domingo, 27 de setembro de 2020

Santarém: público explodiu com as "mourinas" do Niño Moura

Quando existe garantia de seriedade (falo dos toiros) e um cartel de alto nível (falo de cavaleiros e forcados), o público aficionado enche as praças e a Festa tem outro sabor, é outra música. Santarém esgotou de véspera a lotação agora permitida de 50% e a escrupulosa organização da dinâmica Associação Praça Maior constituiu um exemplo e uma lição. A corrida de ontem foi uma das melhores desta estranha e atípica temporada. António Telles deu duas lições daquelas que se não esquecem mais. João Moura Jr. fechou a sua campanha de apenas quatro corridas com a praça toda de pé, em euforia e em loucura. E Francisco Palha parou os corações a muito boa gente com ferros de alto risco. Os forcados de Santarém e Montemor honraram as suas jaquetas com um valor do outro mundo. Os toiros de Teixeira e Grave deram a nota de verdade e de seriedade que fazem desta arte tão nobre e tão portuguesa um espectáculo único. Foi bom demais ontem em Santarém!

Miguel Alvarenga - Apesar da temperatura até ter estado agradável, sem demasiado frio e com um calor humano de praça cheia, o que dá outro ambiente a qualquer corrida, o público só explodiu verdadeiramente ontem no quinto toiro da ordem com as duas magistrais "mourinas" de João Moura Júnior - que uma vez mais marcou a diferença e se sagrou triunfador maior de uma temporada em que apenas participou em quatro corridas. Lidou nessas quatro corridas toiros "assim" e toiros "assado" e tanto brilhou com os murubes de Romão Tenório em Lisboa como empolgou tudo e todos ontem com os sérios Veiga Teixeira e Murteira Grave na "Celestino Graça". Um toureiro quando está em grande momento pode com todos os toiros e faz exactamente o mesmo com todos os encastes, sejam fáceis, sejam difíceis.

Ontem o novo "niño prodígio" do toureio a cavalo demonstrou todo o seu potencial com um primeiro e magnífico toiro de Murteira Grave, bravo, a investir com franqueza e emoção de todos os terrenos e a dar luta do princípio ao fim; e depois com o exigente quinto toiro da ordem, um sério exemplar de Veiga Teixeira. Dois toiros que "não eram para brincadeiras" e com os quais Moura Júnior reafirmou ser o "toureiro esmagador" da actualidade.

Nas duas lides esteve magnífico, memorável, a marcar sempre a diferença. Mas foi no seu segundo, em que se destacara já com dois curtos verdadeiramente colossais e uma inicial e ousada sorte de gaiola (que repetiu nas duas actuações), que João pôs a praça em delírio com duas "mourinas" de parar corações, a última, sobretudo, incrível! Toureiro de uma outra galáxia a marcar a tarde em Santarém, uma das grandes praças talismãs do Maestro Moura, seu pai.

O público aficionado - exigente e entendido - que ontem deu vida e ambiente a esta inesquecível corrida, aplaudira com entusiasmo a primeira lide de Mourinha, as duas lições do Maestro António Telles, a lide empolgante de Francisco Palha ao primeiro toiro do seu lote, um toiro para a história, da ganadaria Grave, as pegas magistrais dos grupos de forcados de Santarém e Montemor, a carreira que ali terminou de Luis Miguel Gonçalves, que cortou a coleta depois de 35 anos de uma trajectória louvável - mas foi aqui, no quinto toiro, depois das "mourinas" de Moura Júnior que se deu a grande explosão, com a praça toda de pé, em euforia e loucura, a premiar o cavaleiro com a mais estrondosa de todas as ovações. Moura único - e diferente.

António Ribeiro Telles é um Mestre - e é o Mestre - e eu não me canso de escrever que com mais de 40 anos de carreira continua a ser um caso - cada vez melhor. Arte, classe, saber, bom gosto, toureio de verdade são apenas alguns dos adjectivos com que podemos, todas as tardes, classificar as actuações - as lições - deste Toureiro enorme e que continua eternamente jovem, parece ele que anda sempre à procura de um lugar ao sol, quando tem já um trono assegurado e mantido eternamente ao longo de anos e anos e um palmarés invejável e tão difícil de igualar.

