quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Moita, ontem: "Cuqui" e "Juanito" triunfam em noite de sustos

Foram verdadeiros Heróis os matadores Nuno Casquinha, Joaquim Ribeiro "Cuqui" e João Silva "Juanito" na dura e séria corrida de ontem à noite na Moita, em que enfrentaram um complicado (íssimo!) curro de toiros da centenária ganadaria Palha daqueles que quase não dão opções nem tempo para pensar e que pedem o bilhete de identidade aos toureiros. Louve-se a ousadia e a aficion do empresário Ricardo Levesinho em montar esta corrida de matadores, que não estava inicialmente pensada neste ciclo moitense e com a qual procurou, de alguma forma, dar incentivo ao toureio a pé. O público correspondeu e registou-se uma boa entrada. Mas àparte o mérito enorme e a vontade dos toureiros, a corrida teve pouca história...

Miguel Alvarenga - Um belíssimo toiro de Palha, o segundo da noite, que proporcionou uma faena de sonho ao moralizado "Cuqui" e outro que à partida andou solto, desinteressado e criou algum pânico no tércio de bandarilhas, acabando depois por ser superiormente dominado por "Juanito", o terceiro da ordem, foi o que ficou para lembrar da noite dos matadores ontem na septuagenária e carismática praça "Daniel do Nascimento" - onde ainda se venera e respeita o toureio a pé.

Dois pares de bandarilhas enormes do poderoso e eficiente Cláudio Miguel, a dar a cara e a pôr a carne toda no assador e ainda outro imponente de Jorge Alegrias e, noutro toiro, também os dos valorosos "Chamaco" e João Martins, elevaram bem alto a grande qualidade dos bandarilheiros lusos numa noite em que os espanhóis da quadrilha de "Juanito", que bem tinham estado na véspera, ficaram muito aquém dos nossos na difícil arte de bandarilhar. Destaque ainda para a forma correcta e sabedora com que Tiago Santos recebeu e bregou os toiros.

O que demais se passou na corrida foi apenas a entrega e o mérito dos três matadores nacionais frente a toiros sérios, duros e sem opções, com perigo e a provocar arrepios nas bancadas - e na arena também.

"Cuqui", que na corrida de 15 de Agosto nas Caldas dera já um importante grito de alerta, reafirmou ontem a sua raça, a sua classe e o seu poderio na muito aplaudida faena que desenhou ao segundo Palha da noite, um toiro fantástico que "só queria muleta" e proporcionou ao valente diestro uma noite de enorme brilhantismo. Faena variada, templada, cuidada, com arte e uma entrega sem fim.

O toureiro demonstrou a dimensão do seu valor e do seu saber e confirmou o grande momento que atravessa, apesar das poucas corridas que tem toureado. Temos matador! E bom! 

Repartiu o tércio de bandarilhas com Casquinha, que no primeiro toiro já fizera o mesmo com ele e estiveram ambos correctos nessa missão, mas mais discretos que em outras ocasiões.

O toiro de Palha foi premiado com merecida volta à arena e com a vinda à praça do maioral da ganadaria e regressou vivo ao campo para continuar o bom nome da histórica divisa de João Folque.

"Juanito" deixara grande ambiente na corrida da véspera, em que entrou em cima da hora depois da trapalhada (que parece muito mal contada...) que terá motivado a nega do espanhol Miguel Ángel Perera, que se ficou por Olivença (à espera não se entende de quê...) e nem sequer esteve na Moita, factor que só por si revela a falta de vontade que lhe ia na alma, ao contrário do que dissera em entrevistas, de vir tourear a Portugal...

E ontem, uma vez mais, "Juanito" deixou a mensagem de que o toureio a pé, com ele e com "Cuqui", mas não só, pode finalmente ter outra vez uma parelha de competição que entusiasme os aficionados e traga novo fulgor às praças - a que continuam a faltar ídolos. E podem estar aqui dois em ebulição.

"Picaram-se" nos quites de capote, cada qual a tentar dizer que é melhor que o outro. E é isso mesmo que estava a fazer falta ao toureio a pé. A competição, a divisão de partidários de um e de outro, o calor nas bancadas, a discussão. E não só.

