sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Moura e Parreirita: o futuro falou mais alto!

Pedro Reinhardt: a seriedade faz falta para pôr isto na ordem! Lisboa é Lisboa,
não é a Feira Popular! O director de corrida voltou a impôr o respeito e a dignidade
na primeira praça do país
6 cavaleiros, 6 grupos de forcados, Homenagem ao Emigrante, Concurso de
Pegas
... e mesmo assim o Campo Pequeno ficou ontem por metade no que diz
respeito ao respeitável público. Já nada é como era dantes. Esta primeira 5ª feira
de Agosto era a melhor data de Lisboa em tempos que já lá vão... mas os tempos
mudam e, como dizia o sapiente Camões, as vontades também...
Luis Rouxinol chega a ser enervante e a fazer perder a paciência a um santo... Não
sabe estar mal, não é capaz de falhar um ferro, de fazer um cálculo mal feito, de
errar. É sempre tudo bom. Ontem voltou a ser assim! Grande Toureiro!
Sónia Matias não teve sorte com o toiro, complicado e daqueles que descompõem
qualquer toureiro. Mas também lhe faltaram argumentos (cavalos, entenda-se)
para dar a volta por cima...
Gilberto Filipe toureou bem do princípio ao fim. Não teve um falhanço, não fez
nada mal feito. Foi uma lide notável de afirmação, de atitude. Muito bem!
Francisco Palha pode até ter cravado alguns dos melhores ferros da noite - e
não duvido que os cravou. Mas teve uma lide marcada por altos e baixos e a que
faltou um ritmo sempre recto e triunfal. Não deu volta à arena, adiou o que poderia
ser uma noite de afirmação definitiva. É bom, mas...
A noite aqueceu ao quinto toiro com a empolgante actuação de Miguel Moura.
Moura é Moura e o resto foram sempre cantigas, não é?
Tranquilo, firme, com arte, sem tremendismo, Parreirita Cigano chamou ontem
todas as atenções e marcou a diferença no Campo Pequeno. Olé, Toureiro!


Miguel Alvarenga - Esta data de ontem no Campo Pequeno, a primeira quinta-feira de Agosto, foi durante muito anos uma das mais importantes do calendário taurino nacional. Estivessem ou não a banhos no reino dos Algarves, os aficionados interrompiam as férias começadas há dias e faziam-se à capital para assistir, primeiro, à inesquecível Corrida da Imprensa que José Sampaio e Raul Nascimento organizavam anualmente, dando sempre a maior prioridade ao toureio a pé e trazendo a Lisboa as maiores figuras da época, de Ruiz Miguel a “Niño de la Capea”, de Paco Camino a Júlio Robles e tantos mais; depois, à não menos lembrada Corrida da Rádio, uma organização de Virgílio Palma Fialho e do (infelizmente) desaparecido programa “Sol e Toiros” da Antena Um, por onde passaram as maiores vedetas mundiais do toureio a cavalo.
Os tempos mudaram e, como profetizou um dia o grande Camões, as vontades também. A primeira quinta-feira de Agosto já não é o que era e a praça ontem, apesar do apelo aos emigrantes e da presença inédita de seis grupos de forcados a disputar um prémio para a melhor pega, não registou mais de meia entrada. Diversificado e bem rematado, o cartel não sugestionava, diga-se em abono da verdade, uma pessoa a interromper as férias para vir ao Campo Pequeno. Hoje em dia, isso justificar-se-ia se toureasse Pablo Hermoso, se toureasse Ventura, se se tratasse do regresso de Padilla. Doa a quem doer, são eles que levam gente às praças. E por isso, por mais que procurem as justificações que quiserem, não vale muito a pena perderem tempo a tentar tapar o sol com uma peneira… Não temos, lamentavelmente, um novo “niño prodígio” que leve gente às praças. Contentemo-nos com o que temos - que já não é mau.

