Miguel Alvarenga - A marcar esta temporada pelos notáveis êxitos de bilheteira, mercê dos atractivos cartéis montados pelos jovens empresários da Toiros & Tauromaquia, a praça ribeirinha de Alcochete registou ontem à noite mais uma enchente de três quartos da lotação preenchidos na terceira e última (duríssima!) corrida da Feira do Toiro-Toiro, por ocasião das portuguesíssimas e sempre muito concorridas Festas do Barrete Verde e das Salinas. Há uma importante conclusão que fica de toda esta feira e até de muitas outras corridas realizadas nas últimas semanas noutras praças: o público está a ir em força às praças.
A corrida de ontem celebrou os 60 anos da fundação do valoroso Grupo de Forcados Amadores do Aposento do Barrete Verde de Alcochete (que, por muito estranho que seja, e é, tinha aqui a sua primeira intervenção nesta temporada que já vai a meio...) e a passagem de testemunho do cabo Marcelo Lóia ao seu sucessor e seu irmão Simão. Marcelo fez uma pega "do outro mundo", quase idêntica à da célebre Corrida TV em Lisboa em 2015 (já lá vão dez anos), à segunda tentativa e depois despiu a jaqueta, entregou-a, com os olhos molhados de lágrimas, ao irmão - e deu uma última e muito aplaudida volta à arena aos ombros dos companheiros. Fica na História como um grande cabo e um forcado brilhante, dos melhores que por aqui passaram na última década.
A noite podia - e devia - ter sido de festa e de glória para os Forcados do Aposento do Barrete Verde no 60º aniversário da sua fundação. Mas foi antes uma noite de pânico. Foi só de alguma glória e pouca festa, mercê da dureza dos toiros (eu diria, quase intoureáveis, quando mais pegáveis...) da ganadaria Prudêncio, Prudêncios mesmo à antiga (lembras-te, José Luis Gomes, daquela tua célebre pega em Almeirim?... Ontem, deves ter-te lembrado muito disso...), exigentes, a descompor, a pedir todas as contas e mais algumas, mansos perigosos na generalidade, escapou o quinto, que cumpriu o velho ditado de que "não há quinto mau", e foi escapatório o primeiro. Os outros, valha-nos Deus, Nosso Senhor! Foram toiros daqueles que nenhum toureiro e muito menos algum forcado querem ver pela frente. Irra!
Ou o Grupo do Barrete Verde pecou por inconsciência (hipótese muito pouco provável) ao aceitar festejar o seu aniversário com Prudêncios... ou foi um presente envenenado da empresa e outra coisa não se podia fazer porque eram aqueles toiros ou nenhuns... A verdade é que a noite não foi nada fácil, houve forcados assistidos na enfermaria (felizmente, não se registaram lesões graves, ao que conseguimos apurar), pegas muito duras e grande emoção, pânico mesmo, na arena e nas bancadas.
Mas a realidade é que, às vezes, corridas destas fazem falta para agitar a malta e mostrar às gentes que o espectáculo taurino ainda não está completamente dominado e desvirtuado pelos toiros "nhoc-nhoc" e pelas corridas fáceis e dóceis desses encastes bonzinhos e não agressivos. De quando em vez, sabe bem (ao público aficionado) e faz falta sairam a uma arena toiros destes para pôr cada qual em seu sítio. Só não sabe bem, claro está, aos toureiros e aos forcados...
Às seis pegas já lá iremos com o habitual e detalhado bloco especial com as fotos e as sequências de todas elas. Foram forcados de cara, por esta ordem, Nuno Veríssimo (à primeira); Marcelo Lóia, na sua última pega, à segunda; João Azevedo e Silva (à segunda); o novo cabo Simão Lóia, à terceira e a sesgo; João Miguel Rosa numa grande pega ao primeiro intento; e, por fim, o forcado brasileiro Edilson Correia, na quarta tentativa efectiva para pegar o sexto toiro, a emendar José Florindo e Bruno Amaro.
Destaque para o valor de muitos antigos forcados do grupo que se voltaram a fardar e muitos dos quais intervieram em algumas pegas, casos dos dois antigos cabos Luis Miguel Cebola e João Salvação "Ninã".
Já voltarei aos forcados e à duríssima noite de celebração dos 60 anos de um grupo com tanta glória e tanto historial como é o do Aposento do Barrete Verde de Alcochete. Vamos aos cavaleiros. Sobre os quais não há muito a dizer, por obra e (das)graça da falta de matéria prima que tiveram pela frente para poder brilhar.
Os toiros de Prudêncio, mansos, perigosos, manhosos e matreiros, eram toiros para toureiros-guerreiros. Tínhamos em praça um que é um "todo-terreno" e pode com todos os toiros, sejam eles assim ou assado, apesar dos anos e apesar da complicada condição física (que teima em não corrigir com uma dieta rigorosa), chama-se João Moura. Tínhamos toureiros de arte e de temple para quem estes toiros duros e incómodos não fazem parte dos seus campeonatos. E tínhamos dois em efervescência, desejosos de convencer os empresários mais cépticos e poder mostrar que têm valor e podem muito bem refrescar os grandes cartazes para que não sejam sempre mais do mesmo: falo de David Gomes e de Paco Velásquez.