O segundo toiro da noite era um "tio" dos que assustam e põem tudo no seu lugar. Causou o pânico aos subalternos na hora das bandarilhas. E quando todos pensavam que a faena estava perdida, "Juanito" foi-se a ele com a alma de um leão, fixou-o e desenhou então séries pelos dois lados em que impôs a sua garra, o seu domínio e o seu poderio, aliado às bonitas maneiras de um temple artístico e pausado que entusiasmou o público e o fez levantar-se das bancadas. Faena importante e de imenso valor e a reafirmar "Juanito" como uma estrela no complicado firmamento do nosso toureio a pé.

Cabe agora às empresas, num futuro próximo, dar ou não andamento ao projecto que ontem ficou bem definido na Moita: "Cuqui" e "Juanito" podem levantar isto de uma vez por todas. E faça-se justiça também ao fino muletero Manuel Dias Gomes, toureiro de alma, que infelizmente ainda não vimos este ano actuar. Estás nas vossas mãos, senhores empresários. Levesinho já colocou a primeira pedra e já deu o exemplo. É só seguirem-no. Não é assim tão complicado...

Nuno Casquinha, com as corrida do Peru a fazerem-lhe falta, sente-se que está pouco moralizado e menos placeado que era habitual. Mas isso não é só ele. Estão todos. "Cuqui" e "Juanito" também não têm toureado e ontem ninguém deu por isso, pareciam eles que já traziam uma porção grande de corridas "em cima". Casquinha deu o ar de estar "vencido" - e tem valor de sobra para ultrapassar esse estado de espírito. É um toureiro bom - mas ontem não o vimos.

Empenhou-se na faena ao toiro que abriu praça, a que deu a volta com saber e com domínio, mas sem o brilho sonhado porque o oponente tinha pouca qualidade e quase nenhum sumo para espremer. O toureiro esteve valente e o director de corrida tardou em entender isso, concedendo-lhe música só já quase no fim, quando já muitos aficionados protestavam.

A segunda parte da corrida não teve nenhuma história, pelas pouquíssimas condições de lide dos toiros, perigosos, a dar tarrascadas e derrotes nas muletas, a procurar a figura, mansos, sem casta. O quarto, segundo de Casquinha, passou o tempo todo a fugir do matador e ele pela arena fora atrás dele. O quinto, de "Cuqui", partiu um corno ao embater com violência num burladero e o matador enfrentou depois o sobrero no fim, outro toiro que não deu opções nenhumas para que pudesse brilhar, apesar do seu aplaudido empenho e entrega. O de "Juanito" foi outro manso sem classe e também sem opções. Valeu o querer dos toureiros... com toiros que nunca quiseram saber deles...

Foi assim a noite dos Heróis ontem na Moita. Dirigida por Tiago Tavares, que ao segundo toiro acordou e premiou com música na hora certa os matadores "Cuqui" e "Juanito" depois de se ter atrasado com Casquinha. Esteve assessorado pelo competente médico veterinário Jorge Moreira da Silva e o cornetim, como sempre, foi o histórico José Henriques - sempre a brilhar sempre a marcar a diferença.

Ao início da corrida guardou-se (já devia ter acontecido ontem, mas já diz o povo que mais vale tarde que nunca) um minuto de silêncio em memória do bandarilheiro Jacinto Fernandes e também do forcado Luis Branquinho. Saudade.

Fotos M. Alvarenga

Levesinho arriscou e deu o exemplo louvável de montar ontem
na Moita uma corrida de três matadores nacionais. Público
correspondeu. Na Moita ainda se venera o toureio a pé
Casquinha, com menos moral, deu só um ar da sua (muita)
graça no primeiro toiro da noite
Depois do grito de alerta em Agosto nas Caldas, "Cuqui"
reafirmou ontem o seu valor e a sua arte numa grande faena
ao segundo toiro da noite, um Palha para recordar
Empenho, entrega, arte, poderio e bom gosto. "Juanito"
brilhou na Moita pela segunda noite consecutiva
Magnífico, o segundo toiro de Palha foi premiado com volta
à arena e regressou ao campo
Quinto toiro embateu violentamente num burladero e partiu
um corno, sendo depois substituído pelo sobrero (lidado por
Joaquim Ribeiro "Cuqui")