segunda-feira, 2 de maio de 2016

Vila Franca: toiros, toureiros e forcados renderam a maior das homenagens à memória de um Grande Senhor

Presente!
A filha (Rola Palha) e os netos de Fernando Palha, com o maioral da ganadaria,
na arena, no início da corrida de ontem em Vila Franca, onde se rendeu emotiva
homenagem ao emblemático ganadeiro e exemplar aficionado
Esteve António Telles muito bem a lidar o bravo toiro da ganadaria de seu pai em
primeiro lugar (toiro sobrero que substituiu o de Núncio, lesionado quando o
embolavam) e verdadeiramente magistral frente ao exemplar de Fernando Palha
A arte, o saber e a classe de Manuel Telles Bastos. Duas excelentes actuações com
os toiros de Passanha Sobral e David R. Telles
Duas soberbas actuações de um "novo" Francisco Palha, seguro, maduro e
confiante, bem montado, frente aos toiros de António Silva e Canas Vigouroux
A corrida terminou com Francisco Palha a chamar António e Manuel à arena para
juntos receberam uma enorme ovação em reconhecimento pela grande tarde de
bom toureio que ontem nos proporcionaram na "Palha Blanco". Em baixo,
os ganadeiros vencedores do concurso, Luis Palha (bravura) e Canas Vigouroux
(apresentação)




