segunda-feira, 5 de junho de 2017

Tarde das que marcam, ontem em Évora - crónica para ti, Joaquim Bastinhas!

O brinde de António Telles, num ferro, ao grande Joaquim Bastinhas. Em baixo,
com o autor destas linhas


Miguel Alvarenga - É para ti, Joaquim Bastinhas, meu querido amigo, esta crónica. Quis que assim fosse, tal como ontem em Évora foram para ti algumas das grandes, sentidas e carinhosas ovações da tarde, quando os forcados te brindaram e quanto o António Telles, teu companheiro de tantas tardes, te dedicou aquele ferro imponente que a todos fez parar os corações. Triunfaste tanta vez neste Concurso de Ganadarias, Évora, a antiga praça e já esta, foi sempre uma das tuas arenas emblemáticas, foi o palco da tua recordada alternativa, quando o grande Mestre Batista ali te doutorou no meio da arena ante o honroso testemunho do então Niño Moura e ontem lá estavas outra vez, quase recuperado, quase a voltar às praças onde ainda fazes imensa falta, onde todos, viu-se, Joaquim Manuel, te continuam a acarinhar. E a esperar.
É para ti esta crónica. Esta crónica fácil de escrever, afinal, o relato simples e sentido de uma corrida que foi grande, de uma tarde que teve emoções de sobra e foi daquelas que enchem as medidas a qualquer aficionado. E estavam lá tantos. Aficionados exigentes, personalidades emblemáticas - e carismáticas - do mundo dos toiros. Que é o teu mundo. Que há-de ser sempre o teu mundo.
Vi-te de pé a aplaudir o triunfo enorme do António Telles, Mestre dos Mestres e que nesta temporada tem estado verdadeiramente imparável, custa-me a crer que alguém o vá ultrapassar, tão alto chegou, tão alto elevou a nobre arte de bem tourear a cavalo e de bem cavalgar em toda a sela. Que bem esteve o António com o toiro branco de Calejo Pires, que se estreou no Concurso de Ganadarias e levou logo para casa o troféu de apresentação, que bem podia ter também sido entregue ao toiro de Veiga Teixeira, mas que assim terá servido de incentivo ao novo ganadero e que importa a meia dúzia de assobios que se fizeram sentir quando o Manuel foi à arena, sorridente e orgulhoso, receber o seu troféu?
Melhor ainda, superior, Toureiro dos pés à cabeça, magistral mesmo, esteve depois o António com o belíssimo toiro de Francisco Romão Tenório, um toiro de verdade, a afastar-se um pouco da linha Murube que caracteriza a ganadaria de Arronches, um toiro bravo, que apertou, que cresceu, que trouxe emoção (e que era, até ali, o primeiro candidato ao prémio de bravura, não fosse depois sair no final aquele exemplar histórico da ganadaria Branco Núncio) e que o nosso António tão inteligentemente entendeu e tão brilhantemente lidou, do princípio ao fim, cites bem medidos, ferros de parar corações num curtíssimo palmo de terreno, aquela maestria eterna, aquela classe, aquele saber e aquela arte que lhe correm pelas veias, não fosse ele filho e herdeiro de tão fantástico Mestre.
O António, que tantas e tantas vezes competiu com os pais dos seus companheiros de cartel de ontem, o João Moura e tu, Joaquim Bastinhas (hei-de vê-los ainda outra vez juntos!), não quis agora que os meninos lhe passassem a perna, agigantou-se, fez-se raça, foi bravura e deu duas lições de cátedra, como há dias o fez Enrique Ponce em Las Ventas, mais de 25 anos de alternativa, o trono eterno, quem é rei jamais perde a majestade. António, o Grande! António, o Mestre! A prometer uma temporada de arromba! Cuidem-se!
