domingo, 18 de setembro de 2022

"Juanito" deixou a Moita em delírio e Salgueiro andou 30 anos para trás!

Miguel Alvarenga - A Moita caiu ontem aos pés de "Juanito" - que virou tudo do avesso com dois "faenões" que deixaram o público em delírio e aos gritos de "Torero! Torero!". O toureio a pé teve ontem uma dimensão suprema no capote e na muleta do novo ídolo das multidões. E o exigente e entendido público moitense rendeu-se por completo ao jovem toureiro, como há três décadas se rendera a Pedrito. Foi, como alguém me dizia à saída, "uma coisa do outro mundo!".

A cavalo, a noite foi do Maestro João Salgueiro, há uns anos retirado e que nesta temporada - em boa hora - reapareceu. Duas actuações "de estrondo", à antiga, com ferros "à Salgueiro" em que tudo parece fácil. Recuou trinta anos no tempo. E é, outra vez, o mais sério candidato ao prémio de melhor cavaleiro da Feira da Moita. Não venham depois com histórias...

A corrida de ontem, segunda e última (com uma novilhada pelo meio, na sexta-feira) desta Feira da Moita, que por obra e (des)graça da chuva que caiu na última semana ficou com uma corrida adiada (esta) e outra cancelada, registou dois terços fortes da lotação preenchidos. Havia ambiente e havia gente entendida - e boa - nas bancadas.

De fora ficaram as duas figuras de Espanha que estavam contratadas por Ricardo Levesinho para este ciclo, os matadores Daniel Luque e António Ferrera. Na corrida de ontem actuaram os matadores lusos Joaquim Ribeiro "Cuqui" e João Silva "Juanito" e os cavaleiros João Salgueiro e João Ribeiro Telles. Corrida de oito toiros, mas que mesmo assim não se arrastou por tempo indeterminado, embora se tivesse iniciado às dez da noite e terminado quando já passava da uma da manhã.

Lidaram-se a cavalo quatro toiros de Passanha. Bem apresentados, com pouca transmissão, menor agressão, mas permitindo, à excepção do segundo de Telles (coxo), bonitos recortes aos cavaleiros e boas pegas aos forcados. A pé foram lidados quatro toiros de Murteira Grave com pouca qualidade, só o último investiu melhor e foi mais toureável.

A noite ficou marcada pela loucura que "Juanito" causou e pela maestria que Salgueiro reafirmou. Mas também pela triunfal actuação dos forcados Amadores da Moita e pela emotiva despedida de Pedro Raposo, o cabo que comandou o grupo nas últimas treze temporadas, que ontem passou o testemunho a seu irmão João e depois foi passeado em ombros pelos companheiros. Nas cortesias, marcaram presença largas dezenas de antigos forcados fardados e alguns dos antigos tiveram mesmo intervenções nas quatro pegas efectuadas, três ao primeiro intento e uma ao terceiro.

A definitiva e galvanizante explosão de "Juanito" em Portugal aconteceu ontem na Moita, onde surgiu já com uma dimensão diferente, super placeado, confiante e tranquilo, a agigantar-se em praça e a mandar por completo na situação (nos toiros, entenda-se) num plano de figura e de invejável genialidade.

Deu o mote de que estava ali para marcar a noite - e mesmo a temporada - no bonito e elegante quite de capote que fez ao primeiro toiro de "Cuqui". E depois, também, quando fez questão de ser ele próprio a lidar de capote o toiro para os bandarilheiros, tarefa que por norma é levada a cabo por outro bandarilheiro, mas foi ele que a quis desempenhar.

Frente ao quarto toiro da noite, um Grave nada fácil, impôs "Juanito" toda a sua raça e saber, entregando-se com valor, toureando com arte a milímetros do toiro, obrigando a Banda a tocar logo no final da primeira série de muletazos. O público entregou-se ao toureiro, vibrou a cada passe. E "Juanito" tem o condão de saber dominar os toiros e saber meter-se com o público, conquistando-o num ápice. Uma faena de imenso poderio e que impactou pela qualidade e sobretudo pela muita entrega do toureiro. A Moita em perfeito delírio!

O último toiro, também de Murteira Grave, foi o melhor dos quatro, tinha qualidade, investidas francas. Bonito outra vez no tércio de capote, "Juanito" desenhou depois outra grande faena, diversificada, pelos dois lados, intercalada com desplantes de domínio pleno e rasgos de uma genialidade imensa.

Arrastou público à Moita. Numa corrida de oito toiros, em que, para mais, toureou o último, não houve um aficionado que arredasse pé da praça, como costuma acontecer. O público estava ali para o ver e o rever. "Juanito" é o novo ídolo dos aficionados portugueses. Disso já ninguém tem a mínima dúvida. Ontem saíu da Moita - e não saíu em ombros vá lá entender-se porquê... - com Portugal a seus pés.

