domingo, 9 de agosto de 2020

Alcochete: grandes toiros e um ferro do outro mundo de João Telles!

Alcochete foi ontem uma grande noite de toiros, sobretudo de toiros - seis de bandeira e com a seriedade, a emoção e a verdade a que desde sempre nos habituou o saudoso empresário António Manuel Cardoso "Nené" e seus filhos Margarida e António José souberam honrar nestes dois últimos anos em que tomaram as rédeas da empresa Toiros & Tauromaquia e se dispuseram a prosseguir com o mesmo brilhantismo e a mesmíssima seriedade o legado que o pai lhes deixou

Miguel Alvarenga - Os seis toiros das seis ganadarias a concurso foram todos eles toiros de muita emoção, exigentes, sérios, bravos, encostados, excelentes para o toureio, não houve um a que tivéssemos que apontar "uma falha", toiros a não dar tréguas de espécie alguma a cavaleiros e forcados. Os vencedores foram os exemplares de Fernandes de Castro (bravura) e António Silva (apresentação), decisão assumida pelos próprios ganadeiros - que constituíam o júri. Mas não lhes ficaram atrás os belíssimos exemplares de Veiga Teixeira, de Brito Paes, de Canas Vigouroux e de José Palha

A noite foi de glória para o Grupo de Amadores de Alcochete, como anteriormente aqui se mostrou e eles foram os grandes e maiores triunfadores da corrida, primeira da Feira do Toiro-Toiro. Os cavaleiros esforçaram-se pelo êxito, mas embora boas, as suas actuações foram meio mornas e não redondearam, como se diz na gíria, triunfos verdadeiramente apoteóticos, salvo um ferro do outro mundo de João Ribeiro Telles, que no contexto das duas lides foi ontem o que melhor esteve, momento esse que foi aquele em que o público por fim explodiu e se entregou de alma e coração ao grande João.

Apesar de estarmos a viver uma temporada atípica, marcada pelo regresso ao Campo Pequeno e pela empenhada decisão do empresário Luis Miguel Pombeiro, herói maior deste ano taurino (que chegou a estar em risco) de manter viva a chama da Tauromaquia, a verdade é que mesmo sem corridas toureadas, cavaleiros e forcados têm demonstrado estar em forma, como se nada de anormal se passasse, com os cavalos a parecer que têm toureado imenso, mercê dos treinos e do rigor dos "trabalhos de casa".

João Ribeiro Telles toureava a primeira corrida da temporada, depois de um memorável triunfo no festival de Fevereiro na Granja. E chegou ontem a Alcochete como se já tivesse deixado para trás, o que seria habitual nesta altura do "campeonato" em tempos normais, mais de dez ou quinze corridas feitas. E isso demonstra, como já aconteceu com todos os outros cavaleiros que vimos este ano nas poucas corridas que se celebraram, o elevado profissionalismo e a grande preparação com que, apesar de todas as incertezas, os nossos toureiros e neste caso o João, encararam e enfrentaram, neste ano tão estranho, o regresso em força às arenas.

João Telles esteve muito bem no primeiro toiro da noite, o encastado e sério exemplar da ganadaria Veiga Teixeira, com grande aprumo na brega e na lide e com ferros de muita emoção e verdade em terrenos de compromisso, arriscando, ousando, pondo tudo de si e da sua imensa arte.

No quarto da noite, o também muito bom toiro de José Pereira Palha, subiu ainda mais a parada numa lide emotiva e que galvanizou o público, sagrando-se indiscutivelmente, no contexto das duas a actuações, o triunfador absoluto da noite. A explosão do público aconteceu por fim, marcando a corrida, num ferro do outro mundo que cravou com o fantástico cavalo Ilusionista e que foi um hino à emoção, à arte e à razão que nos faz ser, a nós, aficionados e, a ele, um dos grandes cavaleiros do momento.

Francisco Palha, outro cavaleiro de um valor enorme, mostrou-se decidido e arriscou como sempre, pisando a linha de fogo com ferros que emocionaram tudo e todos. Esteve superior na lide do segundo toiro da noite, um belíssimo e também sério exemplar da ganadaria Brito Paes; e esteve depois menos regular na lide do quinto, um bom toiro de Canas Vigouroux que impôs emoção, em cuja lide intercalou o muito bom com o assim-assim. Mas Palha é um grande toureiro e esse estatuto manteve-o inquebrável.

O jovem António Prates, que regressava à praça de Alcochete depois de ali ter tomado no ano passado a alternativa, revelou progressos, muita ousadia e vontade, como o fizera, aliás, desde os tempos de praticante. Enfrentou os dois maiores toiros da corrida e precisamente aqueles que venceram os prémios em disputa neste Concurso de Ganadarias, primeiro o de Silva e depois o de Castro. Destacou-se com boa brega e arriscados ferros no primeiro, esteve depois mais irregular e menor brilhante no último. Reafirmou ter uma quadra de cavalos acima da média e voltou a deixar antever um futuro brilhante. Pode ser um caso, como sempre o disse.

Estiveram bem as quadrilhas, sem exageros de capotazos, destacando-se os consagrados Nuno OliveiraDiogo Malafaia e Duarte Alegrete, que ontem esteve brilhante na dupla função de coadjuvar as lides de Telles e de Prates.

Bem na direcção da corrida esteve Fábio Costa, acertado em todos os pormenores e com o bom senso de ter permitido a volta à arena ao forcado Daniel Gonçalino, apesar de as regras da "nova normalidade" não permitirem tal honraria - que ontem foi mais que merecida e se impunha na hora do adeus às arenas de tão grande e simbólico intérprete da mais portuguesa das nossas artes, a de pegar toiros com a valentia com que ele o fez sempre ao longo da sua trajectória.

Fotos M. Alvarenga