segunda-feira, 15 de maio de 2023

Tarde única ontem em Salvaterra: uma corrida que marca a temporada

Miguel Alvarenga - Com enorme ambiente e muitas caras conhecidas nas bancadas, a praça de toiros de Salvaterra de Magos (pintada a primor, primeiro passo das obras de reabilitação, que prosseguem nos próximos tempos) foi ontem palco daquela que há-de ficar lembrada como uma das melhores corridas desta temporada.

De facto, não é todos os dias que os aficionados saem de uma praça "de papo cheio" e a comentar os triunfos dos três cavaleiros e dos dois grupos de forcados nos seis toiros. Ana Batista, Marcos Bastinhas e João Ribeiro Telles, cada qual no seu estilo, estiveram nivelados e os três em plano de triunfadores nos dois toiros dos seus lotes, exemplares de comportamentos distintos, pertencentes a seis ganadarias que disputaram o tradicional Concurso de Ganadarias, uns mais complicados, outros menos, mas todos exigentes e a pedir contas, toiros daqueles que dão emoção a qualquer corrida. 

E os dois Grupos de Forcados, Montemor e Coruche, protagonizaram também, e como já anteriormente aqui referi em pormenor, uma jornada histórica e emotiva de grandes pegas.

Melhor era impossível para marcar a estreia da nova Comissão Taurina que gere a praça de Salvaterra, composta por José da Costa, António Manuel Silva (o novo apoderado de Ana Batista), Arménio Azenha Dias e José Rafael, que formam parceria com o empresário Luis Pires dos Santos (apoderado de Bastinhas) nesta nova etapa à frente da centenária praça ribatejana.

E assim é agora, porque assim o entendeu a Santa Casa da Misericórdia de Salvaterra, proprietária da praça, substituindo o antigo adjudicatário Rafael Vilhais pelo novo quarteto, que ao fim e ao cabo é um quinteto. Rafael levantou e recuperou esta praça, instituiu este Concurso de Ganadarias nesta Corrida do Tomate, montou aqui grandes cartéis - e por isso merecia continuar. A Santa Casa optou por outra solução. Nem sempre as decisões são justas. Rendo aqui as minhas homenagens a Rafael Vilhais - e desejo os maiores êxitos, como o de ontem, aos gestores que o vieram "dobrar", apesar de a sua "pega" ter sido consumada com todo o brilhantismo nos últimos anos.

Passando à análise propriamente dita da corrida, tenho que agradecer à Ana, ao Marcos e ao João o facto de me pouparem hoje a grandes detalhes. As suas actuações nos seis toiros foram de tal forma notáveis que dispensam maiores comentários.

Ana Batista abriu praça com um toiro exigente de São Marcos, não esteve muito acertada na ferragem comprida, mas depressa se recompôs com o fantástico cavalo com o ferro de Pablo Hermoso, realizando uma lide em crescendo. Está mais moralizada que nunca e tem neste momento, porventura, a melhor quadra da sua carreira, o que lhe oferece uma muito maior segurança, aliada à classe, ao valor e à arte de sempre.

O quarto toiro, de Luis Terrón, era um matreiro, reservado, mansote, que esperava e tinha arrancadas perigosas. Ana impôs-se e depressa venceu as barreiras que o oponente lhe colocava. Pisando terrenos ousados, cravou ferros de muita verdade e emoção. Uma lide superior, de maestria e domínio. A reafirmar o grande momento que atravessa.

Marcos Bastinhas enfrentou em segundo lugar, com a temeridade e a exuberância que o tornam diferente, mas também com a verdade e o risco que imprime às sortes, o bravo toiro de Passanha, que ganhou precisamente o prémio de bravura. Toiro a pedir contas, a não permitir deslizes. Marcos atravessa um momento alto e tem argumentos (e cavalos) para qualquer toiro. Conquista o público com a sua contagiante alegria e isso é meio caminho andado para o impacto e o sucesso das suas actuações. Esteve grande neste seu primeiro toiro, terminando com um extraordinário par de bandarilhas.

