terça-feira, 3 de junho de 2014

Toda a VERDADE sobre a "alternativa" de Botero depois de amanhã no Campo Pequeno

Jacobo Botero no ano passado em Alcochete com o Maestro João Moura


Está anunciada para depois de amanhã, quinta-feira, no Campo Pequeno, na Corrida da "Flash", segunda da temporada lisboeta - que se espera venha também a esgotar a lotação da praça, como sucedeu na primeira corrida do ano - a alternativa (que o próprio afirmou já ser de rejoneador e não de cavaleiro tauromáquico) do jovem colombiano Jacobo Botero. O assunto tem sido alvo de grande polémica e discussão e hoje mesmo Botero vai tourear dois toiros na praça de Alcochete para completar o número legal de dez espectáculos que, por lei, têm que decorrer entre a prova de praticante (a que não se submeteu, mas a que está, para todos os efeitos, equiparado) e a cerimónia da alternativa. Por forma a esclarecer tudo e acabar de vez com a polémica, investigámos, consultámos documentação, ouvimos autoridades e contamos finalmente toda a verdade - em jeito de pergunta e resposta, aqui vão os factos de que ninguém ainda falou e que todo o mundo deseja saber.

Porque razão Jacobo Botero vai esta tarde tourear dois toiros em Alcochete?
Depois de um cavaleiro prestar prova para praticante, é exigido por lei que participe em dez espectáculos e só depois de os cumprir pode, ao 11º, tomar a alternativa. Botero tem oito espectáculos feitos e por isso faltam-lhe dois. Esta tarde, toureia dois toiros em Alcochete, como se fossem duas corridas de toiros. Foram pagas como tal, legalizadas na Inspecção-Geral de Actividades Culturais (IGAC), têm director de corrida nomeado, médico veterinário, tudo de acordo com a lei. Ao cumprir hoje essas duas corridas, passar a somar as dez que lhe vão permitir tomar a alternativa na próxima quinta-feira em Lisboa, no Campo Pequeno.
Mas Botero não fez a prova de praticante, pelo menos a mesma não foi anunciada em nenhum dos espectáculos em que ele participou nas últimas temporadas em Portugal...
Jacobo Botero não prestou prova para cavaleiro praticante em Portugal, pela simples razão de que nunca teve a intenção de receber a alternativa de cavaleiro tauromáquico, mas sim de rejoneador, visto ser colombiano. Acontece que em Portugal não existe legalmente a profissão de rejoneador, mas sim a de cavaleiro tauromáquico. Por isso, não existe entre nós, de forma legalizada, a alternativa de rejoneador. De qualquer da formas, Botero está devidamente equiparado a cavaleiro praticante, mesmo sem ter feito essa prova, porque se creditou em Espanha, no Ministério do Interior, como rejoneador de novilhos, que é o equivalente ao nosso cavaleiro praticante. Em Espanha, pode ascender a rejoneador de novilhos quem tenha participado em vinte espectáculos. Botero entregou no início deste ano no Ministério do Interior em Espanha o comprovativo da participação, nos últimos anos, em vinte espectáculos taurinos em Portugal, e ficou classificado como rejoneador de novilhos, o que, como cá sucede com os praticantes, já lhe permite tourear em qualquer corrida de toiros no espaço europeu, seja em França, em Espanha ou Portugal. Deste modo, ele é considerado em Portugal como cavaleiro praticante. E como desde a data em que se tornou oficialmente rejoneador de novilhos/cavaleiro praticante até ao dia de hoje, já tomou parte em oito espectáculos, faltavam-lhe dois para completar os dez exigidos por lei e poder, depois disso, receber a alternativa. É essa a razão das duas corridas que hoje toureia em Alcochete, caso que não é inédito e já teve entre nós um precedente: há uns anos, João Salgueiro da Costa também toureou seis toiros em Alcochete, à porta fechada, para somar o número de espectáculos que lhe faltavam para ascender à prova de praticante.
Mas para tomar a alternativa, Jacobo Botero não tem que se apresentar em praça trajado à portuguesa, de casaca e tricórnio?
O problema é mesmo esse. Tem, sim senhor. Como não há em Portugal a classificação de rejoneador e, por conseguinte, a alternativa de rejoneador, por mais razões que assistam a Botero para querer ser rejoneador e não cavaleiro tauromáquico - temos que o respeitar por essa opção, que é inteiramente legítima - a verdade é que na próxima quinta-feira, para receber no Campo Pequeno a alternativa de cavaleiro tauromáquico, teria que, à partida, ir trajado de casaca e tricórnio. Diz a nossa lei (Regulamento Tauromáquico) que o traje é esse e daí não podemos fugir.
Foi o que aconteceu com Paco Ojeda em Santarém?
