Miguel Alvarenga - Esperava-se e
aconteceu. A Monumental do Campo Pequeno registou ontem a maior enchente desta
temporada. Fruto do cartel, sem dúvida alguma e como bem dizia Rui Bento esta
semana, "o mais bem rematado" de todos os que forem montados este ano
em Lisboa. O mais competitivo. E o que maiores garantias dava de uma grande noite
de toiros. Assim aconteceu, apesar de, precisamente os toiros (Pinto Barreiros), terem ficado
algo aquém das expectativas e não terem saído, também, tão bem como os
"irmãos" lidados recentemente na corrida televisionada de Évora.
Valeu o empenho e a entrega dos toureiros. E a valentia dos forcados, com seis
intervenções à primeira tentativa.
João Salgueiro era ontem "a
expectativa maior" do Campo Pequeno. Apesar do bom mote dado em Junho nos
Açores, havia ainda quem tivesse dúvidas sobre o seu "estado", sobre
os seus cavalos.
Abriu praça com aquela que se pode
considerar a melhor lide da noite. Verdadeiramente extraordinário, "à
antiga", dando toda a prioridade ao toiro, arrancando logo nos compridos
em sortes de praça a praça carregadas de emoção e de verdade. Nos curtos e com
o toiro a "vir a menos", foi Salgueiro "ao ataque", "a mais" quero dizer e em
reuniões de parar corações trouxe de novo a alegria e a emoção dos seus
melhores tempos.
O seu segundo toiro cedo procurou o
refúgio nas tábuas. Mas para João Salgueiro nunca houve, e muito menos agora, toiros bons e toiros
maus. Sacou-o ele da trincheira, aguentou as investidas perigosas, brilhou como
brilhava nos tempos de ouro. Tinha razão quando "falou". Voltaria
para marcar a diferença "quando as condições estivessem reunidas". E ontem marcou-a - com todos os adjectivos e mais alguns. Evitou "queimar cartuxos" e "andar por aí" a tourear
"ao preço da uva mijona" e "em saldo". Estratégia brilhante
e bem definida. Clara a transparente. Que ontem teve os seus frutos e o
corolário triunfal de quem sabe o que quer e para onde vai.
Que se cuidem os toureiros: João
Salgueiro voltou em força!
Outra "expectativa" tinha nome
espanhol. Andy Cartagena, que há uns anos não vinha a Portugal e que esta
temporada reapareceu, após lesão numa perna que o obrigou a travar a anterior,
com sucessivas saídas em ombros e abrindo, inclusivé, a "porta
grande" da glória mais importante do mundo, a de Las Ventas, em Madrid.
Chegou ao público sem precisar de
"grande espalhafato", em duas actuações de enorme maestria,
evidenciando excelente forma, bons cavalos, boa doma e um toureio de verdade.
Ninguém "dormiu" enquanto ele esteve na arena. O público vibrou,
levantou-se, pediu mais.
Em suma, chegou a Lisboa e deu duas
lições enormes de como se toureia a cavalo e de como "se chega ao
público" toureando bem a cavalo. Que se cuidem muitos dos "portuguesitos"
que aí andam só por andar. A sorte deles é Cartagena - e muitos outros, como
Hermoso, Ventura e demais rejoneadores espanhóis - vir poucas vezes a Portugal.
Salvo raríssimas excepções - e ontem estavam duas no Campo Pequeno -
"nuestros hermanos" são hoje os verdadeiros detentores daquilo que
outrora foi glória nossa: o chamado "trono" do toureio equestre, a
chamada "nobre arte de tourear e cavalgar em toda a sela" são
atributos - e artes - que se passaram de armas e bagagens para o outro lado da
fronteira. É uma triste verdade. Mas é uma verdade. E ontem, Cartagena bem o
deixou patente.
João Moura Júnior chegava a Lisboa
"embalado" por uma temporada de sucessivos e sonantes triunfos em
Espanha, que começaram também pela saída em ombros de Madrid e o "atiraram"
de repente para as primeiras filas das Figuras mundiais. É hoje uma estrela - e
uma estrela que brilha ao mais alto nível. E, dos novos, é talvez o que tem o
"selo" mais difícil - ser filho do Maestro Moura não é coisa fácil e
afirmar-se como ele próprio se afirmou esta temporada, por si,
"fugindo" dessa complicada "carga paterna", tem um valor
notável.
Ontem, João Moura Jr. teve o azar de lhe
tocar o pior dos lotes. Os toiros não ajudaram minimamente - mas também isso
não fez falta. No momento em que está, o jovem Moura triunfa com que toiro for.
E assim foi no Campo Pequeno. Duas lides brilhantes, contudo, sem o
brilhantismo que certamente desejava. Mesmo assim, duas grandes actuações, onde
ponderou a excelente brega, o enorme oficío e já alguma "maestria"
visível num toureiro rodado e que tem pisado todos os importantes palcos do
universo taurino mundial.
Foi uma grande corrida, uma grande
noite. De praça cheia. A que faltou alguma raça aos toiros. Mas onde sobrou
garra, querer e triunfalismo de um trio que esteve ali para
"guerrear" e para não sair vencido. Uma palavra final, por que justíssima, para o desempenho brilhante de todos os bandarilheiros e em especial das quadrilhas dos dois cavaleiros lusos: Gonçalo Simões, Mário Figueiredo, Hugo Silva e Benito Moura. Muito bem a dirigir, como sempre, ajudando ao engrandecimento da festa que se viveu, também uma palavra de louvor ao competente Pedro Reinhardt.
Em suma, João Salgueiro empolgou e
confirmou. Está de volta e em força. Cartagena ensinou e provou que o ceptro do
toureio a cavalo está, de facto, em Espanha. E Moura explicou por que razão, e
com que razão, chegou finalmente ao topo da escadaria só acessível aos eleitos,
aos maiores.
Parabéns a todos. Parabéns, Rui Bento.
Foi, até aqui, a noite grande da temporada.
Não perca, ainda hoje, a reportagem
fotográfica de Emílio. E todas as fotos da "festa" a seguir à
corrida. Estivemos lá - onde os toureiros comemoraram a sua noite triunfal.
Fotos Guilherme Alvarenga e Rita Barreiros