Miguel Alvarenga - Vila Franca viveu ontem uma tarde de toiros carregada de emoções, de recordações, de enorme simbolismo e, acima de tudo, de grande saudade. Saudade de Fernando Palha, aquela figura inconfundível e ilustre, que nos dava uma imagem de um tempo outro e que transbordava dignidade e respeito nas bancadas onde, sempre com seu típico chapéu, honrava as gentes com a sua presença. Na "Palha Blanco" rendeu-se homenagem ao ganadeiro e também ao Homem. Rendeu-se homenagem à distinção, ao exemplo, à vida - à diferença com que este Grande Senhor marcou a Festa.
A filha, Rola Palha, os netos e o maioral da ganadaria atravessaram à arena, já então emoldurada por campinos e ficaram ali nos médios, ladeados pelos campinos "Janica" e "Café", que depois e ao longo da corrida, haveriam também de brilhar na recolha eficiente de todos os toiros a cavalo. Foi lido um bonito texto onde se prestou tributo ao homenageado. Ao intervalo, nos corredores da praça, descerrou-se uma placa a voltou-se a lembrar Fernando Palha pela voz de membros da Santa Casa da Misericórdia. A Dª Isabel, sua viúva, sua companheira de uma vida, Senhora exemplar, foram oferecidas algumas lembranças por parte de instituições e tertúlia taurinas.
Na arena, fez-se a festa e foram os três cavaleiros, sobrinhos de Fernando Palha, que lhe renderam a maior das homenagens. O toiro "Romeiro" da sua ganadaria, superiormente lidado por António Telles (afilhado do homenageado), venceu muito justamente o troféu para a bravura neste regressado Concurso de Ganadarias da "Palha Blanco".
O troféu para a apresentação foi também merecidamente ganho pelo toiro de Canas Vigouroux, não excessivamente grande, com o tipo e a morfologia que um toiro deve ter e que, além disso, teve digno comportamento diante de um Francisco Palha muito seguro e muito senhor de si.
O toiro da ganadaria Branco Núncio inutilizou-se nos curros, no acto de embolação e por isso foi lidado em primeiro lugar o sobrero de Ribeiro Telles, um toiro bravo e que proporcionou lide séria e muito bem executada a António Telles, pena que não tenha entrado no concurso.
O segundo toiro, com um peso excessivo de 630 quilos (!) pertencia a Passanha Sobral, foi um toiro que impôs seriedade e que Manuel Telles Bastos lidou na perfeição, conseguindo ferros de muita emoção e imensa verdade, após colocações perfeitas e brega muito bem desenvolvida.
O terceiro toiro era de António Silva e foi manso, procurando ao longo de toda a lide um "buraco" por onde se escapar à luta. Cedo procurou refúgio nas tábuas e Francisco Palha lidou-o com saber e garra, arriscando e triunfando. Pisando terrenos de compromisso, pôs a carne no assador, não cruzou os braços, fez-se à guerra e o resultado foi uma lide de grande nível, onde o jovem cavaleiro se mostrou seguro e confiante, com um toureio de muita maturidade e que surpreendeu pela positiva. Está um Senhor Toureiro.
O toiro de Fernando Palha saíu em quarto lugar e proporcionou a António Telles uma lide que não se descreve, daquelas que se sentem no momento e depois não é fácil reproduzir em palavras. O toiro foi crescendo ao longo da lide e António, moralizado e talvez mesmo emocionado pelo facto de estar diante do exemplar da ganadaria do seu padrinho, que ali se recordava, agigantou-se e esteve simplesmente enorme. Assim se toureia, assim se cumprem à letra todas as regras da arte de tourear a cavalo. Foi um monumento e tão cedo não se vai esquecer. Grande António! Tanta maestria, tanto bom gosto, tanto aprumo, tanta arte, meu Deus!
Dizem os antigos que "não há quinto mau". O toiro de David Ribeiro Telles investiu com alegria e emoção, a lide de Manuel Telles Bastos foi excelente e uma vez mais marcada pela classe de um jovem que nunca foi atrás das modas e sempre se manteve fiel ao estilo "antigo" que aprendeu com o Mestre, seu Avô. Brega rigorosa, emoção nos cites, ferros de verdade e em terrenos onde não pode haver hesitações, só mesmo êxitos. Foi assim que triunfou Manuel Telles Bastos neste segundo toiro do seu lote.
O último toiro, vencedor do troféu de apresentação, era de Pedro Canas Vigouroux. Um toiro bonito e que se revelou sério ao longo da lide, com codícia e excelente desempenho. Um toiro que pediu contas e que teve pela frente o "renovado" Francisco Palha, arrisco chamar-lhe assim, já que nas últimas temporadas nem sempre foram brilhantes as suas passagens por arenas nacionais. Desta vez, Palhinha esteve por cima, demonstrou, repito, maturidade e segurança, voltou a andar tranquilo, senhor das situações, muito bem montado e cheio de moral. Brindou a sua Tia Isabel, viúva de Fernando Palha e acho que esse brinde, até às lágrimas, o terá inspirado. Foi uma lide perfeita. E agora, sim, podemos e devemos voltar a acreditar num toureiro bom que nunca defraudou ninguém e sempre prometeu que um dia haveria de dar o salto. Foi ontem. Um forte olé, Francisco!
Sobre as pegas dos Forcados de Vila Franca e das Caldas, já aqui ficou tudo dito anteriormente. O troféu que tem o nome do saudoso João Villaverde e que era atribuído pelo segundo ano consecutivo por louvável iniciativa do empresário Paulo Pessoa de Carvalho, foi merecidamente ganho pelo Grupo das Caldas, sem que isso tenha desprestigiado, antes pelo contrário, o brilhante e decidido desempenho dos Amadores de Vila Franca. Houve competição.
Aplausos para todos os bandarilheiros participantes e para a também emotiva e brilhante actuação dos fantásticos campinos "Janica" e "Café", que impuseram a sua arte (é arte, sim senhor) na recolha dos seis toiros a cavalo, sendo premiados com justíssima volta à arena no quinto toiro da tarde.
Rogério Jóia dirigiu a função com a sempre usual aficion e distinção. Esteve bem em todos os pormenores, inclusivé na exibição do lenço azul, que apesar de se tratar de um Concurso de Ganadarias e ainda faltar lidar um toiro, permitiu a merecida recolha de aplausos na arena de Luis Palha, representando a ganadaria de seu pai. Foi também uma distinta homenagem ao ganadeiro que ali se lembrava, por parte do eficiente e atento director de corrida.
Por fim, uma única "queixa": a sombra estava cheia, no sol havia clareiras. A memória de um Senhor como foi Fernando Palha impunha - e merecia - que os aficionados tivessem ontem esgotado a "Palha Blanco". Mas na nossa Festa, para mal dos nossos pecados, nem sempre tudo é como deveria ser. Pena.

Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com