Miguel Alvarenga - Era um dia 10 de
Junho, que antigamente se chamava "da Raça", foi há mais ou menos
quinze anos. O Maestro Amadeu dos Anjos não estava ainda no seu actual paraíso
em Tróia, viva em Lisboa, ali ao pé de Sete Rios e do Jardim Zoológico, onde
quase todas as semanas nos reuníamos com amigos em fantásticas almoçaradas.
Amadeu é um excelente cozinheiro. "Tem na cozinha a mesma muñeca e a mesma magia com que
comandava a sua muleta de ouro nos tempos em que toureava", costumava
dizer eu.
Como todas as semanas sucedia, quinta ou
sexta-feira, o Maestro telefonou-me. "Este sábado temos um convidado
especial, o Eusébio!". Ainda por cima num dia de Portugal. Só faltava
mesmo a Amália...
Foi um dia inesquecível. Eusébio chegou
um nadinha atrasado. Os almoços eram uma espécie de lanches-ajantarados,
começavam sempre tarde e acabavam já de madrugada. O rei - que esta semana
cumpriu 70 anos de vida e por isso decidi aqui lembrar este encontro - veio
directamente do Estádio do Jamor, onde assistira à final da taça. Veio
acompanhado por sua Mulher, Flora e pelo seu amigo e também antigo jogador
moçambicano Hilário, do Sporting.
Embora não seja nada entusiasta de
futebol, confesso que senti um arrepio quando cumprimentei Eusébio. Cresci a
ouvir falar dos seus feitos gloriosos. É uma referência nacional. E estava ali,
na minha frente, com uma simplicidade arrepiante.
"Ó Amadeu, hoje quem cozinha sou
eu!", disse. Apertou o avental, "arrimou-se" à cozinha e ali
esteve, sorridente, simpático, brindando-nos com umas belíssimas costoletas em
azeite e alho.
Depois sentámo-nos à mesa, bebemos e
bebemos e ouvimos da boca do rei estórias de episódios fantásticos passados em
Moçambique, nos tempos em que jogavam descalços à bola... com Ricardo Chibanga,
o célebre matador de toiros. Contei-as na altura no "Farpas".
"Nunca percebi como o Chibanga foi
para toureiro - contou Eusébio - ele que era um dos maiores 'mariquinhas'
quando jogávamos à bola. Caía, aleijava-se e era logo uma berrata dos diabos.
Como é que não tinha medo dos toiros? Foi uma coisa que me espantou
sempre!".
Essa tarde única foi ainda mais única
pela presença, já mais tarde, do também famoso pintor moçambicano Malangatana,
entretanto falecido e que era também amigo do Maestro Amadeu.
Rimos, falámos, recordaram-se tempos
passados (que me encantaram conhecer) e de Eusébio guardo essa imagem simples
de um homem que é tão grande.
Parabéns ao rei!
Foto D.R.