Rouxinol até enerva, Sónia valente como as armas…

Luis Rouxinol chega a enervar e a dar cabo da vida a um santo. Digo-o sem qualquer intenção negativa, antes pelo contrário. Ele não sabe estar mal, não consegue estar nunca mal. Nunca falha um ferro, nunca leva um toque, nunca cai do cavalo (graças a Deus), nunca vive uma situação de apuros, nunca nada lhe corre mal. E todos os toiros, bons ou maus, são toiros lidáveis e toiros para triunfar. Também raramente traz inovação, limita-se a ser sempre igual, sempre o mesmo, sem tirar, nem pôr. É, em suma, um grande Toureiro. E ontem voltou a sê-lo.
O primeiro toiro de Luis Rocha não era uma pêra doce. O domínio, a experiência e a maestria de Rouxinol deram-lhe a volta e ele fez do toiro o que quis, espremeu tudo o que o animal tinha para dar. Ferros compridos, ferros curtos, brega fantástica, recortes de maravilha, arte, muita arte, um ferro de palmo e o tradicional par de bandarilhas. Público em euforia, primeiro grande triunfo da noite.
Sónia Matias não atravessa o melhor momento no que a cavalos diz respeito. Dá mesmo a impressão que a quadra anda meio presa por arames e que só a grande raça, o imenso querer, o enorme profissionalismo e a muita ousadia e irreverência da “loirinha” permitem ultrapassar este crise. É valente como as armas. Ontem não teve sorte com o toiro, mas também lhe faltaram argumentos para sair por cima. Lide irregular, meio à deriva, lágrimas de “verguenza torera” e… melhores dias hão-de vir.

Grande Gilberto e Palha assim-assim…

Gilberto Filipe é um belíssimo equitador, está bem montado e luta há uns bons vinte anos, com a maior das dignidades, por um lugar ao sol. Toureia muito bem, como ontem vimos, nunca desilude quem nele aposta e já devia estar num posto muito acima daquele que ainda ocupa.
Empolgou pela verdade que imprimiu a todas as sortes, frente a um toiro que não foi fácil, não teve uma falha, deu alegria à lide, foi reconhecido pelo público numa lenta e aplaudida volta à arena. Muito bem. Brindou o seu triunfo a Fernanda Barata Gomes e a Fátima Peseiro.
Francisco Palha dedicou a lide a dois companheiros, Rui Fernandes e João Moura. Alternou o bom com o mau, falhou alguns ferros e houve algum desnorteio próprio de quem vinha decidido a marcar a noite com um triunfo e depois acabou por ficar algo aquém do que programara. Bons cavalos, boa noção de lide, muita vontade, imenso querer, muito risco em  terrenos de compromisso, talvez mesmo alguns dos grandes ferros da corrida, mas a actuação não teve uma linha recta, decorreu aos altos e baixos. Esteve aquilo a que se pode dizer assim-assim. E no Campo Pequeno, para se sair em destaque, é preciso estar-se bem.

Apoteose veio no fim

Apesar do êxito de Rouxinol e da grande e notável actuação de Gilberto Filipe - apenas Sónia e Palha destoaram ontem da tónica triunfal da corrida - foi na recta final que o público aqueceu e se levantou, com maior entusiasmo, para ovacionar e render homenagens aos dois grandes triunfadores da corrida, Miguel Moura e, sobretudo e em especial, o praticante Parreirita Cigano, pupilo de Manuel Jorge de Oliveira e filho do matador de toiros do mesmo nome. A apoteose, as apoteoses, estavam guardadas para os últimos momentos da noite.
Moura é Moura e o resto são cantigas. Corre-lhe nas veias a arte e a maestria “da casa”, ponto final, não há nada a fazer. Será sempre assim e marcará sempre a diferença - como ontem aconteceu. A noite ia meio morna, apesar, repito, do brilhantismo das lides de Rouxinol e Gilberto - até que chegou o Miguel. Cites frontais, de praça a praça, a aguentar e a cravar em terrenos “de aperto”, nem sempre de uma correcção total na forma de cravar, mas a emocionar, a galvanizar e a motivar que o público se levantasse. Foi o primeiro grande momento “quente”, a ferver, desta noite de homenagem aos emigrantes.
O segundo veio no último toiro, talvez o mais agressivo e o que mais perigo trouxe à arena. Parreirita Cigano esteve verdadeiramente empolgante. Toureou com classe e com saber, pôs arte em todos os pormenores, verdade e risco em todos os momentos, cravou com emoção, chegou ao público, deu ontem uma importante e decisiva chamada de atenção, um alerta, tipo como quem diz “não há novos ídolos? Eu estou aqui!”.
Se antes, no ano passado, por exemplo, primava por algum tremendismo e até mesmo algum risco menos consciente na vontade com que arriscava tudo para sair triunfador, ontem Parreirita demonstrou mais maturidade, mais tranquilidade e maior domínio, além de estar bem montado e muito toureado. Temos Toureiro! - que ninguém ouse duvidar.
O futuro falou mais alto. E eles foram os grandes triunfadores da noite - e os que merecem agora, por direito próprio, entrar no cartel da gala à antiga portuguesa que em Outubro encerrará, em directo pela RTP, a temporada do Campo Pequeno.

