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António Telles puxou dos seus galões e da sua maestria nas lides brilhantes dos toiros de Fernando Palha e de Vinhas |
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Luis Rouxinol não sabe estar mal. Duas lides memoráveis aos toiros de António Silva e de Castro |
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A corrida fechou com chave de ouro com Telles e Rouxinol a lidarem a duo, com emoção e em perfeita sintonia, o último toiro, de Vale Sorraia, que cabia a Palha |

Para se ser figura do toureio não pode haver meias tintas. Triunfa-se ou morre-se. E Francisco Palha foi mesmo isso que disse ontem em Salvaterra. Uma porta de gaiola que foi muito mais que uma porta de gaiola, uma queda aparatosa e uma actuação em mangas de camisa, com um ombro deslocado, marcaram o gesto deste toureiro único. Os veteranos Telles e Rouxinol tiveram uma tarde de estrondo, assim como quem diz "nós não largamos o trono tão cedo". Os forcados de Santarém e Coruche viveram uma jornada de triunfo memorável. Houve toiros a sério. E quando isso acontece...
Miguel Alvarenga - Está qualquer coisa a mudar na nossa Festa. E por isso se vêm sucedendo corridas de praça cheia, tardes de risco e emoção, toureiros que se estão a afirmar - e eu diria mesmo, a consagrar - e todo um fulgor que está a regressar em força à tauromaquia lusa.
Os cavaleiros veteranos melhoram de dia para dia como o vinho do Porto. As figuras da nova vaga despertaram de uma vez por todas e começam, mais vale tarde que nunca, a dar a cara e a deitar cartas. E há novas estrelas a iluminar um mundo que andava tão acinzentado, como são os casos de Francisco Palha, de Luis Rouxinol Júnior e agora também do jovem António Prates.
Factor importantíssimo: o público está finalmente a exigir o toiro de verdade, o toiro sério e que mete medo, em nome da verdade e do regresso da emoção às nossas arenas, fechando-se assim o ciclo (deplorável e mesmo degradante) do tempo dos toiros "nhoc-nhoc", do tempo das facilidades e das brincadeiras às touradas. Mais exigente que nunca - e também mais entendido -, o público aficionado abriu finalmente os olhos e reclama agora pelo risco, pela emoção, pelos toureiros e pelos toiros impróprios para cardíacos. Tudo está de novo a mudar. E tudo está a ficar em definitivo no seu lugar. O momento é dos toureiros de barba rija. O público está, de uma vez por todas e ainda bem, a virar as costas aos meninos que insistem em só tourear os toirinhos de corda...
Depois de mais um grito de euforia de Rouxinol Júnior e de Prates na véspera no Montijo, Francisco Palha chegou ontem a Salvaterra com a decisão e a atitude de quem vinha para mudar o mundo. E a verdade é que mudou.
Entrou sereno e tranquilo em praça para lidar o terceiro toiro da corrida, o de Veiga Teixeira, que viria a ganhar o prémio de bravura neste concurso de ganadarias. Um toiro sério, exigente, a pedir contas e a meter medo. A impor respeito. Um toiro que transpirava bravura e emoção.
Sem o "conhecer" ainda, Palha mandou retirar da arena os peões de brega e perfilou-se do outro lado da arena, frente aos curros, a prometer uma arriscada sorte de gaiola. Mas depois fez muito mais do que isso.
Mal se abriram as portas e a sombra do toiro se fez notada no fundo dos curros, Francisco Palha arrancou pela arena fora direito à porta dos sustos, não esperou por mais nada e assim que o toiro saíu à praça foi-lhe à cara, de frente, com o arrojo e a ousadia dos heróis, cravando um ferro verdadeiramente impróprio para cadíacos, saindo depois a rodar por detrás, num milimétrico palmo de terreno. A praça veio abaixo e só isto, não fosse depois a forma magistral como Telles e Rouxinol lidaram os toiros seguintes, teria feito dele o triunfador maior da tarde, eu por mim proclamava-o já, sem nenhum complexo, como máximo triunfador de uma temporada que ainda agora está a começar, não vai ser fácil voltar a ver igual.
Quando depois levava o toiro, violento e agressivo, embebido na garupa do cavalo, este escorregou e o oponente investiu sobre ele, derrubando-o e arrastando Palha na queda, que podia ter tido consequências gravíssimas. O toureiro ficou inerte na arena, tiveram que o levantar e foi levado para dentro, ninguém imaginando que voltaria à praça, todos preparados para ver António Telles, cabeça de cartaz, terminar a lide inacabada de Palhinha.
