Os toiros de Sommer d'Andrade foram os grandes protagonistas da corrida de ontem na Monumental de Santarém |
Miguel Alvarenga - Quando os toiros são
toiros de verdade e o espectáculo não fica condicionado por estranhas jogadas
de bastidores (entenda-se, de currais e de sorteios...), como recentemente
aconteceu na corrida do Campo Pequeno (temos um Dossier Explosivo sobre esse caso e essas estranhas ocorrências de quinta-feira passada em Lisboa, para editar
muito em breve!), a arte tauromáquica vive todo o seu esplendor, toda a sua
característica emoção e, acima de tudo, toda a sua verdade - que tão
escamoteada é às vezes.
Ontem, em Santarém, os toiros de José Luis
Sommer d'Andrade estiveram a milímetros de não ser lidados, por obra e
(des)graça da patética entrevista que o ganadeiro deu, na véspera, ao site
"naturales" e onde disparou à direita e à esquerda contra tudo e
todos, mas especialmente contra os cavaleiros tauromáquicos, os empresários e
os críticos taurinos. Os toureiros, à hora do sorteio e como já aqui referimos,
recusaram-se a tourear os toiros de semelhante personagem. Valeu o bom senso de
todos para não inviabilizar a corrida de ontem, sobretudo porque havia muitos
bilhetes vendidos e a Monumental tinha assegurada a presença, nas bancadas, de
cerca de três mil espectadores. Segue-se, ao que se diz, um veto dos toureiros
à ganadaria Sommer. Mas o que hoje aqui importa é o que aconteceu ontem e não o
que vem agora a seguir.
Teria sido lamentável que os toiros não
tivessem sido toureados. E pegados. Porque foram, exceptuando o último,
verdadeiros toiros, daqueles que fazem aficionados, que dão seriedade, emoção e
credibilidade ao espectáculo. Não eram toiros para meninos. Tiveram pela frente
grandes Toureiros e grandes Forcados. A tarde foi emotiva e o público saíu
satisfeito - o que é altamente positivo e deixa enorme ambiente para a segunda
corrida, amanhã, onde se lidará mais um grande curro de toiros da ganadaria
Murteira Grave. No final da lide do quinto, o maioral e o representante da
ganadaria, o popular Zé André, foram aplaudidos na arena. O ganadeiro nem
sequer esteve na praça. Ou se esteve, estava escondido...
No plano artístico, o toureiro mais
aplaudido, ontem, foi Filipe Gonçalves - que teve uma actuação séria e de muito
mérito frente a um toiro que não foi fácil. Está Filipe em plena ascensão e é
já um toureiro afirmado, a caminho da consagração. Depois de ali ter triunfado
com força no ano anterior, repetiu o êxito em Santarém - e com a importante
actuação de ontem talvez tenha calado de uma vez por todas as vozes dos
maldizentes que consideravam não ser ele o cavaleiro indicado para substituir
Salgueiro na próxima corrida de Ventura em Lisboa, em Julho. Filipe Gonçalves
merece por inteiro essa tremenda oportunidade e podem estar certos que não
facilitará a vida ao "furacão" no Campo Pequeno. Ventura que se
cuide, portanto... que a competição promete - e promete muito.
No geral e à excepção de Marcos
Bastinhas, que teve ontem o azar de enfrentar um toiro que via mal, se atravessava
uma barbaridade e não lhe permitiu êxito de espécie alguma, a tarde foi de
triunfo para todos os cavaleiros.
Joaquim Bastinhas exibiu a sua maestria
e a sua (alegre) experiência toureando com valor acrescido um toiro que não
permitia distracções e a que impôs a sua raça e a sua eterna ousadia em sortes
de risco e imenso valor, terminando com o sempre exigido par de bandarilhas e o
habitual salto do cavalo - que ontem Filipe Gonçalves imitou...
Com Rui Salvador falou também a voz da
experiência e a garra de um toureiro que continua, trinta anos depois, no
galarim dos primeiros por obra do seu reconhecido e grande valor, da sua
entrega, da sua vontade e de dar sempre a cara. Ontem, diante de um toiro que
pedia contas, Salvador esteve "à antiga", pôs a carne no assador,
levantou o público das bancadas e aqueceu o ambiente com os seus
característicos ferros de parar corações - os tais impossíveis.