Deu ontem na "Celestino Graça" duas indescritíveis lições de maestria, primeiro na lide de um exigente, sério, emotivo e grande toiro de Veiga Teixeira, de presença e trapio acima da média; depois numa actuação perfeita, solene, inesquecível, ao quarto toiro da ordem, um bravo exemplar de Murteira Grave - que António lidou, bregou e toureou como só ele sabe. Figurão!

Francisco Palha não foi um mero espectador das apoteoses de Telles e Moura. Ele é já, por méritos próprios, uma das grandes figuras do toureio a cavalo e enche-me de orgulho lembrar-me que acreditei sempre nele desde que o vi actuar pela primeira vez, há uns bons anos, numa corrida em Sobral de Monte Agraço, que nunca mais esqueci.

Toureiro de alto risco, de antes quebrar que torcer e dos que não gostam de perder nem a feijões, Palhinha defendeu ontem em Santarém com unhas e dentes a sua bandeira de glória com a atitude e a ousadia de duas empolgantes sortes a receber os seus dois toiros à porta da gaiola, a segunda das quais foi incrível, parecia ele que ia entrar pelos curros dentro!

Lide daquelas que se não esquecem a do seu primeiro toiro, um bravíssimo e muito sério exemplar da ganadaria Murteira Grave que o director de corrida Manuel Gama muito justamente premiou no final dando ao ganadeiro Joaquim Grave a merecida honra de ir à praça para que todos o aplaudíssemos em reconhecimento e louvor por tão nobre e bravo animal.

Francisco esteve enorme a lidar e a tourear, cravando ferros em terrenos de alto compromisso, bregando, rematando com arte e uma segurança que arrepiam e demonstram estarmos em presença de um grande Toureiro.

O último toiro da tarde, de Veiga Teixeira, também um toiro de louvável seriedade e presença, bravo, mas algo reservado, foi dos seis o que apresentou maiores complicações. Mas Francisco Palha, meio irregular no início, impôs-lhe a sua valentia e o seu saber e a actuação foi de menos a mais, em crescendo, depressa se apoderando do seu oponente. No final, não quis vir à arena. Mas merecia.

Os grupos de forcados de SantarémMontemor tiveram uma tarde para recordar, como já aqui ficou pormenorizadamente relatado e destacado - e mais não é preciso acrescentar. Seis grandes pegas a reafirmar o historial de glória e valor de cada um deles.

Os bandarilheiros da quadrilhas dos três cavaleiros estiveram à altura dos sérios toiros de Veiga Teixeira e Murteira Grave, que não tiveram pesos excessivos e foram uma das grandes bases da seriedade e da emoção que teve a corrida de ontem.

Manuel Gama dirigiu com imenso rigor, competência, saber e aficion esta corrida que ninguém vai esquecer. Esteve assessorado pelo conceituado médico veterinário José Manuel Lourenço e o cornetim foi o histórico José Henriques, cuja arte nunca é demais salientar - e aplaudir.

Tarde para recordar como uma das melhores deste ano horrível de 2020.

Fotos M. Alvarenga

Quando as coisas são feitas a rigor, como o fez ontem a
Associação Praça Maior, e quando o público sente que há
garantias de seriedade com toiros a sério e toureiros e
forcados dos melhores, o resultado é este: Santarém
esgotou ontem (com 24 horas de antecedência) a sua
lotação agora permitida e a corrida teve um ambiente
daqueles que fazem aficionados e dão à Festa todo o
seu verdadeiro esplendor
António Telles - a eterna maestria passeou ontem pela
arena da emblemática "Celestino Graça"!
Foi João Moura Jr. quem, no quinto toiro (de Veiga Teixeira)
fez o público explodir e aplaudir de pé, em loucura, as duas
"mourinas" colossais com que fechou a sua temporada
Francisco Palha com o magnífico terceiro toiro da tarde,
de Murteira Grave, uma sinfonia de valor e arte