terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Em mais de 100 anos: morreram três cavaleiros no Campo Pequeno

Fernando de Oliveira era um dos grandes cavaleiros do início do Século XX e foi o primeiro a perder a vida
na arena do Campo Pequeno
Na falta de fotógrafos taurinos, foi assim que se documentou na época a trágica morte de Fernando de Oliveira
na arena do Campo Pequeno em Maio de 1904




Em 12 de Maio de 1904, cumprem-se esta temporada 107 anos, foi mortalmente colhido o cavaleiro Fernando de Oliveira na praça do Campo Pequeno. "Ferrador", um toiro da ganadaria do marquês de Castelo Melhor, atingiu o cavalo de Oliveira, o "Azeitona", derrubando-o com estrépito. O cavaleiro bateu com a cabeça no solo, fracturando a base do crânio. A morte foi quase instantânea. Foi o primeiro toureiro a morrer na arena de Lisboa, que fora inaugurada há pouco tempo. Anos mais tarde, a 16 de Outubro de 1966, quase nas mesmas circunstâncias, perdeu também a vida no Campo Pequeno, no dia em que completava 21 anos, aquele que era um dos mais promissores cavaleiros da época: natural de Évora, chamava-se Joaquim José Correia e era anunciado nos cartéis como "Quim-Zé" (foto da direita). A 11 de Agosto de 1983, o cavaleiro José Francisco Varela Crujo (foto da esquerda), sofre impressionante queda também na arena lisboeta. Permanece quatro anos em coma vigil e acaba por morrer no dia de Natal de 1987. O jornalista Norberto de Araújo descreveu assim no "Século Ilustrado" (revista antiga) a trágica colhida mortal de Fernando Oliveira, primeira vítima mortal na arena da Monumental de Lisboa:

«Fernando de Oliveira, que recebera a farpa da mão do espanhol Currinche, um bandarilheiro castelhano e medíocre, passa pelo sector 1, onde os amigos, debruçados sobre as capas, azul uma, branca outra, de Manuel dos Santos e Tomás da Rocha, o aplaudem; sorri vagamente a Bombita Chico, depois o famoso Ricardo Bombita, que da trincheira, ao lado de Chicuelo, segue a jornada do cavalo; saúda com mal disfarçado respeito as Majestades que olham o redondel distraidamente - e toma à esquerda o lugar para a gaiola. O Ferrador endireitou ao vulto do capote de Teodoro e a gaiola falhou para o cavaleiro. (...)
E que lindo vai agora o Azeitona, numa meia volta que Fernando de Oliveira remata com o seu brilhantismo peculiar! Mas o toiro é tardo e difícil. Fernando já saiu em falso duas vezes... É preciso apertar. Das barreiras, dos sectores de sombra e sombra-sol incitam-no. Há um pequeno silêncio no circo. Vai outra meia volta, e adivinha-se perigosa.
O toiro está nos tércios, em frente do sector 6, sombra-sol, e Morenito, um espanhol de Bombita, atira-lhe o capote. O toiro coloca-se, ainda que apertado. Fernando dá então uma sacudidela ao cavalo, que larga, enquanto a voz possante do cavaleiro incita o bicho - que se volta a sorte. O cavaleiro, corajosamente, remata, mas remata consentindo, isto é, deixando o toiro entrar muito. Cravou o ferro. Há um frémito, agora... O toiro colhera o ginete pela anca e, na violência da pancada, o Azeitona tombou, desequilibrou-se, foi ao solo. Já grita a praça em peso, aos capotes. Correm os espanhóis, porque tudo fora num segundo, pouco mais que num segundo. O cavaleiro saíra pela cabeça do cavalo, e está agora debaixo da montada, aquela montada gentil e donairosa, esperança do cavaleiro para breve, e que o toiro carrega, numa fúria, numa violência.
Por momentos está tudo de pé, nos sectores. Os capotes são inúteis; quase é preciso puxar o bicho, que alfim deixa a presa, já quando Fernando de Oliveira, sangrando da cabeça, com as abas da casaca vermelha voltadas sobre as costas - não dava acordo de si. O cavalo, sem governo, corre desordenadamente a praça. Todos os capotes estão agora em cena. Fernando é levado para a enfermaria. Pela praça vai um frio de morte.» 
(Norberto de Araújo, «A Morte Trágica de Fernando de Oliveira»)

Fotos D.R.