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Génio. Toureiro. E tudo o mais. António Ribeiro Telles foi ontem na "Palha Blanco" um compêndio da arte de bem tourear |
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Francisco Palha: actuação enorme no segundo toiro da terde, lide muito séria no quinto. Não quis dar volta à arena - mas merecia-a |
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António João Ferreira: duas faenas de um mérito sem fim |
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Três grandes bandarilheiros ontem em Vila Franca: Tiago Santos, João Oliveira e João Ferreira. Quadrilha Maravilha de António João Ferreira (foto de baixo). Como nos tempos antigos |

A Festa de Toiros precisa de emoção. O risco foi toda a vida a sua essência. As corridas "descafaeinadas" andavam a dar cabo disto. Chegou a hora de devolver a verdade. E pôr tudo em seu lugar. Por mais dolorosa e mais triste que seja, a tragédia de sábado em Coruche fazia falta. Não fosse as pessoas pensarem que isto era uma coisa doce e sem perigo. E ontem em Vila Franca voltou a estar patente o terror. Seis toiros muito sérioa e exigentes de São Torcato, dos que causam calafrios ao público e aos toureiros. Isto faz falta
Miguel Alvarenga - Qualquer dia acabavam por ter razão, não tenho medo nenhum de o dizer, os que nos acusam de "bárbaros" e de andar a "torturar os animais". Fazia falta demonstrar que a Festa de Toiros também tem um lado trágico. Por mais que nas redes sociais os "antiquados" continuem a reprovar a publicidade que se deu na imprensa à noite trágica de sábado em Coruche. E porquê? Manolete morreu nos cornos de um toiro. José Falcão, "Paquirri", "El Yiyo", Joaquim José Correia e tantos outros morreram, infelizmente, nos cornos de toiros. Isso ignora-se, isso apaga-se, para não "dar armas", como defendem os retrógados, aos anti-taurinos? Mas se aconteceu, faz-se o quê? Não se noticia? Não é notícia? Esquece-se? As memórias - e os factos - não se apagam.
Um cavalo de João Moura Júnior morreu em Coruche, o próprio cavaleiro e também Ana Batista foram vítimas de brutais colhidas e assistidos no hospital. Dois forcados foram retirados inanimados da arena. Ignora-se para não "dar armas" aos anti-taurinos?
Quero aqui felicitar o fotógrafo João Dinis pelas imagens da tragédia de Coruche. Eu teria feito igual. Ou melhor. Jornalistacamente, foi um furo. Devia ele ter apagado as fotos? Não as devia ter fornecido aos jornais e às televisões? Eu teria feito igual. Ou melhor. Sou aficionado, sim (já fui mais), mas antes disso sou jornalista. Parabéns, João Dinis. Pelo brilharete. E deixa-os falar...
Tudo isto a propósito da corrida de ontem em Vila Franca. Praça cheia. Um triunfo da Festa e do empresário Rui Levesinho. E um triunfo deveras importante dos toiros, dos toureiros e dos forcados.
Toiros da ganadaria São Torcato, de Joaquim Alves de Andrade, a mesma divisa da noite de terror da véspera em Coruche. Muita expectativa, por isso. E altamente justificada.
Toiros sérios, bem apresentados, exigentes, quase em hastes limpas os lidados a pé, toiros a pedir contas, a exigir o bilhete de identidade, cheios de sentido, pouco claros de investidas, mas perigosos, a deixar o público pendente. São toiros destes que fazem da Festa um espectácuo diferente. E único.
Resumo da corrida? Fácil e simples.
António Ribeiro Telles não é um toureiro. É o toureiro. É um génio e até uma porta gaiola fez como os miúdos, como se fosse preciso provar a algém que também era capaz de a fazer. Tem vinte anos outra vez, toureia qualquer toiro com a maestria, a classe, a arte e a ousadia com que ontem toureou - e ensinou todos - os São Torcato. Complicados, difíceis, duros, a transmitir emoção e verdade. E o António a transmitir serenidade, tranquilidade, solidez e um poderio e um sentimento que bradam aos céus e a tudo o mais. Maestria pura, duas actuações de verdadeira assombro, duas voltas à arena no segundo toiro e a saída aos ombros ficou esquecida. Mas merecia.
Francisco Palha já não precisa de fazer sempre portas gaiolas, já não tem nada que provar a ninguém. É um toureirão. Enorme no segundo toiro da tarde, enorme também no quinto, complicadíssimo e que ele lidou como os heróis. Houve altos e baixos, mais altos que baixos, mas no fim recusou a volta à arena. Que tinha que ter dado - porque era mais que merecida. Pisou a linha de fogo, é um toureiro consolidado e consagrado, só precisa de ter mais amor próprio e mais confiança em si. Ontem esteve , repito, enorme. E ganhou de vez o estatuto de "toureiro de Vila Franca". Onde o público aclama a diferença. E ele faz sempre a diferença.
António João Ferreira enfrentou dois toiros difíceis e praticamente em hastes limpas. Foram duas faenas de um mérito sem fim. Tirou água onde não a havia no seu primeiro toiro, desenhou uma faena de valor imenso no último, porfiando, arrimando-se, dando o corpo ao manifesto. Arte, valor e maestria de um toureiro que merecia muito maior projecção e já devia ter ido a Madrid confirmar a alternativa. Sou um admirador do António João, tiro-lhe o meu chapéu. É preciso muita raça e muito valor para fazer tudo o que ele fez ontem.
Aplaudo de pé os seus portentosos bandarilheiros. Tiago Santos desmonterou-se no primeiro toiro, João Oliveira deveria ter tido as mesmas honrarias, mas foi esquecido. João Ferreira esteve magistral no sexto toiro. Está sempre. É o melhor bandarilheiro do momento.
Grandes pegas (já aqui referidas em pormenor) dos Amadores de Vila Franca, em mais uma tarde de glória imensa para o grupo, por internédio de David Moreira, Pedro Silva, Rui Godinho e Guilherme Dotti.
Depois de já ter dirigido duas corridas importantes (abertura da temporada em Lisboa e alternativa de António Prates em Alcochete), Lara Gregório de Oliveira tinha ontem uma delicada prova de fogo numa das mais exigentes praças do país. Ficou aprovada com louvor e distinção - pelo rigor, a aficion e o bom senso com que dirigiu esta corrida.
Foi uma corrida das que fazem aficionados. Mal de nós se não nos bater forte o coração quando vamos a uma praça de toiros. E isso ontem aconteceu pelo perigo e a seriedade dos toiros de São Torcato, pela grandeza e pelo ofício dos toureiros e dos forcados.
Quando acontecem corridas como a de ontem na "Palha Blanco" - parabéns ao empresário Ricardo Levesinho por mais este sucesso - fica-nos a certeza de que, enquanto assim for, a Festa não morre. E as tragédias, quanto tiverem que acontecer, são a prova fundamental - e irreversível - de que este espectáculo, afinal, não é coisa para meninos. Tem risco. Tem emoção. E por isso pode ser de triunfo ou de tragédia. Graças a Deus, ontem, ninguém se magoou. Mas foi só por sorte...
Fotos Mónica Mendes