Melhor fim de festa era mesmo impossível! |
Enchente nas bancadas de Almeirim e o brinde de António Telles a João Moura |
Miguel Alvarenga - Várias vitórias a
assinalar na corrida de ontem na Monumental de Almeirim - todas elas vitórias
da Festa Brava, mas cada uma delas com vencedores que é preciso enaltecer.
Primeiro e depois da polémica que
envolveu um concurso para adjudicação da praça com vários concorrentes e nenhum
vencedor, há que aplaudir a decisão da Santa Casa da Misericórdia, proprietária
da praça, de a explorar directamente, mas com a colaboração do experiente Rui
Bento (gestor taurino de sucesso do Campo Pequeno desde a sua reabertura), confirmando-se
que foi, de facto, uma decisão acertada - e já com frutos dados, a atestar pelo
grande corrida e pela excelente adesão de público que ontem se verificou.
Em segunda lugar e para quem tinha
dúvidas (há sempre quem tenha dúvidas e desconfianças...) de que este cartel
familiar podia mexer numa praça que (ainda) está meio esquecida e meio
queimada, depois de ter sido um baluarte da nossa Tauromaquia nos anos 70 e 80,
mercê da recordada gestão de duas décadas de Carlos Gomes, Manuel João Maurício
e Carlos Ferreira (a célebre comissão também constituída ao tempo pelo
Misericórdia), é preciso reconhecer que os Mouras e os Ribeiro Telles
conseguiram, de facto, contribuir para o início do que se prevê venha a ser a
total e completa recuperação desta praça - que tanto carisma e importância já
teve para todos nós. Apesar das modernices, os Moura e os Telles continuam a
ser primeiros num país e numa Tauromaquia que permanece, por falta de novos
ídolos, vincadamente ligada aos nomes e aos toureiros de antigamente, ainda que
em novas e mais actualizadas versões, caso dos filhos de João Moura e do filho
e neto de Mestre David, que ontem ali nos deliciaram.
A praça apresentava três quartos das
bancadas preenchidos e, mais importante que esse pormenor estatístico, um
ambiente de solenidade e de aficion, próprios de tempos-outros, a lembrar
Almeirim de antigamente.
Impossibilitado de tourear, por se
encontrar ainda a recuperar de um traumatismo craniano sofrido por queda de um
cavalo, há duas semanas, o Maestro João Moura esteve ontem no centro de muitas
e quase todas as atenções. Entrou inicialmente para a trincheira, naquele que
era o seu regresso depois de ter tido alta hospitalar, mas preferiu depois
assistir à corrida numa barreira, a meu lado - onde o vi suspirar, gritar,
sofrer e vibrar enqunto toureavam os seus filhos João (que o foi substituir) e
Miguel, a quem em Julho vai dar a alternativa no Campo Pequeno.
Dando provas do companheirismo e da
solidariedade que são apanágio dos grandes Senhores - e ele é um grande Senhor
e um grande Toureiro - António Ribeiro Telles brindou o primeiro toiro (que
teria cabido em sorte ao Maestro) a João Moura, com palavras de amizade e
respeito. Momentos depois, enquanto decorria a lide, voltou a passar por ali e
disse: "Era um toiro bom para ti... e vai ser também bom para mim!". E foi.
António, ontem, estava encastado. O
primeiro toiro, da ganadaria Vinhas, como os restantes, era bom e com ele o
Maestro da Torrinha rubricou uma actuação plena de bom gosto, de emoção e de
imensa entrega. João Moura aplaudiu de pé.
Seu sobrinho, Manuel Ribeiro Telles
Bastos, lidou o segundo toiro na mesma linha clássica do tio, seu ídolo.
Defensor e praticante do toureio à antiga, Manuel é a excepção à regra entre os
novos intérpretes do chamado "toureio moderno". Toureia tão bem, que
chega a parecer fácil. Esteve ontem, dentro do seu estilo, ao seu melhor nível.
João e Miguel Moura fazem parte de um
outro"filme". São, também eles, os mais fiéis representantes de um
outro estilo, de uma outra forma de interpretar o toureio a cavalo, a forma com
que seu Pai revolucionou toda a arte, impondo novas regras, outros parâmetros e
também outras mentalidades.
Grande triunfador do Concurso de
Ganadarias de Évora, 24 horas antes, João Moura Jr. não repetiu ontem no toiro
a sós o sucesso da véspera, pelo mesmo com a mesma força e o mesmo impacto. Teve "menos toiro" que em Évora, mas nem
por isso defraudou ou deixou de estar, como sempre, muitos pontos acima do
pelotão. Está num ano decisivo, mais moralizado que nunca e decidido a chegar
ao topo. E por isso, continua a marcar a diferença.
Miguel Moura está no momento certo para
ascender à desejada alternativa e se tornar, também ele, um novo ídolo das
arenas nacionais. Teve azar quando o quarto toiro, que lhe cabia, se
incapacitou na arena e foi recolhido, seguindo-se um curto intervalo e lidando
de seguida o "sobrero", que serviu e lhe proporcionou uma meritória e
emotiva actuação, com o público entregue e a torcer por si.
A corrida terminou com a lide a duo dos
dois últimos toiros. Que se pode resumir desta forma: tio e sobrinho Ribeiro
Telles empolgaram pela perfeição e pela conjugação, uma vez mais se destacando
a casta enorme de António, que ontem foi a Almeirim com ganas de vencer e
convencer. Toureiro Grande!
Os manos Moura improvisaram, sem demonstrar
propriamente a mesma sintonia dos Telles, o que não impediu a euforia nas
bancadas e a apoteose na arena. Um verdadeiro mano-a-mano que galvanizou o
público e encheu as medidas a quem gosta de ver tourear bem.
Em suma, um sucesso dos Telles e dos Mouras,
a provar que a fórmula das corridas familiares ainda mexe e ainda enche praças.
Podem fazer mais!
De apresentação irregular, mas
comportamento aceitável, os seis toiros da prestigiada ganadaria Vinhas
contribuiram também para o êxito da corrida, que decorreu com ritmo e a muito
acertada direcção de Francisco Calado, antigo cabo dos Forcados das Caldas.
Pegaram - e pegaram bem! - os forcados
de Vila Franca e da Chamusca. Pelos vilafranquenses, foram à cara Rui Godinho
(à primeira), António Faria (à segunda), filho do antigo cabo Jorge Faria e o
cabo Ricardo Castelo numa emotiva pega em que o toiro fez o pino sobre si.
Pelos da Chamusca, pegas a cargo de
Ricardo Costa (à segunda), Francisco Borges (à primeira) e também do cabo Nuno
Marques (à primeira), que este ano se despede das arenas e fez ali a última
pega da sua carreira na praça da sua terra natal, o que motivou a sua muita
emoção no final.
Além de António Telles, brindaram a João
Moura os forcados de Vila Franca, o seu filho Miguel na lide a sós e ambos na
lide a duo. No final, quando em praça se encontravam já todos os artistas, os
cabos dos dois grupos e o maioral da ganadaria Vinhas, António Telles convidou
João Moura a acompanhá-los na volta do triunfo e a praça levantou-se a aplaudir
com calor. Melhor final de festa era impossível.
Já a seguir: não perca, os Momentos de Glória, os Famosos e as pegas, uma a uma.
Fotos M. Alvarenga