sexta-feira, 9 de junho de 2017

Campo Pequeno: repitam depressa este grande cartel... mas desta vez com toiros!

Rui Fernandes esteve, pela parte que lhe toca, ao mais alto nível do seu imenso
profissionalismo. Pela parte contrária, os toiros, faltou matéria prima para que
pudesse brilhar como queria e todos os aficionados desejavam. Que volte depressa
a Lisboa. Mas com toiros, para poder ser ele!
Temple, arte e muita entrega de João Moura Caetano, sem oponentes à altura
do seu valor, na noite em que assinalava 11 anos da sua recordada alternativa
nesta mesma praça
Leonardo Hernández demonstrou no último toiro que não foi por acaso que há
duas semanas abriu a porta grande da Monumental de Madrid para por ela sair
aos ombros
A primeira pega da noite, ao manso exemplar de Irmãos Moura Caetano, foi
executada a sesgo e com as ajudas carregadas, à quarta, por Pedro Viegas
George Martins Júnior, cabo dos Forcados de Turlock, vencedor do Concurso
de Pegas do ano passado, limpou com um à vontade de arrepiar a primeira
e brilhante exibição dos luso-americanos. É assim e mais nada! À primeira, com
decisão e querer, bem a mandar na investida do toiro, a fechar-se com técnica
e o grupo coeso a ajudar
A terceira pega foi consumada à segunda pelo valoroso Diogo Timóteo, dos
valentes Amadores de Alcochete, que não tiveram ontem uma noite brilhante
Steven Cambaio pegou o quarto toiro à primeira, o grupo esteve enorme a ajudar
e os Amadores de Turlock demonstraram uma vez mais o seu imenso valor
A quinta pega da noite foi executada à primeira pelo grande cabo dos Amadores
de Alcochete, Nuno Santana, que foi quem salvou a honra do convento. Em baixo,
a sexta pega, de David Sánchez, a única dos de Turlock executada à segunda


Sugiro à empresa do Campo Pequeno que ainda este ano repita o magnífico cartel de ontem. Um triunfador de Madrid e dois dos nossos melhores cavaleiros. Mas que desta vez haja toiros… 

Miguel Alvarenga - Sem ovos nunca se fizeram omeletes, por melhores que sejam os cozinheiros. É um lugar demasiado comum, eu sei, mas esta frase bastava para referenciar a tourada de ontem à noite no Campo Pequeno e não era mesmo preciso escrever mais nada. Ficava tudo dito, para bom entendedor meia palavra basta e a realidade é que os três cavaleiros tiveram o mérito e o valor enormes, primeiro que tudo, de procurar entender o que era aquilo que tinham pela frente… eram toiros? Eram carros? Eram motos? Eram bonecos de corda? Bonecos não eram certamente e os toiros não são assim…
Os toiros são uma carta fechada, todos o sabemos. Os de Maria Guiomar Cortes de Moura (estes anunciados agora como de Irmãos Moura Caetano, embora ainda não o sendo na realidade) são do célebre encaste Murube, também todos o sabemos. Mas não tinham nada a ver com os que temos visto em corridas anteriores e nomeadamente na Moita com Ventura. Estes de ontem eram Murubes de mais, dóceis de mais, não transmitiram nada e acabaram por manchar, pela negativa, pela falta de tudo o que se exige numa corrida de toiros, a terceira noite (que devia ter sido grande) da Temporada Histórica dos 125 anos do Campo Pequeno.
Um quartito de casa fraca, para ser amável. Nenhum ambiente numa noite de calor, mas gélida no que diz respeito à (falta de) emoção que se quer numa praça de toiros. Não entendo, por mais voltas que dê à cabeça, os porquês do desinteresse do público e dos aficionados (estavam essencialmente aficionados, alguns poucos, mas estavam) pela corrida de ontem. O cartel era belíssimo, muito bem rematado, com um triunfador de Madrid e dois dos melhores cavaleiros nacionais. E ninguém quis ir vê-los. Porquê? Adivinhavam que não ia haver toiros? Não acredito. Já se sabe, repito, como são os toiros de Maria Guiomar Moura, brandos, muitas vezes bons e lidáveis, mas transmitindo pouco, mas ninguém imaginava que iam ser assim os de ontem. Piores que o habitual. Muito distantes da linha habitual da ganadaria. Coisas que acontecem. Mas que não deviam acontecer.
Houve valor, houve entrega e houve sobretudo muito mérito por parte dos toureiros. Mas sem ovos, repito uma vez mais, nunca ninguém conseguiu fazer omeletes.
A ganadaria de Irmãos Moura Caetano é nova. Melhor dizendo, vai ser nova daqui por dois anos. Há que reflectir agora. A tourada de ontem, aliás, exige da parte de todos muita reflexão. Porque touradas destas não fazem aficionados. Pelo contrário, afastam-nos.