Nos tércios de bandarilhas actuaram o português João Ferreira e os dois bandarilheiros espanhóis de "Juanito". Ferreira marcou a diferença, no primeiro toiro do lote do seu matador, com dois pares monumentais, agradecendo de montera em mão. É único neste tércio!

"Cuqui" é um excelente toureiro também. Mas é um toureiro mais triste. Sério. Não chega ao público como chega "Juanito". Mas é um toureiro da Moita, é o toureiro da Moita na actualidade. E o seu público acarinha-o, está com ele.

Não teve sorte com os toiros. O primeiro Grave não tinha um passe, valeu o esforço, a entrega e o elevado profissionalismo de "Cuqui", que até deu volta à arena pela sua muito esforçada faena em que tentou espremer todo o sumo que o toiro não tinha.

O seu segundo, sétimo da noite, teve um pouco mais de qualidade e "Cuqui" voltou a entregar-se e a esforçar-se, resultando desta vez mais vibrante a faena. Arrimou-se, deu a cara e deu o corpo ao manifesto. Teve música, teve o público consigo, não saiu de cabeça baixa neste mano-a-mano com o toureiro da moda.

"Cuqui" entusiasmou tudo e todos pelo poderio com que bandarilha. Preencheu esse tércio nos dois toiros de forma admirável, assim como toureou de capote com arte e profundidade. Sofreu aparatosa colhida no segundo par de bandarilhas no seu primeiro toiro, felizmente sem consequências.

Nas lides a cavalo, a noite foi, como disse atrás, de João Salgueiro, com duas lides de maestria, à antiga, brega perfeita, ferros "dos seus", artísticos remates, ladeios a um palmo do toiro, público emocionado com o regresso do Maestro em grande, a aumentar a expectativa para o vermos encerrar esta temporada da reaparição já na próxima sexta-feira em Elvas.

João Ribeiro Telles lidou primorosamente o segundo Passanha da noite, recebendo-o a dobrar-se, cravando um primeiro ferro comprido de poder a poder e rematando depois com arte, dando cinco verdadeiros muletazos com a bandeira da bandarilha, recortando-se em pormenores de verdadeira magia. Nos curtos, empolgou com a sua raça, em entradas temerárias pelo toiro dentro, cravando com emoção. Uma lide "à João Telles".

Depois e como aqui referi anteriormente, viu obrigado a semi-lidar um toiro coxo que o director de corrida e o médico veterinário não mandaram recolher aos curros. Dois compridos e só dois curtos e foi-se embora, fez ele muito bem, o público reconheceu a sua atitude com uma calorosa ovação e uma bronca monumental à presidência.

Bem todos os bandarilheiros, com poucas intervenções nas lides a cavalo, sobretudo na colocação dos toiros para as pegas.

Os forcados Amadores da Moita tiveram uma noite triunfal - que já a seguir aqui vamos referir e mostrar em pormenor - com a emoção da despedida do cabo Pedro Raposo, que pegou à primeira o primeiro toiro da noite. A segunda pega foi executada pelo novo cabo João Raposo, seu irmão, também com brilhantismo e ao primeiro intento. Fábio Silva fez a terceira pega da noite ao quinto toiro e só à terceira tentativa. E David Solo, forcado triunfador da Feira da Moita em 2021, pegou à primeira, e sob os protestos do público, o tal toiro coxo.

João Ribeiro Telles foi o único dos quatro toureiros que brindou uma lide aos forcados em noite tão significativa para eles. A segunda lide - que ficou a meio - dedicou-a ao bandarilheiro moitense Júlio André, a atravessar um complicado problema de saúde e que no dia 15 de Outubro terá nesta mesma praça um festival em sua homenagem - mais que merecida.

João Salgueiro brindou a sua primeira actuação a João Telles e a segunda ao público. "Cuqui" honrou com um brinde na sua primeira faena o grande aficionado José António Nunes, seu amigo, proprietário do afamado restaurante lisboeta "Solar dos Nunes". E dedicou a segunda a Pedro Brito de Sousa, presidente da Sociedade Moitense de Tauromaquia. E "Juanito" brindou ao público a sua primeira faena e a segunda ao Maestro António Telles, que assistia à corrida na bancada.

Exceptuando a bronca de não ter mandado recolher o toiro coxo, Ricardo Dias esteve bem no resto da direcção da corrida - a que presidiu o presidente da Câmara da Moita e alguns membros do Executivo, brindados pelos forcados nesta que era a tradicional Corrida do Município.

Fotos M. Alvarenga

Salgueiro, o génio, de novo e como sempre!
João Telles brilhou na lide do segundo Passanha da noite
"Cuqui" sem sorte com os Graves. Mas esteve lá, esforçou-se!

Cabo Pedro Raposo despediu-se das arenas
em noite triunfal dos Amadores da Moita