Mas ele voltou. Voltou com a dor estampada no rosto, em mangas de camisa, mas com a raça a pulsar no coração e a vontade férrea de se proclamar como primeira figura a invadir-lhe a alma, essa alma de toureiro grande, essa alma que está a marcar a diferença e que já mudou por completo a nossa Festa, restituindo-lhe o perigo, a emoção, mas, acima de tudo, a verdade.
Francisco Palha é um toureirão sem igual e a lide que desenhou a seguir, plena de emoção, de risco, a provocar batidelas fortes nos corações de uma praça cheia, perfeitamente imprópria para cardíacos, foi uma lide que nem me vou atrever a descrever. Sentiu-a quem viu e quem não esteve, estivesse.
Foram muitos os momentos em que o perigo voltou a pairar na arena, Palhinha arriscou até à última, pisou a linha de fogo, cravou ferros incríveis, o público explodiu várias vezes na bancada, despediu-o de pé, com uma ovação calorosa.
Depois veio dar a volta com o forcado e com o braço direito "pendurado", deixando desde logo antever que não ia ser possível vê-lo lidar o último toiro da corrida. Da enfermaria seguiu para o Hospital de Santarém, de onde teve alta ao final da noite. Deslocou o ombro direito e mesmo com essa lesão lidou o seu toiro, sabe-se lá como o fez. Este manhã foi observado em Lisboa pelo Dr. Manuel Passarinho e na próxima quarta vai voltar a sê-lo, só então se fazendo a avaliação final e decisiva da verdadeira amplitude da lesão. À partida e segundo o seu apoderado Rafael Vilhais, não vai ser preciso ser operado, mas umas semanas de repouso ninguém lhas vai evitar, pelo que pode estar em causa a sua participação na corrida da Feira da Ascensão na Chamusca (dia 30), sendo mais provável que a reaparição aconteça a 16 de Junho em Santarém.
Depois de ontem, nada vai ser igual a dantes. Se já há dois anos vinha afirmando o seu estatuto de figura, Francisco Palha consagrou-o ontem indiscutivelmente. Toureiros de meias tintas nunca chegaram a lado nenhum. Toureiros como Palhinha foram e ainda são grandes figuras deste mundo onde afirmar-se e consagrar-se é fazer o que ele ontem fez na arena de Salvaterra.
Foi dele a tarde, ainda que só tivesse estado na arena na lide de um toiro. Mas acabou também por ser uma tarde importante de António Ribeiro Telles e de Luis Rouxinol. Os veteranos teimam em não baixar os braços e de maneira alguma se rendem à juventude dos novos. Ontem, eles responderam à ousadia com que Palha lhes fez frente, assim como quem diz "aguenta aí, és muito bom, mas nós ainda estamos cá!". E estiveram.
António Ribeiro Telles é todo ele um compêndio de arte, de classe e de toureio bom. O primeiro toiro da tarde era da ganadaria de Fernando Palha, um toiro muito sério, muito bonito, que se adiantava e não permitia deslizes. Lide de risco a de António, mas acima de tudo, lide de maestria plena. Enorme, diferente.
O quarto da ordem era outro bonito toiro de Vinhas, com o peso exagerado de 670 quilos, um toiro que impunha respeito, mas não fazia muito mal. Lidou-o António com a maestria do seu bom toureio e a beleza da sua arte. Foi outra lide empolgante, o público de pé a reconhecer o valor e a raça de um toureiro sem idade. António, o Grande, pôs Salvaterra do avesso! Impressionante como os anos passam e ele está cada vez melhor, cada vez mais seguro e cada vez mais Maestro.
Adorava um dia, desculpa lá, Luís, ver o Rouxinol dar um grande petardo, apenas e só pela curiosidade de poder constatar como era, como reagia ele e como reagiria o público. Mas tenho hoje a certeza, com toda a convicção, de que nunca vou ver uma coisa dessas. Luis Rouxinol é um toureiro "sempre bem", de uma estabilidade permanente e sólida. Os toiros não lhe exigem o bilhete de identidade e a sua juventude é coisa eterna - e única.
Com o cavalo "Douro" esteve magnífico, inantingível. Sem o cavalo "Douro" voltou a estar magistral, apoteótico. Rouxinol tem argumentos para todos os toiros, é um profissional de uma craveira que arrepia e apetece aplaudir mal entra em praça.