Bonito, carregado de respeito e de humildade, o gesto do João Moura Jr. ao brindar a sua segunda lide ao António, em jeito de agradecimento pela lição aos vindouros. Melhor esteve o João no seu primeiro toiro, o de Passanha, que investia com alegria e com raça e que tão bem serviu para o seu toureio de arte e de temple, compassado, exigente, digno exemplo da maestria mourista. Está um Toureiro sóbrio, consagrou-se como Figura, há segurança e tranquilidade em todos os seus pormenores, em todas as sortes, uma brega ímpar, o cavalo feito muleta, como havia há quarenta anos atrás no toureio diferente com que seu pai escreveu a História que todos depois seguiram e de que o João é, a meu ver, o melhor intérprete. Toureiro em constante ascensão, também ele a escrever páginas de glória de uma História que vai marcar, que está a marcar.
No seu segundo toiro, mais áspero, menos dado à prática do toureio do jovem Mourinha, mais reservado, talvez mais propício ao toureio do António, falo do bonito exemplar de Veiga Teixeira, a quem também não teria ficado mal entregue, repito, o prémio de apresentação (irrepreensível), andou o triunfador de Monforte menos regular, mas nem por isso em plano inferior. Bonito gesto teve-o também quando depois de dar a volta em conjunto com o grande forcado Francisco Borges, autor de monumental pega, o deixou sózinho, no meio da praça e se afastou, entregando-lhe o tricórnio, recuando a bater-lhe palmas. É este companheirismo, são estas mostras de dignidade e de humildade que ao longo da vida e dos tempos deram grandeza aos Toureiros. E tu sabes bem do que falo, foste e és disso mesmo um exemplo dos grandes, Joaquim Manuel.
Agora o teu filho Marcos. Tens que estar orgulhoso e feliz, meu querido Bastinhas. Quase que vi ao longe lágrimas raiarem dos teus olhos, não cairam, raiaram, ao constatares que grande Toureiro ele está, que digno sucessor te vai continuar nas arenas, que lidador valente e que valor ele teve a esperar o toiro à porta da gaiola, onde nascem os sustos, onde o coração tem que ser enorme e depois a aguentar de praça a praça, de poder a poder, a pujança da investida do Núncio, um mar de bravura e o Marcos ali, quieto e firme, como se não fosse nada, a esperar até ao fim, a dar toda a prioridade ao toiro, a aguentar e a quartear-se depois num arrepiante palmo de terreno, onde a verdade chega aos céus, onde os toureiros ganham o dinheiro, e foi uma, duas e três vezes, três ferros compridos à antiga que foram os melhores da tarde e o tornaram logo ali um dos grandes protagonistas da corrida de ontem em Évora. Que coração, que valor, que raça toureira. Que grande esteve o nosso Marcos!
E nos curtos manteve o ritmo triunfal de uma actuação que se não esquece, terminando com um par de bandarilhas que foi sempre a tua marca e que ele tão bem interpreta. Com um toiro como o de Núncio, não era fácil e não era sequer preciso, o triunfo estava conquistado, mas aquele par revela a garra, a raça, o sentir e o respeito pelo público de um Toureiro que quer sempre mais e mais e de que tens que estar hoje super orgulhoso, Joaquim Manuel. Parabéns!
Na primeira parte, no toiro reservado e de meias investidas de Canas Vigouroux, andou o Marcos também com muito valor, procurando o sucesso num toiro que não lho ia proporcionar, mas dando a volta à situação com sabedoria e extraordinário sentido de lide, a revelar a maturidade de um jovem que está também a marcar este momento actual do toureio a cavalo.
Houve entrega, houve triunfos e houve momentos enormes de bom toureiro e de rasgada emoção por parte do Mestre e dos dois jovens. A corrida de ontem foi daquelas que ficam na memória e é, para já, uma das corridas que marcam esta temporada, sem dúvida alguma. Tarde grande de toiros.
Tarde grande, de confirmação, de raça, de um valor imenso, a dos Forcados Amadores de Montemor, um dos primeiros grupos de sempre, ontem a vingar a tarde de há um mês, quando os de Évora foram triunfar a sua casa e agora virou-se a moeda ao contrário e foram os montemorenses quem deram lição - de cátedra, também! - na arena dos eborenses. A Festa é mesmo assim e a sua essência é mesmo essa, uns dias triunfam uns, outros dias triunfam outros.
