Numa das suas raras aparições numa praça de toiros, no ano passado, com a neta em Salvaterra de Magos na Tourada Real |
Com Joaquim Bastinhas, de quem foi apoderado durante dezasseis anos e Fernando Martins, antigo presidente do Benfica |
Rogério Amaro fardado em Junho de 2014 na Monumental do Montijo, com António Sécio e José Luis Figueiredo - três ex-cabos do GFA do Montijo na corrida de comemoração do aniversário do grupo |
Miguel Alvarenga - “É verdade que o bichinho continua cá dentro e às vezes sinto vontade e necessidade de voltar, mas já não tenho pachorra. O nosso tempo era outro, hoje está tudo diferente e as coisas não estão fáceis, é mais complicado” - as palavras são do histórico empresário taurino Rogério Amaro numa entrevista em 2010 ao jornal “Farpas”, um ano depois de se ter separado de Joaquim Bastinhas (que apoderou ao longo de dezasseis anos) e de ter abandonado por completo o mundo tauromáquico.
“Se um dia voltar, só volto em grande!”, dizia na altura, depois de durante vinte e um anos ter gerido a empresa Toiros & Tauromaquia com António Manuel Cardoso “Nené”, chegando num ano a estar à frente de treze praças de toiros, incluindo a de Angra do Heroísmo, nos Açores.
Oito anos depois desta entrevista ao “Farpas”, Rogério Amaro, que também foi cabo do Grupo de Forcados Amadores do Montijo e apoderou inúmeros toureiros (além de Bastinhas, foi apoderado, com "Nené", de João Ribeiro Telles, Paulo Caetano, João Salgueiro e Vitor Mendes e também de José Mestre Batista, entre outros mais), jantou ontem comigo e com o seu antigo sócio “Nené” em Lisboa, na Taberna Saudade, e não se afastou um milímetro do que me disse nessa referida entrevista:
“Continuo a ser aficionado, obviamente, leio as revistas taurinas, vejo o ‘Farpas’ de vez em quando, não sou muito dado a coisas da internet, faz-me falta o jornal impresso, falo com um ou outro amigo dos toiros, mas continuo afastado, já lá vão uns bons anos e nem muitas corridas vejo. Foram muitos anos a ver sempre os mesmos toureiros…”.
Aos 70 anos de idade, Rogério Amaro está hoje dedicado exclusivamente à sua empresa transitária e dá-se ao luxo de gozar os fins-de-semana no seu refúgio em Salvaterra de Magos, de onde é natural, “um palacete que ali construí e onde desfruto da companhia das minhas três netas”. Voltar aos toiros como empresário continua completamente fora de questão:
“Eu hoje não sei falar, não saberia dialogar, com esta nova gente que manda no mundo dos toiros. Salvo raríssimas excepções e nem vale a pena apontá-las, são pessoas que não têm nada a ver com a minha forma de ser. Apoderei vários toureiros e sempre houve diálogo com os empresários. E vice-versa, fui empresário e sempre houve diálogo com os apoderados e os toureiros. Hoje em dia está tudo mudado, está tudo ao contrário…”.
E explica:
“Sei de casos, por exemplo, de toureiros que são contratados por três mil euros e quando a corrida chega ao fim o empresário diz ao apoderado: ‘Só há mil e quinhentos, se quiser, quer, se não quiser, paciência’. Isto é incrível. Mas é o estado a que deixaram chegar a nossa Festa. Não tem a ver comigo, não tem a ver com o meu feitio, eu não era capaz de andar hoje nos toiros assim…”.
“Só num ano gerimos treze praças, incluindo a de Angra, na Ilha Terceira. Estávamos à frente, entre outras, das praças da Moita, de Santarém, de Évora, de Alcochete, do Montijo, de Cascais, de Salvaterra, de Moura, de Portalegre… mandávamos nisto tudo”, graceja “Nené”. E Rogério apressa-se a corrigir:
“Não mandávamos. Era diferente. Tínhamos prestígio, que é outra coisa bem mais importante. Mandar é uma coisa distinta e nos dias de hoje, quem manda tem aquela sensação de quero, posso e mando. Nós ‘mandávamos’ sem maldade, o que tínhamos era prestígio. Pagávamos o que se combinava, tínhamos crédito junto de ganaderos, não pedíamos descontos aos toureiros e se uma corrida corria menos bem e éramos obrigado a pedir uma redução no cachet combinado, na corrida seguinte pagámos mais para compensar e as coisas acabavam por ficar ela por ela. Não devíamos um tostão a ninguém, cumpríamos sempre com o que tínhamos acordado. Eram outros tempos. Havia senhorio na Festa, havia glamour, havia carisma e havia dignidade e categoria. Comíamos nos melhores restaurantes, os nossos toureiros vestiam-se nos melhores hotéis, andávamos de Alfa Romeo, os toureiros ganhavam dinheiro e nós, empresários, trazíamos sempre para casa uma mala cheia de dinheiro. Ganhámos muito dinheiro e demos muito dinheiro a ganhar aos toureiros, aos ganaderos e a todos, bebiam-se muitos copos, mas sabíamos comportar-nos... Eram outros tempos, hoje tudo mudou…”.
