido diferente de todas as outras.
O resultado - só o de bilheteira, consequente da afluência de público, que no plano artístico só há louvores a fazer - da corrida de sábado em Elvas pode agora, e deve, servir de reflexão ao Maestro para redefinir a continuidade da sua carreira. Impõe-se que toureie dez ou quinze (no máximo) corridas por temporada, elegendo as melhores praças, as melhores datas e os melhores cartéis. Um Toureiro como Moura não pode andar aí por todas as freguesias e em quaisquer cartéis. O Inverno é longo e a redefinição urgente da estratégia vai, certamente, ser delineada. Ele, melhor que ninguém, sabe que assim terá que ser.
A realização de um festival em Beja, de uma outra tourada no Redondo e de uma grande corrida de toiros em Zafra (Espanha), no mesmo dia, não pode servir de justificação para que Elvas não tenha esgotado. O Coliseu registou mais de meia casa - mas não encheu. E tinha que encher. Adiante.
O mais importante, contudo, aconteceu. E era mesmo o que precisava de acontecer: aos que diziam que João Moura estava "acabado", não tinha cavalos para um desafio como este, não ia conseguir, etc. e tal, respondeu o Maestro com a sua garra e com a sua força: estou aqui! E estava mesmo. Igual a si próprio, como se o tempo tivesse voltado atrás, como se tivesse outra vez 16 anos e aquela arena fosse a de Madrid na tarde história e épica do "Ferrolho".
Não foi a corrida de consagração de João Moura - porque não era preciso consagrar nada. Está tudo consagradíssimo. Foi, antes, a corrida de reafirmação de uma certeza, única e indesmentível: o Mestre continua a tratar os toiros por tu e continua a ser único, sem que alguma vez alguém o tenha conseguido igualar. Quase que apetece passar, a partir de agora, a designar por "Moureio" a sua arte. É mesmo. Uns toureiam, ele "moureia". O estilo foi ele que o impôs, a forma foi ele que a decretou, a revolução foi ele que a fez. E quarenta anos depois, não houve ainda golpe de estado algum que a conseguisse deitar abaixo.
João Moura passou no sábado por sete toiros, ao longo da tarde, com uma serenidade, uma calmaria, uma tranquilidade e uma maestria que impressionam. Tudo pareceu fácil, em todos os pormenores houve temple e suavidade, houve técnica e bom gosto. Em sete toiros, falhou um único ferro - e isso diz tudo. É preciso dizer mais?
João Moura teve cavalos para todos os toiros. Imprimiu ritmo e emoção a todas as faenas. Arrepiou em alguns ferros "do outro mundo". Impôs verdade e saber em todos os momentos. Bregou como só ele sabe. Toureou, "moureou", como só ele toureia.
A História da Tauromaquia está escrita por alguns génios como Belmonte, Gallito, Manolete, João Núncio, Mestre Batista e João Moura. Em Elvas, no sábado, o livro abriu-se e todos vimos passagens, únicas, inesquecíveis, da Tauromaquia segundo João Moura. Foi uma tarde de sonho.
Repartiu, na ferragem curta, as lides do quinto e sexto toiros, respectivamente, com seus filhos João e Miguel - que responderam e corresponderam da melhor forma, comprovando que a escola deixa seguidores e que souberam aprender do Pai os bons exemplos e o bom toureio. O toiro-extra, o sétimo (sobrero) foi lidado emotivamente pelos três, com o público de pé, a querer mais e mais.
Se há corridas (tantas) em que ao terceiro toiro já estamos todos fartos (eu que o diga, que faço cada frete...), nesta, pelo contrário, tal o ritmo e a glória que foram tónicas de todas as lides, se mais seis houvesse, mais seis víamos de bom grado. Foi essa a diferença. Foi isso que marcou.
Resumindo e concluindo, mal gerido, bem gerido, magro ou gordo, com dívidas ou sem elas, adorado ou odiado, aplaudido ou criticado, uma coisa é certa e é única: ninguém toureia como ele e a verdade é que Moura está para dar e durar e o resto são cantigas. Ninguém ainda o destronou, apesar das mil e uma tentativas que fizeram. Ninguém ainda conseguiu chegar onde ele chegou, por mais ensaios e mais cópias que por aí tenham existido. Moura é Moura e aos 53 anos continua a ser Moura - doa isso a quem doer. O primeiro.
Foram lidados toiros de Francisco Romão Tenório e de Inácio Ramos. Todos contribuiram, na generalidade e sem comprometer nada nem ninguém, para o sucesso da tarde. Uma curiosidade: os cabrestos e os campinos nunca pisaram a arena, porque nem foi preciso recolher os toiros, todos eles regressaram aos curros "sem oferecer resistência", isto é, por sua livre vontade.
João Moura teve a seu lado um naipe de belíssimos bandarilheiros e uma extraordinária Selecção de Forcados dos melhores grupos - sobre cuja actuação falarei de seguida - bem como uma praça replecta de grandes e bons aficionados, na maioria seguidores seus.
Brindes, houve para todos: à memória do Pai, do Tio e do irmão Benito; à Mãe; aos filhos; a Filipa, sua Mulher; a toda a sua equipa e a todos os seus funcionários; a alguns amigos em particular e também a todos os forcados que integraram a Selecção.
Para o sucesso do espectáculo - que não tenho dúvidas em referenciar desde já como a Corrida do Ano! - contribuiu de forma decisiva a fantástica direcção de corrida levada a cabo por Manuel Gama. O novo director segue a forma de Rogério Jóia, isto é, numa tarde que era de festa, não facilitou, mas ajudou. Toiros houve em que a música tocou logo aos primeiros ferros, premiando muito mais do que aquela lide, mas antes a carreira e o historial de quem estava em praça. Gama primou pelo bom gosto e pela grande aficion - é um dos grandes directores de corrida do momento. Para mim, a revelação de 2013. Parabens!
Feitas as contas, João Moura venceu o desafio - nunca duvidei que o não vencesse. Respondeu, porque isso também estava em casa, aos de má fé, que ainda vive e ainda mexe e, mais que isso, que ainda é o primeiro. E foi bem explícito, como o foi sempre nos trinta e cinco anos que leva de profissionalismo: o resto, meus amigos, são, foram e serão sempre cantigas!
A tarde de sábado em Elvas foi como todas as tardes dos tempos primeiros. Magistral e marcante. Como o João me dizia, já em fim de festa, depois do jantar que se seguiu no Clube de Tiro de Elvas, vamos mas é beber um gin e recordar tempos passados!
Vamos!
Glória a Moura nas alturas e paz na Festa aos homens de boa vontade! A corrida de Elvas foi única e foi marcante. O "Moureio" existe e está para durar. João Moura é, ainda e sempre, único!
Como bem cantou o Manuel da Câmara ao intervalo, o sonho de João Moura permanece. E continua. Olé, olé, João Moura!

Não perca, já a seguir: todas as fotos e todos os pormenores da memorável corrida de sábado em Elvas!

Fotos M. Alvarenga