Forcados: vitória americana

Das actuações dos seis grupos de forcados que ontem encheram a arena - e a trincheira - do Campo Pequeno, já aqui falei mais em detalhe há momentos. A noite foi marcada pela vitória americana. Não houve - nem haveria - simpatia por parte de um júri credível e acima de qualquer suspeita (formado pelo Real Clube Tauromáquico e pelos célebres forcados Simão Comenda e José Manuel Pires da Costa). O Grupo de Turlock foi inteira e indiscutivelmente merecedor do prémio conquistado pela valente pega do futuro cabo George Martins (a quarta da noite).
Palmas também para a valente pega de André Martins, dos Amadores do Ribatejo, à primeira: para a de João Fortunato, cabo de S. Manços, dura e rija, com um par de braços incrível, ao primeiro intento; para a de Francisco Borges, à segunda, dos Amadores da Chamusca; e para a de Dinis Pacheco, do Grupo de Monforte, à primeira.
António Machado, dos Académicos de Elvas, foi um forcado valente e de grande técnica, mas o último toiro era quase impegável - há toiros impegáveis - e a tarefa não foi fácil, concretizando a pega só à quarta.
Destaque, sobretudo na colocação para as pegas, mas também na coadjuvação das lides, para todos os bandarilheiros intervenienets.

Toiros sérios e director de corrida super-sério

Os toiros do Engº Luis Rocha, de apresentação variada e comportamento desigual, não foram toiros para o êxito. Destacaram-se pela agressividade e pela emoção que impuseram, o primeiro e o último, o que teve mais força. Os restantes sairam reservados, sem força e desatentos, apenas fazendo mal aos forcados e procurando sempre descompor os cavaleiros, não por bravura, antes por “mau feitio”… Foram toiros sérios, mas não demasiado comprometedores. Meias emoções e pouca transmissão. Uma corrida subjectiva, que deixou história sem deixar grandes estórias.
Sério, super mesmo, esteve o director de corrida Pedro Reinhardt, assessorado pelo veterinário Dr. Jorge Moreira da Silva. É um “inteligente” de que alguns gostam e muitos odeiam. Eu sou dos que gostam, embora por vezes possa não concordar a cem por cento com tanto radicalismo. Mas ontem Reinhardt esteve muitíssimo bem, acima da média mesmo. Os meus parabéns e as minhas homenagens.
Lisboa é Lisboa, tem demasiada importância e requer tamanho respeito, que só mesmo um director como Pedro Reinhardt tem sido capaz de assegurar e de garantir. Não se pode ter música por dá-cá-aquela-palha. Não se pode dar volta à arena quando não se esteve à altura do prestígio e da dignidade da nossa Catedral do Toureio. O Campo Pequeno não pode ser a Feira Popular das farturas, dos carrocéis, da sardinhas e da montanha russa. O Campo Pequeno é uma praça mítica e cheia de mística.
Pedro Reinhardt esteve ontem muito bem ao não autorizar a volta à arena a Sónia e a Palha e ao forcado elvense António Machado - que esteve valente, que esteve enorme na cara do toiro, mas que só concretizou a pega à quarta. Só podem ser consagrados no Campo Pequeno os que triunfam a sério. E, por isso, se Pedro Reinhardt fosse sempre o director de corrida na primeira praça do país, talvez isto não estivesse como está. Acreditam? Eu acredito! Tenho dito.
Mais nada a registar, a não ser as honrosas presenças do embaixador dos Estados Unidos da América, Robert A. Sherman (a quem os Forcados de Turlock brindaram metade da sua pega, já que a outra metade foi dedicada ao futebolista Marco Caneira e a sua Mulher) e da embaixatriz de Israel, Tzipora Rimon, que ao intervalo se dignaram ir aos bastidores distribuir simpáticos cumprimentos pelos toureiros e forcados. E a presença destas personalidades foi a justificação para o reforço da segurança ontem no Campo Pequeno, que alguns estranharam e outros até podem ter pensado que tivesse a ver com qualquer coisa desta moda estranha de agora de andar nas ruas a apanhar aqueles estúpidos bonequinhos amarelos, os tais Pokémons...

Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com