João Moura Jr. rende homenagem ao cavalo Xeque-Mate num emotivo e sentido texto publicado na sua página do Facebook e que ilustra num cartaz de agradecimento ao companheiro de mais de 10 anos com uma foto de Miguel Alvarenga captada no passado dia 16 de Junho em Santarém. O cavaleiro confessa que a noite de sábado em Coruche foi a pior da sua carreira
Os titãs também caem
Queridos amigos e aficionados, não podia deixar de vos dar umas palavras depois de tudo o que se passou na corrida de toiros de Coruche, corrida que se esperava bonita e cheia de emoções.
Como sabem, na lide do meu único toiro, o sexto da noite e da ganadaria São Torcado, montado no Xeque-Mate fomos, violentamente, colhidos e derrubados, deixando-nos à mercê do toiro. Como também sabem, o Xeque-Mate fez uma fractura exposta na pata direita. As hipóteses caíam sobre o mais difícil e seguiram-se as recomendações do médico veterinário, de maneira a eliminar o seu sofrimento e assim garantir o seu bem estar.
Como resultado da queda, fiz um corte interno e externo no lábio inferior e uma forte pancada na cabeça que me deixou atordoado, tendo sido levado para a enfermaria onde levei oito pontos e, seguidamente, transportado para o Hospital de Santarém, onde fiz um Raio X para se descartaram as hipóteses de possíveis fracturas.
Na verdade, são sequelas das quais recuperarei, em poucos dias, se Deus quiser. Neste momento, as piores feridas estão por dentro.
A noite de Coruche foi a pior, vivida em toda a minha carreira enquanto cavaleiro, enquanto Homem, enquanto amante dos animais e, sobretudo, enquanto fiel amigo dos meus cavalos.
Perdi um companheiro com que trabalho há quase 10 anos, todos os dias, e com o qual criei fortes laços e sentimentos que sei que eram mútuos.
Quando o Xeque-Mate chegou a minha casa, ainda na Quinta de Santo António, um poldro ruço, anglo-luso, precisei de pouco tempo para saber que ia ser um bom cavalo de toureio.
Ainda assim, jamais imaginei que seria o cavalo sonhado, tal como foi.
A sua doma não foi fácil, pois corria-lhe muito sangue naquelas veias. Não me esqueço de uma tarde em que saímos para o campo. Havia trovoadas de verão, fortes relâmpagos. Depois de um par de horas de trabalho e para não nos molharmos, resguardámos-nos debaixo de uma azinheira durante uns minutos até que a chuva parasse. Assim que parou saímos debaixo da azinheira e o Xeque saiu às cangochas comigo durante dois largos minutos, nem sei como não me derrubou.
Quando começou a tourear comigo, ainda jovem e no “tércio” de saída, era aquele cavalo que ao entrar em praça dava um suspiro forte e sentido… como se estivesse a dizer, “estou pronto! Vamos a todas!”.
Com o passar do tempo, foi revelando o seu carácter tão próprio. Era o primeiro que relinchava quando via entrar um saco de plástico nas quadras, pois quase sempre vinham cheios de cenouras.
Nunca deu importância às vacas nos treinos, devia achar que era pouco para ele e na verdade.... até eram! Chegava a fazer-me pensar que não estava preparado para as corridas, contudo nunca me falhou.
Era um cavalo inquieto, com o seu tique tão próprio. O lábio superior não parava. Desde que entrava em praça até que saia, mas era tão profissional, que quem não o conhecia nem dava por isso.
Tinha toda a força que queria, e ainda mais. Era um cavalo com tanta personalidade que só lhe faltava falar.
Era frio no seu trabalho, mas quente quando puxavam por ele. Tinha um poder de concentração como poucos.
Não podem imaginar o orgulho que sinto ao saber que fui eu que o domei e que o pus a tourear, pois sou totalmente consciente, que um cavalo como ele existe 1 em 1 milhão, e tenho a certeza que existem poucos aficionados e companheiros que possam dizer o contrário.
Juntos corremos, quase todas as praças de Portugal, de Espanha e de França, as praças mais importantes do mundo, os dois, mano a mano…
Tal como todos os bons guerreiros, o Xeque-Mate, quase sempre estava guardado para o toiro mais complicado, tinha um poder de superação enorme. Fazia do difícil parecer fácil, tivemos tantas e tantas tardes complicadas...
Com ele sentia-me seguro, mesmo que não toureasse com ele, apenas saber que estava ali para mim, transmitia-me tranquilidade, era o meu seguro de vida. Aquele que nunca me falhava e que dava a cara até ao fim, sem nunca me desiludir.
Posso dizer, que não só fui eu que lhe ensinei tudo o que ele mostrava dentro de praça, mas ele também me ensinou muitíssimas coisas: como tourear devagar, ser templado, não ser bruto com as pernas, a ter a mão leve e tourear à “su aire”... Enfim, assim escrito parece pouco e fácil, mas creio que estas são as bases para se criar um conjunto entre cavalo e cavaleiro fluído, isto é: criar uma ligação entre mim e ele que nos fazia um só.
Não podia terminar este texto em tom de desabafo, sem agradecer em primeiro lugar, à pessoa que tornou possível a criação deste binómio, o meu tio Francisco Romão Tenório. Obrigado Tio Chico, sei que partilha este grande pesar comigo, juntos vamos fazer de tudo para voltar a encontrar um cavalo parecido ao nosso grande Xeque.
Em segundo lugar, a todos aqueles que passaram a noite comigo. Equipa médica, cavaleiros, amigos, quadrilha e forcados ali presentes, que nos ajudaram a facilitar os últimos momentos do Xeque-Mate.
Por fim, deixar uma palavra amiga e de ânimo aos meus companheiros de cartel que, no sábado, tiveram também uma noite menos feliz. Ana, uma rápida recuperação, estes incidentes só acontecem a quem vive isto de verdade.
Aos valentes forcados que também se magoaram, desejo-vos as rápidas melhoras. Rapidamente, estaremos juntos nas praças a compartir cartel!
Termino agradecendo a todos aqueles que durante estes dias me têm enviado as mais simpáticas mensagens, aos que têm ligado e aos que cá por casa têm passado. Sem vocês tudo seria mais difícil.
Meu querido Xeque-Mate, os grandes merecem grandes homenagens, contigo levas uma parte muito importante de mim.
Como também levou o Belmonte, quando nos deixou.
Dois cavalos que marcaram a minha carreira e a minha vida.
Obrigado!
João Moura Jr.
Fotos M. Alvarenga