O famoso touriero brasileiro esta semana à porta do Campo Pequeno - onde fez História e foi História há 40 anos |
40 anos depois, levámos Fernando Guarany ao mesmo local onde em Abril de 1977 esteve quase um mês a exigir uma oportunidade para actuar no Campo Pequeno |
Com chuva ou com sol, em Abril de 1977 Guarany não arredou pé da porta principal do Campo Pequeno |
Público esgotou o Campo Pequeno para ver tourear Guarany, um mês depois da sua vigília à porta da praça, dia e noite, exigindo um contrato para ali actuar. Passam hoje 40 anos |
Há 40 anos, a mais importante revista do Brasil, a "Manchete", esteve em Lisboa para fazer a reportagem da estreia no Campo Pequeno do único toureiro do Brasil |
Guarany na Monumental de Badajoz com Fernando dos Santos e Miguel Alvarenga |
Na Monumental de Albufeira, há poucos anos, brindando ao empresário e antigo matador de toiros Fernando dos Santos, seu grande amigo desde a primeira hora |
Na praça mexicana de San Miguel de Allende, uma das muitas daquele país onde se apresentou, acompanhado pelo seu antigo bandarilheiro Álvaro Catoja |
Guarany com o então presidente brasileiro Lula da Silva, numa recepção na Embaixada do Brasil em Lisboa |
Passam hoje, 29 de Maio, exactamente 40 anos sobre a histórica tarde em que o diestro brasileiro Fernando Guarany esgotou a lotação da praça de toiros do Campo Pequeno para ali se apresentar, depois de ter estado cerca de um mês, dia e noite, em vigília no portão principal da Monumental (inicialmente dentro de um caixão, garantindo que só dali saía "em triunfo ou morto") a pedir essa oportunidade. Quatro décadas depois, o "Farpas" levou Guarany ao mesmo local da sua célebre vigília, o canto direito da entrada principal da praça de toiros de Lisboa.
Há 40 anos, Fernando Guarany apresentou-se à porta da praça dentro de um caixão, vestido de toureiro, com um cartaz onde afirmava só sair dali “morto ou em triunfo”. Era o dia 10 de Abril de 1977, Domingo de Páscoa, dia em que à tarde havia corrida no Campo Pequeno.
"Eu tinha visto um filme de toiros e toureiros no Brasil e desde esse dia que queria também ser toureiro. Vim para Portugal e as oportunidades não eram muitas, por isso fez o que fiz!", conta.
A polícia compareceu no local e deu-lhe voz de prisão, por não ser permitido estar na praça pública dentro de um caixão. “Foi tudo para a esquadra, apreenderam o caixão, que tinha sido um amigo meu que tinha uma funerária quem me emprestou e depois libertaram-me. Uma hora depois, estava de novo à porta do Campo Pequeno, mas já sem o caixão…”, recorda o toureiro.
Ao fim de vinte dias e vinte noites, a empresa mandou-o subir ao escritório e contratou-o por fim para tourear em Lisboa no dia 29 de Maio.
O toureiro brasileiro actuou nessa célebre tarde mano-a-mano com o então também novilheiro Paco Duarte. Lidaram-se sete toiros da ganadaria de Vicente Caldeira e a cavalo tourearam os saudosos Gustavo Zenkl e José Zuquete. Pegaram os Forcados Amadores da Azambuja, então chefiados pelo famoso forcado Francisco Vassalo.
As barreiras de sombra custavam 200 escudos (um euro...), uma contra-barreira valia 180 escudos e por apenas 60 escudos (30 cêntimos...) podia-se assistir ao espectáculo nas galerias do Campo Pequeno. Os jovens até aos 17 anos tinham direito a entrar por 40 escudos (20 cêntimos...).
Fernando Guarany vestiu-se com pompa e circunstância no Hotel Sheraton e cobrou 1.500 contos, "uma fortuna para a época", recorda o diestro brasileiro, que se pode gabar de ter sido, em 125 anos de história da praça de toiros lisboeta (que este ano se assinalam) um dos toureiros que logrou esgotar a lotação do tauródromo.
"As coisas correram bem e a partir daí ganhei muitos mais contratos, cheguei mesmo a tourear mais vezes no Campo Pequeno", lembra Guarany.
Para entrar em praça, exigiu que fosse hasteada a bandeira brasileira ao lado da portuguesa. E porque a empresa de então não permitiria a entrada no sorteio do seu amigo (matador de toiros e empresário) Fernando dos Santos, Guarany exigiu também que lhe fosse atribuída uma senha para a trincheira. "Sem isso e sem a bandeira, recusava-me a actuar", recorda. A empresa fez-lhe as vontades. "Não tiveram outro remédio...", diz o toureiro.
A empresa, ao tempo liderada pelo filho do grande Manuel dos Santos, Dr. Manuel Jorge Diez dos Santos, fez-lhe a vontade. Fernando dos Santos foi para a trincheira acompanhar o debute do amigo e a bandeira do Brasil foi hasteada na praça lado-a-lado com a portuguesa.
Manuel Lopes, António Gregório e António Martins Batata (os dois últimos, já falecidos) compunham a quadrilha de bandarilheiros de Fernando Guarany. O moço de espadas era o histórico Vidal Patrício, também já falecido, que desempenhava idênticas funções na quadrilha do famoso matador espanhol Paco Camino sempre que este actuava em Portugal.
António Silva, igualmente já falecido e que Guarany recorda como “um homem das Arábias”, tinha sido ele o promotor da vigília do toureiro à porta do Campo Pequeno e fora também ele quem anos antes ali pusera, em semelhante reivindicação para actuar naquela arena o famoso “Muleta Negra”, era o seu apoderado. Um ano mais tarde, haveria de promover também uma aventura semelhante a outro toureiro, Paco Duarte, levando-o a estar vários dias à porta da Monumental de Madrid a pedir uma oportunidade (que acabou por lhe ser dada) para ali tourear.
O sucesso da corrida, passam hoje 40 anos, foi a seguir comemorado num jantar no velho restaurante "Monumental", ao Saldanha. "Reservei a sala e convidei os meus amigos", lembra Fernando Guarany. Na tarde de 29 de Maio de 1977, do Brasil vieram equipas de reportagem da revista "Manchete" e da TV Globo. E o triunfo de Guarany teve destaque em toda a imprensa portuguesa, como, aliás, já tivera a sua permanência à porta da praça de toiros.
Com o cachet da corrida, o toureiro brasileiro comprou um bar, o Bar “Guarany”, que durante alguns anos foi santuário de muitos aficionados e que se situava em São Sebastião da Pedreira, mesmo junto ao quartel.
Quatro décadas depois, o “Farpas” levou Fernando Guarany ao Campo Pequeno e fotografou-o no mesmíssimo canto direito da porta principal onde na Páscoa desse ano de 1977 se colocara vestido de toureiro dentro de um caixão a pedir uma oportunidade para ali tourear.
“Se fosse hoje e se tivesse a mesma ilusão e as mesmas ganas de ser toureiro, faria exactamente o mesmo. Na altura, a minha aventura deu brado e todos os dias havia verdadeiras romarias de gente para me ver na porta do Campo Pequeno. Uns levavam comida, outros iam só para me dar alento, o público foi fantástico. Os jornais e a televisão também deram larga cobertura!”, recorda o toureiro.
“Ainda hoje estou grato e reconhecido a todos os que me apoiaram e tudo o que tenho devo-o aos toiros!”, afirma Fernando Guarany quatro décadas depois da tarde em que o público aficionado esgotou a lotação da praça do Campo Pequeno para o ver actuar.
Fotos D.R.