E recorda:
“O ‘Nené’ trocava de carro quando queria…”.
E o ex-sócio confirma:
“É verdade! Hoje não se ganha dinheiro… tenho o mesmo automóvel desde 2003…”.
E as recordações vão surgindo ao longo do nosso jantar. Fala Rogério:
“O Bastinhas ia ao Campo Pequeno e cobrava dez mil euros, era o que ganhava mais a seguir ao Moura. No tempo em que apoderámos o João Salgueiro, pagávamos mil e quinhentos contos ao Moura e mil e duzentos e cinquenta ao Salgueiro. O João Salgueiro foi um toureiro do caraças, tinha um par de tomates do outro mundo e estava muito bem montado. Teve épocas enormes. E nós pusemos os toureiros a ganharem dinheiro. Hoje, vão aqui e ali ao preço da uva mijona e é se querem, porque senão ficam em casa. Deixou de haver senhorio na tauromaquia, deixou de haver categoria, hoje é tudo de qualquer maneira e nada disto tem a ver comigo, connosco, com o nosso tempo…”.
“Não me compete a mim fazer críticas a este gente nova que comanda a Festa, até porque já estou afastado há anos, mas a verdade é que isto já não tem absolutamente nada a ver comigo. Não tenciono voltar, mas se voltasse garanto que fazia tudo diferente do que hoje fazem…”, afirma.
E acrescenta:
“O Campo Pequeno tem uma estrutura empresarial à antiga, o Rui Bento e a actual administradora têm feito um trabalho notável, o ‘Nené’ e poucos mais continuam a defender uma forma de ser empresário que era a do nosso tempo, mas a verdade é que a maioria das praças está nas mãos de gente nova que vive e sente o negócio taurino de uma forma muito distinta daquela com que eu me identificava e realizava. Nós éramos diferentes… Inventavam-se, ou antes, criavam-se acontecimentos, demos as corridas de ‘A Capital’ e outras, que foram inovações na época, montavam-se cartéis apelativos e com interesse, o público enchia as praças, os toureiros andavam com dignidade e ganhavam dinheiro e nós, empresários, volto a dizer, vínhamos para casa com uma mala cheia de dinheiro. Perdia-se 10, ganhava-se 100… hoje, ganham 10 e perdem 100…”.
E mais:
"Havia críticos taurinos a sério. Eram homens conhecedores e de respeito. Hoje em dia até me aflige e me incomoda ler, quando leio, o que se escreve por aí nesses muitos sites, alguns são só de fotografias e os que têm escrita... meu Deus! Existe hoje uma nova classe de pretensos críticos taurinos que não só não entendem nada, não sabem do que escrevem, como pensam que são sábios... Compram uma máquina fotográfica digital e pedem senhas para as trincheiras...".
“Quando saí da nossa empresa Toiros & Tauromaquia, que formei com o ‘Nené’ em 1983 ou 1984 e que gerimos durante vinte e um anos, muita gente pensava que nos tínhamos zangado… mas isso nunca aconteceu. Somos amigos para a vida e a prova está em que aqui estamos a jantar e se algum dia voltasse, seria sempre em sociedade com ele. Abandonei porque estava farto, estava cansado e precisava de tempo para a minha empresa e para a minha família. Depois de abandonar a empresa, ainda continuei como apoderado do Bastinhas e mais tarde geri a empresa do cavaleiro João Pedro Cerejo, mas há uns quinze anos afastei-me de vez e hoje em dia até vou a poucas corridas. Mantenho-me informado, leio a imprensa taurina, assino a revista ‘Aplausos’ e o ‘Novo Burladero’ e pouco mais. E tenho uns almoços ou jantares de vez em quando com alguns amigos dos toiros, mais nada…”, diz Rogério Amaro, a terminar.
O jantar durou até às tantas e foi um recordar de memórias que davam para encher um livro. Ou dois, ou mais.
“Quando nos juntamos, isto parece a RTP Memória…”, diz “Nené”, em jeito de remate.
Fotos D.R., Patrício Estay, Maria Mil-Homens, Emílio de Jesus e M. Alvarenga