Lidou em primeiro lugar o toiro do Dr. António Silva, uma estampa que ganhou o prémio de apresentação (segundo toiro da ordem) e esteve empolgante na forma como bregou, como lidou, como abordou o oponente e como cravou. Em segundo lugar (quinto toiro) enfrentou o bravo exemplar de Fernandes de Castro, outro toiro de respeito, e superou-se a ele mesmo, esteve acima de todas as médias, enorme.
Ia a corrida terminar em crescendo e em ritmo de verdadeira apoteose. Telles e Rouxinol lidaram a duo o último toiro, que cabia a Palha e era da ganadaria Vale Sorraia. Um toiro com pouca cara, mas que foi bravo e também impôs seriedade e respeito. Lide "sem parança", cheia de momentos emotivos, a cada ferro respondeu o outro com mais um ferro logo de seguida, sem tempos mortos, cheia de ritmo e com os dois toureiros em perfeita sintonia. Ferros e mais ferros, público de pé, chave de ouro a fechar a porta de uma grande tarde de toiros - das que fazem aficionados.
Por curiosidade: António Telles já toureou em todos os anos que leva de alternativa 21 mano-a-manos, mas nunca um com Luis Rouxinol. Na forma em que os dois se encontram, está na hora de o fazerem. O que acham, senhores empresários? Vamos nisso! A Festa precisa de inovação, de coisas diferentes e, por mais vistos que estejam, e estão, estes dois cavaleiros, um "duelo" entre ambos não deixaria de ser inovador e diferente.
Das seis imponentes pegas da tarde de glória suprema dos grupos de Amadores de Santarém e Amadores de Coruche, já aqui ficou tudo dito anteriormente.
Uma palavra de louvor para a arte e o desmedido valor com que andaram pela arena, sem excessos, com oportunidade e rigor, todos os bandarilheiros das quadrilhas dos três cavaleiros. Toureiros de verdade frente a toiros a sério.
Foram júris do concurso de ganadarias nesta que era a Corrida dos Agricultores de Tomate do Ribatejo, o médico veterinário e comentador taurino da RTP Dr. Vasco Lucas e os antigos forcados José Luis Gomes e Francisco Marques "Chalana". A escolha não era assim tão fácil (na bravura também se tinham destacado os toiros de Castro e de Vale Sorraia), mas não houve na praça um único protesto à decisão dos jurados: prémio de bravura para o toiro de Veiga Teixeira e de apresentação para o do Dr. António Silva.
No final, Telles e Rouxinol deram aplaudida volta com o forcado de Coruche que pegou este último toiro e foi ainda chamado à praça Diogo Malafaia, bandarilheiro da quadrilha de Francisco Palha, a quem o público tributou também calososa ovação.
Ao intervalo foi descerrada nos corredores da praça uma placa de homenagem à memória da ilustre ganadera e actriz Dª Maria Teresa Ramalho (Tareka), que ontem se recordava nesta corrida e nesta praça onde nos anos 60 trouxe as maiores figuras do toureio de Portugal e de Espanha nos recordados festivais que aqui organizou a favor do Movimento Nacional Feminino.
Rafael Vilhais, o empresário que nas últimas temporadas voltou a pôr de pé esta praça de Salvaterra de Magos, teve ontem mais um êxito para o já brilhante palmarés da sua séria e dinâmica gestão: a praça encheu e os ingredientes que ele reuniu, com saber e mérito, resultaram em cheio. Foi, repito, uma grande tarde de toiros.
Manuel Gama dirigiu a corrida com acerto e competência, assessorado pelo médico veterinário Dr. Luis da Cruz e José Henriques foi, como costuma ser, o cornetim da tarde, brindando os toureiros e o público com a sua arte.
Tarde de imenso calor e de muita poeira. Por mais que tivesse sido regada antes do início da corrida e por duas vezes durante a mesma, a arena jamais amainou e a poeirada andou pelo ar ao longo de todo o festejo.
Como já acontecera no ano anterior, uma menina airosa e elegante foi quem entrou na arena, de toiro em toiro, empunhando o painel que anunciava o peso e a identidade da ganadaria a lidar. Há um ano foi novidade. Desta vez provocou um ou outro piropo em forma de assobio como elogio atrevidote, mas a verdade é que ontem se passaram na arena coisas bem mais sérias e bem mais atractivas que a escultural menina "dos pesos".
Fotos M. Alvarenga