Exactamente. Por mais críticas que isso tenha motivado, Paco Ojeda cedeu e tomou a alternativa em Santarém vestido de casaca e tricórnio, trajes que nunca mais voltou a usar. Mas assim tomou a alternativa dentro da maior legalidade. Foi ridículo, disse-se na altura que "se mascarou" de cavaleiro e tudo o mais, mas a verdade é que a alternativa foi legal e não levantou problemas.
E a alternativa de Botero na quinta-feira, não vai ser legal?
Para todos os efeitos vai, receberá a alternativa, embora trajado de curto. O que vai acontecer é que depois de terminada a corrida, o director de corrida (que será Pedro Reinhardt) levantar-lhe-à, a ele e à empresa do Campo Pequeno, um auto e ficam obrigados ao pagamento de uma multa por terem desrespeitado a lei. Botero, por ter tomado a alternativa sem usar o traje exigido; a empresa, por ter anunciado e permitido que tal ocorresse na sua praça. Mas, àparte isso, a alternativa é válida. E por muito que o director de corrida esteja, neste caso, obrigado a votar contra, isto é, a não o aprovar, Botero ficará sempre aprovado por que tem dois votos a seu favor, os dos outros dois toureiros do cartel (Rui Fernandes e Ventura).
Pode considerar-se um desrespeito de Botero pelas tradições portuguesas?
De alguma forma, é legítimo que se possa pensar assim. Vários estrangeiros, nomeadamente mexicanos e franceses, receberam em Portugal as suas alternativas, mas receberam as alternativas de cavaleiros tauromáquicos e passaram a tourear sempre de casaca e tricórnio nos seus países. Em Espanha e em França (Nimes), já houve cavaleiros portugueses que receberam a alternativa, se bem que a mesma não foi depois considerada válida cá e tiveram que se submeter de novo a nova prova. Aliás, em Espanha, legalmente, a antiguidade de um rejoneador é considerada pela data da sua apresentação na Monumental de Madrid e até terem inventado recentemente a prova de alternativa (mais significativa do que propriamente legal) essa cerimónia não ocorria nunca com rejoneadores. Há a alternativa de matador de toiros, a seguir ao debute como novilheiro com picadores, mas não existe oficialmente em Espanha a alternativa de rejoneador. E muito menos cá. Diego Ventura, por exemplo, embora lisboeta, optou por ser rejoneador, está no seu inteiro direito. Mas não veio tomar a alternativa a Portugal. Aqui, neste caso, a única coisa que não bate muito certa é  facto de Botero querer ser rejoneador e se submeter à alternativa de cavaleiro tauromáquico em Portugal, trajado de rejoenador e para continuar a ser rejoneador. Isso, Ventura não fez.
Resumindo e concluindo, que alternativa vai Botero receber depois de amanhã em Lisboa?
Resumindo e concluindo, vai receber a alternativa de cavaleiro tauromáquico, depois de esta tarde concluir os dez espectáculos obrigatórios que medeiam a prova de praticante e a cerimónia de alternativa. A partir da noite de quinta-feira, Jacobo Botero passa a ser legalmente cavaleiro tauromáquico profissional, mas na prática será, como ele optou, rejoneador.
É uma ilegalidade?
Ilegalidade não é. Mas também não é uma legalidade, é antes uma trapalhada "à portuguesa". A única ilegalidade ou, se preferirem, o único desrespeito pela lei, é tomar a alternativa trajado de curto, não cumprindo, por isso, o que está exigido na nossa lei, que é o traje tradicional de casaca e tricórnio. Pagará por isso uma multa - e a empresa também - e portanto tudo se resumirá, no fim, a um problema simplesmente monetário e mais nada. Digamos que Jacobo Botero não vai atropelar ninguém, nem chocar com outro automóvel, continuará a ter carta de condução, mas será multado por que passou um sinal vermelho. E a lei diz especificamnete que o sinal vermelho é para parar. Depois de pagar a multa, tudo continuará como dantes e não haverá mais nada a apontar à cerimónia da próxima quinta-feira no Campo Pequeno. Por isso, siga para bingo, que a praça esgote outra vez e que Botero e os seus companheiros triunfem, que isso é que faz falta!
Quem é que se pode opôr a esta alternativa?
Se quisessem, podiam opôr-se os cavaleiros portugueses. Existe uma Associação de Toureiros (nova designação do Sindicato), que até aqui não tomou posição contra. Mas também não vem nenhum mal ao mundo, nem à Festa, pela alternativa de Botero. Na realidade, ele vai ser rejoneador, mas vai receber em Portugal a alternativa de cavaleiro tauromáquico, sem se submeter ao que a lei exige, ou seja, sem se trajar como deve ser. É mais ou menos como ir para a sala de exame em fato de banho e de sandálias. Se os professores não se opuserem e se passar no exame, está aprovado e que se lixe a forma como ia vestido.

Foto Henrique de Carvalho Dias