A entrega e a maestria de um grande Toureiro

Rui Fernandes não teve a mínima opção diante do primeiro toiro (toiro?) da corrida. Limitou-se a estar bem e a fazer tudo bem feito e com o alto profissionalismo que lhe reconhecemos há muitos anos. Mas não havia mesmo mais nadinha a fazer…
No quarto da noite, esteve Rui Fernandes muito melhor, pelo simples facto de que houve um bocadinho mais de toiro. E quando um toureiro é bom, não há toiro mau que consiga destronar o seu enorme valor. Esteve muito bem, mas não foi suficiente para se dizer que alcançou o triunfo desejado. Porque não havia matéria prima para triunfar. Só por isso. Faltaram toiros, sobrou Toureiro. Grande Rui.
Rui Fernandes é um profissionalão. Toureia pouco, elege os melhores cartéis para estar presente. E apresenta-se sempre, como ontem, ao mais alto nível. Mas por maior que ele seja - e é - quando não há matéria prima, não há hipóteses de fazer valer o seu verdadeiro valor. Por mais que tenha sido o empenho, a entrega, a arte e a maestria - maestria, mesmo! - de Rui Fernandes, não foi ainda desta que saiu em glória do Campo Pequeno. Pela simples e única razão de que um Toureiro precisa de toiros, assim como as omeletas, lá está, precisam de ovos. E sem toiros, meus amigos…

Temple, arte e Caetano também sem toiros

João Moura Caetano assinalava ontem o 11º aniversário da sua recordada alternativa nesta praça. Também sem oponentes à sua altura, fez das tripas coração para sacar o que os “seus” toiros não tinham para dar. Esteve grande com o enorme “Temperamento”, quanto temple, quanta arte, quantos quadros bonitos pintou. Mas também aqui faltou a emoção, não houve transmissão e o triunfo ficou congelado… e à espera de melhores dias ou, se preferirem, de melhores toiros.
O seu segundo toiro (toiro?) foi outro animal sem história e se houve alguma história nessa lide foi porque Moura Caetano a escreveu. Ou a quis escrever. Mas sem ovos, repito pela terceira vez, nem o melhor dos cozinheiros alguma vez fez uma omelete… Faltaram toiros, sobrou Toureiro.

E "explodiu" Leonardo no fim!

Leonardo Hernández também não teve toiro à altura da sua grandeza toureira na sua primeira actuação. Lide de altos e de baixos sempre em busca de alguma coisa que nunca existiu: a chamada bravura, a normal agressividade de um toiro, que não é, por norma, um animal dócil e bonzinho. Costuma marrar, fazer emoção, parar corações nas bancadas. E ontem nada disso aconteceu.
No último toiro da noite, Leonardo pôs o pé no acelarador e até conseguiu demonstrar que às vezes e afinal, mesmo sem ovos, é possível fazer umas omeletezitas. Uma lide importante e que marcou a diferença. Não foi por mero acaso que este grande Toureiro saiu há duas semanas aos ombros pela porta grande da Monumental de Madrid. Não foi, não senhor.
Depois de Pablo e depois de Ventura, Portugal tem uma nova figura do rejoneio para abrilhantar os seus cartéis - e para competir com os nossos, que foi uma coisa que sempre aconteceu desde os anos de ouro dos Peralta, de Domecq e também de Vidrié. Que volte depressa - e em força! Sugiro mesmo que se repita este magnífico cartel, este trio - mas que desta vez haja toiros.

"Grande, grande era a cidade e ninguém os conhecia..."

E que voltem também os Forcados de Turlock, exemplo maior de dedicação e de amor à Festa. Vencedores do Concurso de Pegas do ano passado em Lisboa, vieram ontem reafirmar todo o seu valor e mal a corrida terminou rumaram ao Aeroporto para apanhar o avião e regressar à Califórnia, ontem os espera nova corrida amanhã.
Vieram para triunfar. Demonstraram coesão, espírito de grupo, saber estar, saber ser digno representante, do outro lado do Atlântico, da ancestral tradição lusa de tão bem executar a nobre arte de pegar toiros. Brilhantes!
A primeira pega foi executada à primeira pelo valoroso cabo George Martins Júnior; a segunda pelo valente Steven Cambaio, também à primeira; e a última por David Sánchez, com decisão, à segunda.
“Grande, grande era a cidade e ninguém os conhecia”. Mas os Forcados luso-americanos marcaram a tourada de ontem (foi mesmo uma verdadeira tourada…) e seguiram para a sua terra feitos triunfadores absolutos de uma noite que pouco mais história teve…
Não foi fantástica, coisas que acontecem, a presença ontem no Campo Pequeno dos consagrados Forcados Amadores de Alcochete. Um grupo demasiado bom para uma noite tão apagada.
Pedro Viegas só à quarta consumou a pega ao primeiro toiro da noite; Diogo Timóteo, um forcado de eleição, concretizou a terceira pega da corrida à segunda tentativa; e o enorme Nuno Santana, cabo do grupo e um dos grandes da sua geração, salvou a honra do convento no quinto, com um pegão à primeira - com a raça e com a arte que lhe correm pelas veias de Forcado dos melhores.
Tiago Tavares dirigiu com competência e esteve ontem assessorado pelo médico veterinário Dr. Jorge Moreira da Silva.

Sorte a do Rui, azar o nosso...

Pela primeira vez desde que o Campo Pequeno reabriu, Rui Bento não esteve ontem na praça. Ainda bem para ele, que teria sofrido com o desaire de umas bancadas vazias e com a total falta de emoção num espectáculo cuja verdadeira essência é isso mesmo - a emoção. Que ontem foi apenas comoção… demasiado constrangedora.
Emoção, sim, viveu-a o Rui em Las Ventas, quando ontem ao final da tarde Madrid consagrou em definitivo o toureiro em que ele apostou há três anos. Juan del Álamo abriu a porta grande e saiu por ela em ombros e em glória, explodindo por fim e consagrando-se em definitivo como uma das grandes figuras do momento.
Sorte a do Rui. Azar o nosso...
Venha a próxima corrida do Campo Pequeno. Que a de ontem é para esquecer. Não pela falta de valor (grande!) dos Toureiros e dos Forcados. Apenas e só pela falta daquele que é e tem que continuar obrigatoriamente a ser, o principal e essencial protagonista deste espectáculo - o chamado toiro.

Fotos Maria Mil-Homens