sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

E depois... queixem-se...

Miguel Alvarenga - O comunicado (inédito) emitido hoje ao início da madrugada pela Associação Portuguesa de Empresários Tauromáquicos (APET), alegando que são "impraticáveis" as gestões das praças de toiros do Montijo e da Figueira da Foz com os valores exigidos pelos respectivos proprietários para o seu aluguer (adjudicação) e apelando ao "espírito de união" de todos os empresários, aconselhando-os (ainda que de forma meio indirecta...) a não concorrerem - pode ser uma faca de dois gumes e acabar por ter efeitos nefastos para o futuro da tauromaquia.

Sei que nem todos os empresários afinaram ontem, na reunião virtual promovida pela APET, pelo mesmo diapasão expresso no referido comunicado. Sei que há empresários dispostos a concorrer, mesmo assim, aos concursos para adjudicação das duas praças mencionadas, alegando que "quem tem unhas é que toca guitarra" e discordando da posição da APET quanto à "impraticabilidade" de gerir o Montijo e a Figueira com os valores exigidos pelos proprietários das duas praças. E sei que estes, apesar da alegada pressão tentada pelo comunicado, não tencionam baixar as rendas e muito menos fazer revisões nos seus cadernos de encargos.

No caso da Figueira da Foz, os seus proprietários - Coliseu Figueirense - pura e simplesmente não quiseram renovar o contrato de arrendamento com Ricardo Levesinho (que geriu a praça nos últimos anos), antes preferindo levá-la a concurso, e isto depois de outros pretendentes terem manifestado o seu interesse em estar aos comandos da centenária praça, que é mesmo que dizer, depois de terem tentado tirar o tapete a Levesinho. Ou seja, o "espírito de união" pedido hoje pela APET no seu comunicado é coisa que nunca existiu entre a classe empresarial taurina. E a APET sabe disso. Cada um puxa para seu lado, estando-se nas tintas para o parceiro... Foi sempre assim. Era agora que ia mudar?...

O valor exigido por três anos de adjudicação da praça da Figueira  é de 90 mil euros, 30 por temporada, valor algo inflaccionado em relação aos valores anteriores, mas também nada por aí além. 

Os proprietários das praças de toiros podem, na interpretação de alguns, estar a exagerar nos valores das rendas que estão a exigir. Mas também não podemos esquecer que em dois anos de pandemia, muitos deles não chegaram sequer a receber as rendas ou se as receberam, tiveram que as reduzir substancialmente.

Aconteceu igual com os ganadeiros, que foram sacrificados pela pandemia em dois anos e venderam os seus toiros muito mais baratos. Aconteceu com a generalidade dos artistas, que se moldaram aos tempos pandémicos e baixaram substancialmente os seus cachet's. Nestes dois anos de covid-19, os únicos que continuaram a governar vida (e até subiram os preços dos bilhetes...) foram os senhores empresários. E agora queixam-se...

Quanto à Monumental do Montijo, há que assumir que quem inflaccionou a praça foram os próprios empresários - eles e só eles. E agora queixam-se?...

Ainda Abel Correia e João Pedro Bolota (no ano passado) eram os gestores da Monumental e já havia dez cães a um osso a pedir reuniões à Santa Casa e a tentar tomar eles as rédeas da praça. Quando um dia Abel Correia puser a boca no trombone (como prometeu...) tudo isso há-de vir à tona.

No final da última temporada, mal constou que a praça poderia ir a concurso, em vez de dez, passaram a ser vinte cães a um osso... Apareceram candidatos de toda a parte. Houve reuniões na Santa Casa, chegaram propostas à Santa Casa.

É natural, naturalíssimo, que o novo Provedor, talvez pouco habituado a estas andanças, se tenha convencido de que tinha entre mãos uma galinha dos ovos de ouro. "Ah todos querem a praça? Então vamos subir os preços, já que há tanto interesse...", terá certamente pensado. E subiu. Tem lógica. É legítimo. Foram os empresários e os aventureiros que provocaram isso. E agoira queixam-se?...

Apareceram empresários, pais de cavaleiros, homens do Norte e alguns aventureiros. De repente, a Monumental do Montijo tornava-se na mais cobiçada praça de toiros do país... E agora admiram-se que a Santa Casa tenha exigido uma renda anual que consideram exorbitante e que dizem ser impraticável? Mas foram vocês, senhores empresários, que contribuiram para isso...

Faca de dois gumes, o comunicado da APET. E porquê?

Primeiro, o processo dos dois concursos não vai parar, nem vai ser alterado pelos proprietários das duas praças. Há empresários (sei pelo menos de três casos) que já fizeram chegar esta manhã aos donos das praças do Montijo e da Figueira a mensagem de que não estão de acordo com a tomada de posição da APET (e frisando que o demonstraram ontem na reunião virtual) e que pretendem concorrer aos respectivos concursos. Isto é, o comunicado da APET (associação que, pelos vistos, quando fala não espelha a opinião de todos os associados) não teve quaisquer efeitos em termos de pressão para que fossem revistos os cadernos de encargos.

Segundo... e se os proprietários das duas praças pensarem assim: "Ah, não querem a praça, não vão concorrer? Então transformam-se em pavilhões multiusos ou deitam-se abaixo e constroem-se apartamentos ou centros comerciais...". Pode acontecer. E é legítimo que assim pensem, depois da tomada de posição radical da APET. Já aconteceu em Viana do Castelo e na Póvoa de Varzim - ou já se esqueceram desses dois casos?...

Dizem muita coisa, fazem muitos protestos, mas algum empresário deu algum passo para salvaguardar, por exemplo, a praça de Viana do Castelo? Alguém se interessou em promover nessa praça outros espectáculos e mais corridas de toiros, por forma a mantê-la em actividade? A praça de Viana dava ultimamente uma única corrida por ano, em Agosto, pelas Festas da Senhora da Agonia - ou já se esqueceram disso? Vale a pena ter em qualquer ponto do país uma praça de toiros de pé para abrir uma só vez por ano? Não tem lógica...

E a da Póvoa, ultimamente, dava duas corridas por ano. Valia a pena?

Tenham cuidado: o que aconteceu em Viana e na Póvoa, pelo andar desta carruagem que descarrilou esta madrugada, pode acontecer também no Montijo e na Figueira da Foz.

E depois, queixem-se. Pode é já ser tarde demais...

Foto M. Alvarenga