A Moura chamavam há cinquenta anos o Niño Prodígio. Em 2026 cumpre-se meio século da primeira saída em ombros de Madrid, quando toda a Espanha parou a falar do menino português e do cavalo branco, o "Ferrolho". Hoje chamam-lhe, com carinho e respeito, o "Velho Moura". E a verdade é que o "Velho", já não sendo "Niño", continua a ser um Prodígio. Lide de maestria e lição de como se toureia um toiro que não é fácil. Quem sabe, jamais esquece. E Moura continua em alta e a tratar os toiros por tu, o resto continuam a ser conversas. O primeiro, ainda e sempre! Mas é urgente a dieta!
Ana Batista foi homenageada ao princípio da corrida pelos seus 25 anos de alternativa. Depois, quando chegou a vez de enfrentar o seu Prudêncio, nem o fantástico cavalo "Hermoso" lhe serviu para atenuar o ritmo de consequente descalabro em que foi decorrendo a lide. Deslide, antes...
A Moura Caetano também faltou aquele toiro que lhe proporciona momentos de arte e de temple inigualáveis. João entendeu bem o toiro que tinha pela frente e não lhe deu tempo para pensar, cravou rapidamente os ferros e cumpriu a papeleta com ofício e profissionalismo, mas sem o brilho habitual e, claro, sem o cavalo "Campo Pequeno", que estava lá fora, mas nunca entrou ontem em praça.
Duarte Pinto demorou um pouco mais a pôr os ferros, é um perfeccionista e ali não havia tempo, muito menos havia toiro, para grandes perfeições. Limitou-se a estar em cena com a dignidade costumeira, mas sem a verdade e a emoção que costumam marcar as suas actuações. Os ferros resultaram quase todos a cilhas passadas e o Duarte que ali esteve não foi o Duarte de outros triunfos.
Curiosamente e ao contrário do que tem acontecido nas últimas corridas a que assisti, ontem não houve quinto mau. Cumpriu-se o ditado popular. E coube a David Gomes lidar e tourear, e que bem o fez, o quinto Prudêncio que, não sendo bom, foi o menos mau dos seis. David toureou o toiro, não se limitou a pôr ferros. Demonstrou que já é tempo de os empresários contarem com ele para dar nova frescura aos cartéis. Se ainda houvesse muitos empresários a sério, e não só dois ou três, este valoroso cavaleiro da Malveira tinha tido ontem "o primeiro dia do resto da sua vida". Da sua vida diferente.
O último cavaleiro, juntamente com David Gomes, foi ontem outra importante e destacada lufada de ar puro, demonstrando também ele que chegou a hora de descolar do pelotão dos segundos e passar a ombrear com os maiores e com os primeiros na fila da frente. Falo de Paco Velásquez e da forma correctíssima, emotiva e verdadeira com que enfrentou o sexto Prudêncio, manso, a querer saltar as tábuas. Paco agarrou-o do princípio ao fim, lidou-o e toureou-o com sentimento e com arte, com ousadia e apurada maturidade. Tem pela frente alguns importantes compromissos, regressa a Madrid no dia 21 - e este pode e vai ser o seu ano.
Trabalho árduo tiveram ontem os bons bandarilheiros das quadrilhas dos seis cavaleiros. Aplausos para João Ganhão e António Telles Bastos (equipa de João Moura); Duarte Alegrete e Filipe Gravito, que agora vive em Espanha e ontem ali actuou especialmente para estar ao lado da sua antiga cavaleira Ana Batista, infelizmente em noite muito pouco feliz para ela; José Franco "Grenho" e João Prates "Belmonte" (de Moura Caetano); João Ferreira e Joel Piedade (de Duarte Pinto); João Bretes e Joaquim de Oliveira (de David Gomes); e Tiago Santos e João de Oliveira (de Paco Velásquez).
Os toiros foram recolhidos a cavalo pelos campinos, o que, de algum modo e dado o sentido que tinham, atrasou um pouco o andamento do espectáculo, mais pela falta de colaboração dos toiros do que pela falta de eficiência dos campinos, que a tiveram e de sobra, sendo na última intervenção muito aplaudidos.
Tiago Tavares dirigiu com o usual acerto, muito bem em todos os pormenores; esteve assessorado pelo médico veterinário residente Jorge Moreira da Silva.
Houve brindes de vários cavaleiros aos Forcados do Barrete Verde e ao cabo Marcelo Lóia que se despediu das arenas; ao novo cabo Simão Lóia; e também um dos forcados às simpáticas meninas do Aposento do Barrete Verde que oferecem flores aos artistas no final das lides e outro ao exemplar Presidente das Câmara Fernando Pinto, que uma vez mais honrou a tauromaquia e Alcochete presidindo à corrida de toiros.
Uma palavra final para os jovens empresários Margarida e António José Cardoso, pela aficion, pela seriedade e pela grande dignidade com que souberam nestes últimos anos, e neste em particular, honrar a memória e dar continuidade ao trabalho de seu Pai, o meu querido e sempre lembrado "Nené", enchendo em três corridas as bancadas da sua praça de Alcochete, mercê da apresentação de cartéis atractivos e merecedores da confiança dos aficionados.
Para o ano há mais!
Fotos M. Alvarenga
João Moura - a eterna maestria! |
Ana Batista - ontem foi para esquecer... |
Moura Caetano - lide inteligente a um toiro sem arte nem temple |
Duarte Pinto - cumpridor apenas |
David Gomes - triunfador a sério! |
Paco Velásquez - o salto para o pelotão da frente! |