sexta-feira, 6 de julho de 2018

Assim não vale a pena trazer "figurões" ao Campo Pequeno...

Novilhitos insignificantes e que ainda por cima não investiram nem chegaram
nunca a romper (fotos de baixo) deitaram por terra a imensa expectativa com
que o público quase encheu ontem o Campo Pequeno. O melhor da noite
foi depois a festa na "Primorosa" (foto de cima), onde todos, até os toureiros,
afogaram as mágoas nuns belos copos pela noite dentro...

Muita expectativa, um cartel-estrela, dois figurões do toureio mundial e depois uns novilhotes insignificantes e que não investiam. De novilho para novilho, o pessoal foi-se enervando e no sexto, já farto de comer gato por lebre, explodiu. É compreensível, é legítimo e era de esperar. Bronca monumental. O que aconteceu ontem no Campo Pequeno não podia, não devia, ter acontecido. Foi mau de mais. E andava a malta tão preocupada com o projecto de lei que ameaçava acabar com as touradas... Em lugar de terem ido fazer folclore esta manhã para as galerias do Parlamento, mais valia que tivessem ido manifestar-se à porta do Campo Pequeno e pedir contas pela triste vergonha de ontem à noite... 

Miguel Alvarenga - Foi mau demais o que se passou ontem no Campo Pequeno. Chega a parecer impossível e a não ter sentido nenhum que andassem os ditos aficionados tão preocupados em ir esta manhã ao Parlamento (onde, como era de prever, "no pasó nada" e o projecto de lei para acabar com as touradas voltou a ser só fogo de vista...) e continuem depois sem admitir que bem mais perigosos e ameaçadores que os anti-taurinos... são os próprios taurinos.
O que aconteceu ontem no Campo Pequeno não podia ter acontecido. E podia ter sido evitado. Havia um ambiente enorme, enorme mesmo, a praça quase encheu, era o cartel-estrela da temporada "torista", não é todos os dias que se vêem numa mesma corrida dois monstros sagrados como Morante e Manzanares. A expectativa era muita. Era toda. E depois...
Os novilhos de Paulo Caetano, ganadaria que até costuma investir e ser sinónimo de êxito, ontem não investiram. E pior que isso: foram sendo cada vez mais pequenotes e insignificantes de novilho para novilho. Até que o último, para Manzanares, levou à explosão do público e originou uma das maiores broncas de que há memória na primeira praça do país. Era esperado que assim acontecesse. O público foi-se enervando de novilho para novilho e no fim, já farto de comer gato por lebre, ia deitando a praça abaixo.
A empresa teve o cuidado de procurar emendar o escândalo e anunciou que ia ser lidado o sobrero pelos dois matadores. Com um bocadinho mais de apresentação, o novilho saíu e os protestos calaram-se. Morante e Manzanares alternaram em bonitos quites de capote e Morante deu depois um ar da sua graça e uns borrifos do seu imenso perfume com a muleta. Manzanares já não interviu e ninguém entendeu porquê...
Nos novilhos anteriores, os dois tinham-se esforçado, mas os oponentes não investiam com clareza e nunca chegaram a romper. Houve mais toureiros que novilhos. Ficaram apontamentos da arte que ambos levam na alma, mas nenhum deu volta à arena e o que se viu foi muito pouco - ou nada - para o que se esperava...

Lembrem-se disto que vos digo...

Agora é importante que se esclareça e já o escrevi aqui inúmeras vezes: toda a vida se lidaram a pé novilhos de três anos e nunca, outrora, as pessoas protestavam. Os grandes triunfos de Camino, de Ordoñez, do famoso "El Cordobés", de "Paquirri", de Dámaso González, de "Niño de la Capea", de Ruiz Miguel, de Paco Ojeda e de tantos mais, aconteceram no Campo Pequeno, nos anos 60, 70 e ainda nos 80, com novilhos de três anos. Cabral Ascensão era, ao tempo, a ganadaria eleita pelas primeiras figuras. E isto, para já não falar dos triunfos históricos de Núncio, de Batista, de Veiga, de Domecq e de todos os cavaleiros desse tempo, que eram protagonizados com toiros de 420, 430 quilos. Nunca esteve em causa, como está hoje, o tamanho dos toiros.
Só mais tarde é que se começou a cultivar - e a exigir - a presença de toiros "com mais de 500 quilos". E era tal a novidade que isso vinha escrito nos cartazes em letras maiores que os nomes dos próprios toureiros.
Mas mudam-se os tempos e mudam-se as vontades, como dizia o grande Camões, que era um homem lúcido e de grande sabedoria. Hoje não estamos já nos anos 60 e 70. E hoje já não há também aficionados conhecedores como havia antigamente. Há, antes, espectadores exigentes. E há toiros com 600 e quase 700 quilos, o que não tem sentido algum e tem ainda muito menos a ver com a morfologia do toiro bravo. Criam-se bisontes para, dizem, "criar emoção" e atirar os forcados pelo ar...
Se têm investido como costumam investir, os novilhos de Paulo Caetano tinham dado uma noite de êxito e o público acabava por nem ligar à sua pequena corpolência. Mas isso não aconteceu. E o pessoal foi-se enervando à medida que as coisas aconteciam, até explodir de vez e dar a bronca que deu. A oferta do sobrero acalmou as hostes e os profundos muletazos de Morante trouxeram por fim alguma serenidade às pessoas. Mas...