Luis Rouxinol teve ontem em Santarém uma
lide em crescendo. Começou mal, permitindo um violento toque no cavalo e por
pouco ia dando azo a que eu escrevesse que, finalmente, tinha estado mal...
Mas, justiça se lhe faça, a verdade é que Rouxinol não sabe mesmo estar mal.
Veio por aí acima, venceu todos os obstáculos de um toiro que não foi fácil e
terminou em beleza com o habitual par, causando o alvoroço nas bancadas.
Num reino que à partida estava destinado
aos homens, uma Mulher continua a destacar-se. Os anos passam e Sónia Matias
mantém intacta a sua popularidade, a dimensão enorme do seu toureio, da sua
raça, do seu eterno querer. Venceu por seu mérito, deita hoje cartas a qualquer
um e ontem, uma vez mais, foi também e muito justamente triunfadora em
Santarém. Com o cavalo preto, lidou primorosamente e cravou ferros de verdade
em terrenos de compromisso. O público, como sempre, esteve com ela!
Marcos Bastinhas nada pôde fazer diante
do pior toiro da tarde, o único que não serviu. Não via bem, atravessava-se,
não tinha lide possível. O cavaleiro bem se esforçou, mas ao terceiro curto deu
a lide por terminada. Não havia mais nada a fazer.
Pegaram, com garbo e galhardia e muita
emoção à mistura, os forcados de Santarém e os de Alcochete.
O valente Diogo Sepúlveda, cabo dos
Amadores de Santarém, abriu a tarde e deu o exemplo com uma espectacular pega
de caras em que foi muito bem ajudado pelos seus forcados, mas em que se
destacou a sua técnica e a sua raça, mais aquele par de braços de ferro.
Enorme, como sempre! Pelo grupo da terra pegaram ainda - e bem - David Inácio
(à primeira) e João Torres Vaz Freire (à terceira), tendo recolhido à
enfermaria, na primeira tentativa, o forcado José Fialho, que dava ajudas - e
que, segundo sabemos, já se encontra em casa e em recuperação, não tendo
sofrido, felizmente, nenhuma lesão grave.
O valente grupo de Alcochete esteve
ontem uns pontos abaixo do seu melhor. Diogo Timóteo pegou à terceira; o cabo
Vasco Pinto fechou-se à segunda, após violentíssimo derrote e colhida na
primeira tentativa; e Tomás Torre do Valle pegou o último toiro à segunda.
Houve brindes de Bastinhas e Sónia ao
provedor da Santa Casa da Misericórdia, Mário Rebelo; de Luis Rouxinol ao nosso
companheiro Emílio de Jesus, felizmente recuperado e de novo em acção e em
forma; e do grupo de forcados de Santarém aos seus antigos elementos José
Carrilho (também ele a recuperar de terrível "cornada") e Luis Freire
Gameiro, o autor da primeira pega executada em Santarém, há 50 anos, na corrida
de inauguração da Monumental.
Antes da corrida, a Misericórdia prestou
homenagem, num acto que decorreu na praça, a todos os que, de uma forma ou de
outra, contribuiram ao longo dos últimos cinquenta anos, para o engrandecimento
e a valorização da praça de toiros de Santarém, entre os quais os
intervenientes ainda e felizmente vivos, da corrida inaugural em 1964. Presente
a filha do saudoso Celestino Graça. Pena que não tenha havido uma referência ao
saudoso empresário Manuel Gonçalves, que durante muitos anos elevou bem alto a
Monumental de Santarém, esgotando-a, com as suas recordadas corridas da Rádio
Renascença - desta cerimónia levada a cabo pela Santa Casa, publicaremos amanhã
uma desenvolvida reportagem fotográfica de Emílio de Jesus.
Ao intervalo da corrida, foram
descerradas placas nos corredores da praça: uma alusiva ao 50º aniversário
da Monumental, outra ao centenário do grande obreiro da praça, Celestino Graça e duas de homenagem aos bandarilheiros scalabitanos César
Marinho e Pedro Gonçalves, que este ano comemoram, respectivamente, 50 e 25
anos de alternativa.
A corrida foi superiormente dirigida,
como é seu timbre, por Lourenço Luzio, assessorado pelo médico veterinário Dr.
Luis da Cruz.
Já a seguir, não perca: os Momentos de Glória, as pegas uma a uma e as fotos dos Famosos!
Fotos Emílio de
Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com