Grande a decisão e a firmeza do João da Câmara, que forcado se está ele a revelar, braços de ferro a aguentar os derrotes poderosos do toiro de Calejo Pires, sem desarmar, sem sair, tão forte e férrea fora a sua vontade de ali ficar e de armar o taco e honrar os pergaminhos da jaqueta que tão bem defende; e que bem esteve o Manuel Ramalho, pequeno, franzino, mas forcado com coração de leão, numa outra lição magistral de como se pegam toiros; e que dizer, meu caro Joaquim, do grande Francisco Borges, recuperado de mais uma lesão, a regressar às arenas como há um mês me anunciara em Montemor, com o poderio de sempre, a casta dos eleitos, a valentia que arrepia, a forma bonita como cita, o saber como recua, a eficácia com que se fecha na cara dos toiros para dali mais não sair, nem que o mundo acabe ou que a terra trema. Grande Forcado! Grandes Forcados! Que bem ajudou sempre o grupo, que bem estiveram a rabejar o Francisco Godinho em dois toiros e o Manuel Vacas de Carvalho num, que loucura tão grande foi ontem a actuação dos Forcados de Montemor! Jovens de praça cheia! E de raça sem fim!
E vamos esperar pelo dia 30, pela noite do S. Pedro, que vai ser certamente de reencontro para os valentes Amadores de Évora. Por morrer uma andorinha nunca a Primavera teve fim. Mas a tarde deles, ontem, foi mesmo de andorinhas mortas, desaires que acontecem e que não diminuem o historial glorioso de um grupo como o de Évora.
O toiro de Passanha não fez mal, foi pelo seu caminho e proporcionou a Gonçalo Pires a única pega à primeira dos eborenses, sem dificuldades de maior. O toiro de Romão Tenório foi um grande toiro e, como tal, não se quis deixar vencer pela forcadagem. Dinis Caeiro, um consagrado, foi três vezes à cara do toiro, à segunda já ia diminuído e quando isso acontece o forcado deve logo ser substituído, mas não foi, erro fatal, acabou por sair lesionado e sem glória para o grupo. Já no ano passado vimos cena idêntica com o mesmo Grupo de Évora em Lisboa, não se manda outra vez à cara de um toiro um forcado que sai lesionado e diminuído, porque as capacidades já não são obviamente as mesmas e as possibilidades de triunfar estão reduzidas à partida. Dobrou-o Ricardo Sousa, valente até dizer chega, consumando ao segundo intento, com mais raça que brilhantismo.
Raça teve-a também o pequeno-grande João Madeira na pega ao bravo Núncio que encerrou a corrida. Ficou só à terceira, que o toiro não era pera doce, com uma ajuda enorme de Luis Miguens, que depois o acompanhou e a teu filho Marcos numa justa e ovacionada volta à arena.
Tarde grande, Joaquim Manuel, com acertadíssima e aficionada direcção do Agostinho Borges, que no último toiro e ao terceiro comprido já estava, muitíssimo justo e acertado, a conceder música ao Marcos, como antes a concedera em todas as lides, por mais que merecida, ao António e ao João.
Uma corrida daquelas que fazem aficionados, que renovam ilusões e enchem as medidas a quem ama esta Festa. Uma palavra final para aplaudir mais uma rigorosa e séria, como sempre, organização do empresário e teu antigo apoderado António Manuel Cardoso “Nené”, um veterano desta arte que não brinca em serviço e jamais defrauda o público. Houve toiros em Évora, houve emoção à farta, houve seriedade e estiveram grandes Toureiros e Forcados de alma na arena.
Tu foste também um protagonista da tarde, meu caro Joaquim Bastinhas, pelos aplausos carinhosos que motivaste, pelas palmas que obrigaste todos a bater, sentidas, de pé, pela emoção que desencadeaste quando te foram muito justamente brindar e reconhecer pelo grande Toureiro que és - e que queremos muito em breve ver de novo nas arenas. Força para ti, meu querido Amigo! Espero rapidamente voltar a aplaudir-te, de pé como o fiz ontem, mas na arena. Que é o teu palco. Que há-de ser sempre a tua vida!

Fotos Maria Mil-Homens