O ambiente era enorme
e o público estava ansioso
por ver tourear, mas depois...

O público estava ansioso por ver tourear bem. Viu-se isso, da forma como explodia a cada lance de capote, a cada muletazo de arte de Morante e de Manzanares. A presença num camarote do grande Curro Romero (homenageado ao início da corrida) era também um aliciante motivador do grande ambiente que se vivia ontem na praça. Mas aconteceu tudo ao contrário.
A empresa, o ganadeiro, os matadores (cujos vedores vieram mais que uma vez avaliar os novilhos), o vedor de toiros do Campo Pequeno, o director de corrida e o médico veterinário - têm todos culpas no cartório pelo que aconteceu. O sobrero, repito, amainou os ânimos, mas a verdade é que se a corrida se tem ficado por aquele sexto novilho, corria-se seriamente o risco de ter deixado em causa a temporada "torista" do Campo Pequeno. Há que repartir agora responsabilidades, há que reflectir e há que emendar o erro. Os erros. Mas de uma coisa eu tenho a certeza: uma vergonha como a de ontem é inaceitável e o público, que é quem paga (e paga caro) tem todo o direito e toda a legitimidade de se revoltar, de protestar e de dar a bronca enorme que deu ontem. Foi mau, péssimo, para a Festa e péssimo para o Campo Pequeno.
Também sabemos e é importante que se lembre isso, que as figuras de Espanha para virem a Portugal exigem condições especiais pelo facto de os toiros, aqui, não serem picados. Mas nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Se é para virem assim, com novilhotes destes, se calhar é preferível não virem. Ou que venham então a praças secundárias. Mas não à primeira do país. Acaba por ser preso por ter cão e preso por o não ter. Cria-se uma expectativa imensa, anuncia-se um "corridão" destes e depois a decepção é maior do que seria se o cartel fosse outro, mais banal, sem figurões da craveira de Morante e de Manzanares.

E Telles salvou a noite!

No meio de toda esta trapalhada, destacou-se João Ribeiro Telles. O primeiro toiro, eram os dois da ganadaria da casa (Ribeiro Telles) foi cómodo e murubezinho, mas o cavaleiro atravessa um momento alto (altíssimo) e deu a volta, agradando, triunfando. O quarto toiro da noite era mais agressivo, tinha mais transmissão e João Telles imprimiu também uma maior emoção à lide, acabando por salvar a noite. Sobretudo face à quase apática noite de Morante e Manzanares, João Telles sobressaiu, não se pode dizer propriamente que foi o único que teve olho em terra de cegos, porque isso iria denegrir o seu imenso valor, mas o público ontem queria ver tourear e como pouco viu aos matadores, deu muito maior importância ao triunfo do cavaleiro. João Ribeiro Telles está num momento grande, bem montado, moralizado e é um triunfador nato. Ontem, foi dele a noite. O resto foram cantigas. E quase sempre mal cantadas, ainda por cima...
Os Forcados Amadores do Aposento da Chamusca brilharam no primeiro toiro, com uma grande pega de João Rui Salgueiro. No quarto, Francisco Andrade enfrentou por três vezes os derrotes brutais do toiro de Ribeiro Telles e só pegou à quarta.
Manuel Gama foi um acertado director de corrida numa noite que não foi fácil.
Enfim, a corrida valeu sobretudo pela animadíssima festa que se seguiu no histórica discoteca "Primorosa de Alvalade". Ninguém se embebedou, mas todos acabaram por afogar as mágoas nuns belos copos pela noite dentro. Até os toureiros. E o que lá vai, lá vai, não se fala mais nisso, pronto.

Mais logo, todas as fotos de Emílio de Jesus e Maria João Mil-Homens.

Fotos D.R. e Catarina Bexiga/@Falar de Toiros/Facebook