O quinto, de Varela Crujo Herdeiros, era um toiro com teclas e cheio de sentido, bonito de apresentação, mas meio distraído. Marcos Bastinhas prendeu-o desde o primeiro instante, esteve enorme com o já célebre cavalo "Da Vinci", cravando ferros de parar corações, entrando recto pelo toiro dentro, emocionando. Terminou com dois belíssimos ferros de palmo, já com o público em perfeita euforia. Ninguém trava o triunfador Bastinhas nesta temporada!

Depois de um triunfal início de temporada, aquela em que celebra 15 anos de alternativa, em praças do México, de França e de Espanha e apenas com duas presenças anteriores em festivais do arranque da época, João Ribeiro Telles manteve-se recatado e ontem era a primeira corrida de toiros da sua campanha de 2023, pelo que a expectativa em vê-lo era grande.

Enfrentou em primeiro lugar o belíssimo toiro de Veiga Teixeira, vencedor do prémio de apresentação e que era também, para o público entendido, um dos sérios candidatos ao prémio de bravura. João iniciou a sua campanha de forma brilhante e na excelente forma de sempre. Bem montado, altamente moralizado, a deitar cartas e a nunca deixar os seus créditos por triunfos alheios. Brega impecável, ferros de muita emoção, uma lide perfeita a que o público não regateou fortes aplausos.

O sexto toiro era da ganadaria da casa, a de Ribeiro Telles, tinha chama, foi um toiro voluntarioso e bravo, a arrancar-se com alegria e com emotivas investidas de todos os terrenos. Não tinha vindo mal algum ao mundo se tem ganho o prémio de bravura. João Telles esteve magistral, ladeando a um palmo do oponente, citando de frente, cravando com verdade e arrojo em terrenos de compromisso. Trouxe depois o cavalo "Ilusionista", o dos ferros que arrepiam, e cravou dois imponentes curtos e mais um, ainda, a pedido do público, terminando em beleza e com todos de pé a aplaudir.

Melhor, repito, era impossível. Houve um triunfador destacado? Não propriamente. Ontem, em Salvaterra, houve três grandes triunfadores. O que é preciso fazer mais para sair em ombros de uma praça? Deviam ter saído os três!

Por fim, uma palavra de justiça para o desempenho dos seis bandarilheiros que ontem coadjuvaram as lides. Palmas para todos, mas um aplauso especial para dois deles. Duarte Alegrete marca a diferença pela classe, pela arte e pela maestria com que lida de capote. E Miguel Batista, que com ele forma parelha na quadrilha de Telles, afina pelo mesmíssimo diapasão. Os toiros não chegam a tocar-lhes nos capotes. Com deve ser. Arte e maestria. Tiro-lhes o chapéu.

Foi acertada a direcção de Tiago Tavares, com competência e exigência a conceder música apenas no momento exacto. Esteve ontem assessorado pelo reputado médico veterinário José Luis da Cruz.

No final anunciaram-se os triunfadores do Concurso de Ganadarias. Leve divisão de opiniões nas bancadas com a atribuição do prémio de bravura ao toiro de Passanha (de que também eram sérios candidatos os de Veiga Teixeira e Ribeiro Telles), mas o júri decidiu, está decidido - e o toiro mereceu. O prémio de apresentação foi entregue, com aplausos gerais, ao toiro de Veiga Teixeira.

A corrida de Salvaterra foi, como o têm sido outras, daquelas que marcam esta temporada. Cartel bem montado, atraente e muito bem rematado - que resultou num enorme e aplaudido sucesso. 

Moral da história: quando as coisas são bem feitas, os ingredientes bem seleccionados e atraentes, e quando as empresas se empenham a montar cartéis bem rematados, o público acorre, como tem acorrido este ano aos grandes acontecimentos. 

Parabéns à nova Comissão Taurina de Salvaterra de Magos. E parabéns aos ganadeiros, aos cavaleiros e aos forcados pela tarde grande que ontem a todos proporcionaram.

Fotos M. Alvarenga



Ana Batista, Marcos Bastinhas e João Telles: três grandes
triunfadores ontem em Salvaterra de Magos


Duarte Alegrete: um grande Toureiro a marcar a diferença!