sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Merda, D. Manel!


Meu querido D. Manuel,
Não faço ideia se aí há computadores nem se porventura já se adaptou a essas modernices, mas sei que há-de ler estas minhas palavras, onde estiver. Isso sei.
Pela primeira vez em oito ou nove anos, já nem me lembro há quantos a organizávamos juntos, não vamos estar os dois na Corrida "Farpas". O senhor, porque em Fevereiro nos pregou a partida de ir embora, assim de repente, sem seque nos dizer adeus. Isso faz-se, D. Manuel? Eu, porque, como bem sabia, iniciei uma semana depois da sua partida a tal pena de prisão que me obriga a estar aos fins-de-semana numa casa que parece a do "Big Brother", no Linhó, ali mesmo ao lado de onde vive o Tó Manel. Olhe, ele tem sido incansável. Confesso que nem esperava. Pensava que se estaria nas tintas para tudo isto, mas não. Lutou que nem um Gonçalves até ao fim. Ultrapassou todas as guerras estúpidas dos forcados (que continuaram...) com uma garra e uma decisão iguais às suas, ou não fosse ele filho de quem é.
Acredito que a corrida vai ser um sucesso enorme. O cartel é magnífico e o ambiente (o senhor daí deve ver tudo) é enorme. Às cinco e meia da tarde, lá no Linhó, vou rezar por si e pelo sucesso de todos na nossa corrida. Não vou chorar, prometo. Você ria-se. E ainda me pregava um daqueles sermões. Vou sentir saudades. De si. Já não vamos almoçar juntos na praça. Já não vou "chagá-lo" com os dez ou doze bilhetes que pedia sempre para o meu Pai, para a Rita, os meus filhos, a minha irmã, etc. Já não vamos andar ali pelos corredores da praça, de um lado para o outro, a resolver este e aquele problema de última hora. Mas cada qual no seu sítio, havemos de estar presentes e ao lado do pessoal todo.
Têm-me feito falta os nossos pequenos-almoços na pastelaria "Londres". Aquele seu sorriso matreiro, aquele olhar profundo, aquele sorriso bondoso com que acabava por dizer sempre que sim ao que primeiro dizia que não. Têm-me feito falta as suas palavras, os seus conselhos, aquele "meu menino" carinhoso com que abria sempre os "discursos", com que me puxava as orelhas, com que me aplaudia umas quantas vezes. "Você é tramado", dizia tanta vez. Mas depois sorria. E depois cedia. E nunca se esquecia.
Faz-me falta, D. Manel. Mas domingo é o nosso dia. Lá estaremos na Figueira da Foz. Logo de manhã cedo. E desta vez não me vai ligar toda a manhã. "Onde está? A que horas chega? Já cá devia estar!".
Um dia dou-lhe um beijo outra vez. Havemos de nos encontrar. De falar de tudo isto e de mais aquilo. Dos seus projectos e dos meus. Tento ultrapassar tudo com a força que levo dentro. Mas às vezes custa. Queria estar consigo no domingo na Figueira. Merda, D. Manel! Até domingo, na mesma!

Miguel Alvarenga

Foto Guilherme Alvarenga (Fig. Foz no ano passado, 10ª Corrida "Farpas")